sábado, 14 de abril de 2012

A RESERVA DE MERCADO ENQUANTO INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO: O CASO DA LEI DE INFORMÁTICA NO BRASIL

Fundação Universidade Estadual de Maringá
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Fundamentos da Educação
Aluno: Itamar Flávio da Silveira
Orientador: Professor Dr. Reginaldo Santana Figueiredo



A RESERVA DE MERCADO ENQUANTO INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO: O CASO DA LEI DE INFORMÁTICA NO BRASIL








MARINGÁ, JUNHO DE 1997.




ÍNDICE
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................05
CAPÍTULO PRIMEIRO.
1. A GÊNESE DO PENSAMENTO ANTILIBERAL ..........................14 1.1 POR QUE RETOMAR A GÊNESE DO PENSAMENTO ANTILIBERAL.................................................................................15
1.2 SISMONDI NUM CONTEXTO DE TRANSFORMAÇÕES ..............18
1.3. O NACIONALISMO ECONÔMICO: A FORMULAÇÃO DE UMA TEORIA PARA SUSTENTAR O PROTECIONISMO INDUSTRIAL.........30
1.4 A LUTA ANTILIBERAL E SUA INFLUÊNCIA NAS PROPOSTAS DE DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES ...........................................37
1.5. O DESENVOLVIMENTO DA NAÇÃO COMO ALTERNATIVA
À INSTABILIDADE DO LIVRE MERCADO.....................................40

CAPÍTULO SEGUNDO
2. A RESERVA DE MERCADO PARA A INDÚSTRIA NACIONAL COMO INCENTIVO PARA O DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO ................45
2.1. O INÍCIO DA LUTA ENTRE LIBERAIS E INTERVENCIONISTAS NO BRASIL ..................................................................................46
2.2. BERNARDO PEREIRA DE VASCONCELLOS E TAVARES BASTOS NO COMBATE AO NACIONALISMO ECONÔMICO...........................52
2.3 OS PROTECIONISTAS ALCANÇAM A HEGEMONIA...................61
2.4. ROBERTO SIMONSEN E EUGÊNIO GUDIN DISCUTINDO A POLÍTICA INDUSTRIAL BRASILEIRA ..........................................64
CAPÍTULO TERCEIRO
3. A RESERVA DE MERCADO À PESQUISA E À INDÚSTRIA NACIONAL DE INFORMÁTICA COMO INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO DO BRASIL E À FORMAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA QUALIFICADA..........................................................................72
3.1. OS PRIMEIROS PASSOS DA INFORMÁTICA NO BRASIL...........73
3.2. A INTERVENÇÃO ESTATAL E A EVOLUÇÃO DO
PARQUE INSTALADO DE COMPUTADORES .................................79
3.3. UMA ANÁLISE COMPARATIVA DO DESEMPENHO DA INDÚSTRIA DE INFORMÁTICA. O BRASIL FACE A OUTROS
PAÍSES EMERGENTES............................................................ 90
3.4. O BRASIL OLHANDO PARA O FUTURO COM OS OLHOS
DO PASSADO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O DEBATE NO
CONGRESSO NACIONAL ACERCA DA LEI DE INFORMÁTICA........100
3.4.1. AS TENDÊNCIAS POLÍTICAS FRENTE À INDÚSTRIA
NACIONAL DE INFORMÁTICA ..................................................100
3.4.2. A POSIÇÃO DA SUCESU, DA ABICOMP E DA
ASSEMBLÉIA PAULISTA FRENTE À RESERVA DE MERCADO.......104
3.4.3. OS INTELECTUAIS CONTRA O MERCADO: OS DEPOIMENTOS DE CLODORALDO AZEVEDO E ROGÉRIO CERQUEIRA LEITE......121
3.4.4. OS DOIS EXTREMOS DO EMPRESARIADO BRASILEIRO: A OPINIÃO DE EULÁLIO VIDIGAL E JORGE GERDAU.....................131
3.4.5. PAULO MALUF E TANCREDO NEVES: OS PRESIDENCIÁVEIS NA DISCUSSÃO DA LEI DE INFORMÁTICA ................................146
3.4.6. PREVALECEU O NACIONALISMO ECONÔMICO: O PROJETO DA SECRETARIA ESPECIAL DE INFORMÁTICA VIROU LEI ..........162
CONCLUSÃO..........................................................................166
BIBLIOGRAFIA ......................................................................179
APÊNDICE I
CONTO “OS DOIS MACHADOS”, DE FRÉDÉRIC BASTIAT ............185
APÊNDICE II
LEI NUM. 7.232 -29/10/1984 .................................................189
















