sábado, 15 de novembro de 2008

SUICÍDIO DE CLASSE

José Nivaldo Cordeiro*

S. Paulo, 04/03/2002

Converso muito com as pessoas sobre política. Tenho ficado muito impressionado com as posições daquelas pessoas que se encontram no extrato social superior, os chamados “ricos”, homens de negócios, investidores e intelectuais. É como se coletivamente a classe superior tivesse perdido o senso de perigo e o senso histórico, tivesse perdido a legitimidade de sua ação no mundo.

Isso só confirma a tese do filósofo Olavo de Carvalho, publicada no artigo de O Globo, do dia 03 corrente (“Ricos em Fuga”), de que no período de decadência a elite perde o seu senso de responsabilidade e, diria mesmo, o seu sentido histórico. É só ver a adesão entusiástica da classe empresarial brasileira – a começar pela FIESP – ao programa político do PSDB e outros partidos de esquerda. Tem até empresário querendo ser vice na chapa de Lula!

O governo de FHC, para ficarmos no âmbito da experiência histórica, foi marcado pela abrupta elevação da carga tributária, da regulação, do intervencionismo, pela crise energética, sempre revelando um ânimo antiempresarial. O programa daquele partido, bem como a sua ação de governo, sempre perseguiu e prejudicou os interesses objetivos da elite econômica, o que significa dizer o interesse de toda a coletividade, na medida em que não é possível construir a prosperidade sem uma classe empresarial forte. E uma classe empresarial forte não se constrói com excesso de tributação. No entanto, não se ouve grita alguma. Há um eloqüente silêncio dos meios de comunicações e das entidades empresariais de classe, endossando a nova realidade criada.

O filósofo Olavo de Carvalho bem aponta que os ricos em fuga estão abandonando o espaço geográfico, que acaba sendo tomado pelos arrivistas da pior espécie. O desastroso mesmo, todavia, é a derrota no campo das idéias. As classes superiores no Brasil têm vergonha de defender a propriedade privada, têm vergonha de denunciar a extorsiva carga tributária, pensam estar fazendo o bem ao defenderem iniciativas que fortalecem o Estado em prejuízo dos cidadãos.

Quando o Estado passa a absorver mais de um terço do PIB na forma de impostos – mais do dobro do volume da poupança privada – pode-se dizer que o regime socialista já está implantado. E os agentes políticos conseguiram essa façanha sem qualquer violência ostensiva. Precisaram apenas trabalhar na via parlamentar, propondo sucessivas reformas tributárias anuais. Em duas décadas depois do fim do regime militar foi conseguido o que uma guerra civil talvez não o fizesse.

A elite brasileira entregou os pontos. Tem vergonha de se dizer elite, de se dizer rica. Não mais acredita na sua missão civilizatória, passou a defender os ideais igualitários que, no limite, trazem a semente da destruição da dita elite. E não há nem como discutir. Se você tenta argumentar que estamos todos caminhando para o desastre, olham-no como se você fosse um lunático. Ganhar dinheiro, gerar empregos, empreender a prosperidade, tudo o que legitima a ordem capitalista passou a ser algo socialmente censurável. Estamos assistindo ao suicídio de uma classe inteira, vivemos o fim de uma época.

A tragédia coletiva brasileira é que os adversários do capitalismo nada têm para pôr no seu lugar, exceto a decadência e a pobreza. As experiências socialistas e comunistas pelo mundo afora são bem conhecidas, representando a restauração das formas de trabalho compulsório, numa palavra, da escravidão. Resta o consolo do dito popular, de que não há mal que nunca acabe. É esperar para ver.
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* O autor é economista e mestre em Administração pela FGV-SP