Nada mais difícil de manejar, mais perigoso de conduzir, ou de mais incerto sucesso, do que liderar a introdução de uma nova ordem de coisas. Pois o inovador tem contra si todos os que se beneficiavam das antigas condições e apoio apenas tíbio dos que se beneficiarão com a nova ordem. (Nicolau Maquiavel)













INTRODUÇÃO
Toda vez que alguém tem de escolher um objeto de pesquisa para desenvolver num Programa de Pós-Graduação acaba se deparando com uma situação difícil. Em alguns casos o sofrimento deriva do fato de os pesquisadores não possuir uma preocupação teórica que o estimule a desenvolver o trabalho. Em outros, as preocupações teóricas são tantas que o pesquisador acaba tendo dificuldade no momento de delimitar o objeto de pesquisa. Nosso caso não se encaixa nem no primeiro nem no segundo dilema, mas, mesmo assim, tivemos dificuldades na hora da opção. Além da preocupação em atender às formalidades acadêmicas, queríamos aproveitar a oportunidade para produzir algo através do qual pudéssemos retribuir à sociedade um pouco daquilo que ela nos deu ao financiar nossa formação.
Assim, procuramos um tema que tratasse da Educação não apenas no âmbito das questões relacionadas ao conteúdo programático ou à didática, mas que fosse algo maior. Acabamos optando, então, por formular uma análise da Lei de Informática brasileira e seus resultados concretos no sentido de impulsionar o desenvolvimento científico e tecnológico do país e de sua contribuição para o processo educacional.
Apesar da produção de computadores constituir-se num ramo da indústria, a legislação protecionista à informática não pode ser analisada apenas como uma questão econômica. Ela deve também ser tratada como uma questão relacionada ao processo educacional, já que a informática, entre outras coisas, revoluciona o processo de produção e de transmissão do conhecimento.
Num período de intensas transformações, como este que estamos vivendo, não se pode falar em educação, ou em fundamentos da educação, sem tratar da informática que, indiscutivelmente, constitui-se no meio mais eficiente já inventado pelo homem de produção, armazenamento e transmissão de informações. Já faz parte do dia a dia do processo educacional estas máquinas maravilhosas que permitem o encurtamento das distancias e a transmissão de informações para qualquer parte do planeta em tempo real. Muitas vezes constatamos que é mais fácil comunicar-se com um amigo ou um cientista que está do outro lado do mundo via internet, do que conseguirmos o despacho de um Departamento de nossa Universidade que fica no mesmo corredor de nossa sala. Esta facilidade de comunicação é consequência da intensificação do uso da informática.
As comodidades tecnológicas que hoje temos à disposição e que nos permitem multiplicar efetivamente a transmissão de conhecimento e promover a aceleração do tempo, nem sempre estiveram acessíveis aos brasileiros. Durante aproximadamente duas décadas a aquisição de um equipamento de informática não dependia apenas da vontade do comprador aliada à posse do dinheiro para pagá-lo. Se o equipamento era estrangeiro, ou o eventual comprador enfrentava a via-crúcis da burocracia estatal para obter a autorização de importação (quando esta era permitida pelos regulamentos) ou então recorria ao nebuloso submundo do contrabando.
O Brasil viveu um período recente em que, contraditoriamente, muito se falava na necessidade do desenvolvimento educacional ao mesmo tempo em que se criava uma legislação restritiva que obstaculizava justamente a propagação da informática, a qual, como já enfatizamos, consiste num dos mais eficientes meios de transmissão de informações. É importante atentarmos para o fato de que este paradoxo não é resultado de desinformação ou negligência dos governantes que passaram pelo poder, mas expressão consciente de inúmeros interesses sociais articulados e respaldados intelectualmente pela teoria econômica protecionista, que foi sendo sedimentada no seio da sociedade ao longo de quase dois séculos.
A partir das premissas teóricas do protecionismo, principalmente no pós-guerra, foi se consolidando e se generalizando a ideia de que o desenvolvimento industrial de um país passaria necessariamente pela restrição às importações e pelo fortalecimento do aparato educacional. Pressupõe-se geralmente que todos os países que saíram de grandes crises e experimentaram rápidas transformações econômicas e sociais, tiveram como base de suas transformações o incremento da instrução escolar e a proteção à indústria nacional.
O discurso ressaltando a importância da educação e da proteção estatal à indústria local também sempre esteve presente na História do Brasil. A defesa de um desenvolvimento industrial autárquico baseado no protecionismo aparece no Brasil, pela primeira vez, em 1820, com João Severiano Maciel da Costa. A partir de então o discurso protecionista vai se fortalecendo e, ao entrar na segunda metade do século XIX, a discussão não reside mais no mérito da reserva de mercado para a indústria nacional, mas na escala ideal de proteção.
Durante o século XX, há um recrudescimento do protecionismo. Da clássica proteção tarifária à indústria nacional, transita-se para um protecionismo mais agressivo: proíbe-se a importação de uma série de produtos. É a chamada política de substituição de importações, praticada principalmente a partir do final dos anos 50.
No que diz respeito ao setor da informática, a política industrial brasileira não fugiu à regra. Na medida em que o desenvolvimento da informática começou a figurar como a mais importante tecnologia para o desenvolvimento industrial e bélico de um país, a reserva de mercado para as indústrias brasileiras de informática foi defendida como sendo uma medida indispensável para assegurar a soberania do país. Estabelecida a proteção a partir de 1972, através de Portarias e Resoluções do Executivo, a reserva de mercado se consolida e, a cada dia, conquista mais adeptos. Depois de um rápido debate, que uniu a comunidade científica, empresários nacionais, militares e militantes de extrema esquerda, acerca da melhor estratégia para buscar o domínio tecnológico da informática, inúmeras Portarias foram editadas ao longo da década de 70 para proteger e estimular as indústrias nacionais do setor de informática. Na perspectiva de obter mais segurança quanto ao futuro do setor, em 1984 o Brasil sacramentou a reserva de mercado através da Lei de Informática que, por pelo menos oito anos, garantiria proteção total aos fabricantes nacionais.
Durante mais de vinte anos, a legislação de defesa da informática brasileira vigorou, atendendo aos reclamos de produtores e pesquisadores que exigiam um tempo para que pudessem desenvolver tecnologia própria para o setor de computação. Mas, junto com as mudanças liberalizantes de desregulamentação e concorrência que atingiram o mundo, no final da década de oitenta e início de 90, o monopólio do mercado brasileiro para a tecnologia nativa chegou ao fim. A simples proibição de importação de equipamentos estrangeiros foi substituída por uma política de abertura parcial e gradualista. Mesmo com a proteção de elevadas tarifas alfandegárias, a indústria nacional de informática não resistiu. Apesar das barreiras ainda existentes que dificultavam e encareciam as importações, os consumidores optaram pelos equipamentos fabricados no exterior com tecnologias mais avançadas.
Este processo de abertura do mercado nacional para os produtos estrangeiros suscita discussões a respeito de qual a fórmula mais adequada para impulsionar o desenvolvimento de um país. Evidentemente que os setores ligados à indústria nacional de informática _ empresários, sindicatos de trabalhadores, universidades e aos institutos de pesquisas _ reagem e oferecem resistência à abertura comercial e à importação de tecnologia desenvolvida nos países de economias mais dinâmicas. Os protecionistas argumentam que a abertura comercial enfraqueceria economicamente a nação e reduziria a oferta de empregos para os trabalhadores nacionais, além de abortar a possibilidade de desenvolvimento de uma tecnologia nacional.
Indiscutivelmente, o processo de abertura econômica, principalmente nos países menos desenvolvidos, traz no seu bojo incertezas e apreensões. Se, por um lado, os consumidores puderam usufruir de produtos de melhor qualidade a preços mais acessíveis, por outro, existe também a possibilidade de explicitar o sucateamento das indústrias nacionais, com a consequente desocupação de milhares de trabalhadores que deverão, pelo menos por um curto período, engrossar as fileiras dos desempregados. Esta ambiguidade do processo de transformação faz com que ao mesmo tempo em que setores significativos da sociedade apoiem a abertura do mercado brasileiro para os fabricantes internacionais, outra parte da sociedade, possivelmente a mais organizada, se levante contra a chamada onda neoliberal na perspectiva de conservar e ampliar a reserva de mercado para os produtos das indústrias brasileiras.
Compreender os fatores que norteiam tanto a defesa do livre comércio quanto os que motivam a reação protecionista é o objetivo desta dissertação. O trabalho divide-se em três capítulos.
No primeiro capítulo faremos uma análise das questões principais que levaram pensadores como Jean Charles Leonard Sismonde de Sismondi e Georg Friedrich List a formularem suas criticas as teses livre-cambistas de Adam Smith, David Ricardo e Jean Baptiste Say, buscando uma alternativa para o desenvolvimento das nações fora dos parâmetros liberais.
O ponto de partida desta análise é a situação social do início do século XIX. Procuraremos mostrar as primeiras décadas do século passado como uma fase de grandes transformações econômicas, nas quais o aumento da riqueza produzida provoca simultaneamente grandes desconfortos sociais. Este paradoxo do desenvolvimento da nova forma social baseada na grande indústria suscita nos pensadores da época a necessidade de formular uma nova teoria cuja prioridade não seria mais a produção de riqueza em si, mas, sobretudo, evitar os transtornos provocados pelas mudanças abruptas no processo de produção.
O segundo capítulo é dedicado ao debate entre protecionistas e livre-cambistas brasileiros. Nosso objetivo é trazer à tona as discussões que revelam as angústias e as perspectivas de importantes protagonistas desse debate no século XIX. De um lado estarão as teses e as razões de João Severiano Maciel da Costa, Serzedelo Correia e Amaro Cavalcante, que assumem a defesa do protecionismo industrial; e, no polo oposto, as teses de teóricos liberais como José da Silva Lisboa, Bernardo Pereira de Vasconcellos e Aureliano Cândido Tavares Bastos.
Mostraremos também o debate entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen na década de 1940. Veremos que, enquanto o primeiro se empenhava na defesa de um desenvolvimento industrial baseado na livre troca, o segundo se aferrava à concepção de que apenas o planejamento econômico e o protecionismo estatal poderiam criar o ambiente ideal para o desenvolvimento industrial do Brasil.
Já no terceiro capítulo trataremos diretamente da reserva de mercado para a Indústria de Informática no Brasil. Para tanto iremos transcrever parte dos depoimentos de empresários, cientistas e políticos feitos à Comissão Mista do Congresso Nacional, encarregada em 1984, de analisar o projeto de lei do Governo Federal que instituía a proteção ao segmento de computadores e a tudo aquilo que a Secretaria Especial de Informática (SEI) entendia por informática. Dentre as opiniões por nós selecionadas, estão os depoimentos dos então presenciáveis Paulo Maluf e Tancredo de Almeida Neves, dos acadêmicos Cerqueira Leite e Clodoraldo Pavan, bem como dos parlamentares Severo Gomes, Cristina Tavares e Roberto de Oliveira Campos.
Nosso objetivo é mostrar os motivos que levaram à adoção da reserva de mercado para a indústria brasileira de informática, bem como avaliar seus efeitos reais no desenvolvimento do setor e seu impacto na economia do país.













CAPÍTULO PRIMEIRO.
1. A GÊNESE DO PENSAMENTO ANTILIBERAL









1.1 POR QUE RETOMAR A GÊNESE DO PENSAMENTO ANTILIBERAL
Estamos vivendo um importante capítulo da História da humanidade, no qual as teses smithianas do século XVIII voltam a influir nas ações econômicas de quase todos os países que compartilham da globalização da economia. Indiscutivelmente, a luta contra as políticas de restrição ao comércio e de proteção à indústria nacional parece nunca ter sido tão intensa.
A chamada onda neoliberal, num curto espaço de tempo, conseguiu transformar o panorama mundial: países até então insignificantes passaram a figurar entre as economias mais dinâmicas e, agressivos como tigres, invadem todas as partes do mundo com suas mercadorias competitivas, enquanto grandes potências, que pareciam inabaláveis e perenes, desmoronaram-se como se fossem castelos de areia diante de uma maré mais alta.
Grandes transformações como as que vivemos ultimamente exigem uma reflexão acerca das alternâncias cíclicas entre liberação e contenção dos agentes econômicos do mercado. Neste sentido julgamos oportuno resgatar o momento histórico em que a teoria liberal da Economia Política Clássica começou a ser contestada.
Frente a este processo de desmonte do sistema protecionista que o mundo está vivendo hoje, consideramos importante retomar os principais autores que fundamentaram teoricamente a luta protecionista do início do século XIX. Centraremos nossa análise em Jean Charles L. Sismonde de Sismondi e Georg Friedrich List, que lançaram os primeiros fundamentos das reivindicações intervencionistas. Suas obras foram tão importantes que acabaram servindo como referencial para todos os defensores do protecionismo que surgiram posteriormente.
Na análise que faremos a seguir, tentaremos mostrar que as críticas formuladas contra as teses smithianas não ocorreram em função de seu esgotamento como afirmam muitos, nem devido a conspirações nacionalistas contra o livre mercado.
Para tanto, é preciso partir do fato de que estes autores são protagonistas de uma época de profundas e repentinas transformações. O período que abrange as últimas décadas do século XVIII e as primeiras do século XIX é marcado pela Revolução Industrial, que provocou significativas alterações no panorama econômico e social da Europa. O desenvolvimento material num ritmo jamais visto em toda a história fez com que a humanidade se deparasse com novas formas de produção e novos problemas. A revolução na indústria e nos meios de transportes inundou as principais economias do mundo de riquezas, principalmente produtos manufaturados, ao mesmo tempo em que uma parte significativa da população perdia suas ocupações, formando um grande contingente de desempregados. Estes fatos novos provocaram apreensão e temor em toda sociedade, induzindo os pensadores da época a buscar fórmulas que pudessem garantir um futuro mais estável à humanidade. Procurava-se uma fórmula capaz de conter a “ameaça” representada pela atuação da força “anárquica” e impessoal da “mão invisível” do mercado. Para que possamos compreender melhor estes autores, vamos, num primeiro momento, fazer uma breve análise de cada um separadamente.
















1.2 SISMONDI NUM CONTEXTO DE TRANSFORMAÇÕES
Acompanhando o percurso histórico do pensamento econômico, vamos perceber que, do século XVII ao início do século XIX, existe certa sequência nas formulações teóricas: neste período, o desenvolvimento das relações burguesas é visto como meio de equacionar as dificuldades vividas pela humanidade.
William Petty, chamado por Marx de “pai da Economia Política Clássica”, em seu Tratado dos Impostos e Contribuições, mostra que o meio de promover maior satisfação e conforto para a população passa necessariamente por uma transformação do Estado. Para ele, racionalizar a máquina estatal e converter as chamadas leis sanguinárias contra a vadiagem e a delinquência em penalidades compatíveis com os princípios pragmáticos da sociedade burguesa, era o meio de promover o trabalho ao invés das honrarias, parasitismos e clausuras. Na visão de Petty, o equacionamento dos problemas ingleses passava por uma reformulação da estrutura da sociedade para torná-la mais capitalista.
Adam Smith, em 1776, complementa as teses apregoadas anteriormente por Petty, Turgot e Quesnay ao publicar A Riqueza das Nações, principal obra da época burguesa. Nesta obra, Smith procura mostrar que a livre concorrência era o meio mais eficiente de desenvolvimento que a humanidade havia produzido ao longo de sua história. A livre atuação dos agentes econômicos e a competição que daí adviria seria a forma mais adequada para a prosperidade, pois a promoção do bem-estar geral da população, ao invés de depender da solidariedade e do altruísmo das pessoas, dependeria do egoísmo e do interesse de cada um por si mesmo. É bastante ilustrativa sua frase sobre os benefícios coletivos produzidos pelos interesses individuais:
Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua autoestima, e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para eles. (SMITH, 1985, vol. I, p.50)

Ao findar o século XVIII, esta visão otimista da ordem burguesa começa a ser questionada. Em 1798 surge a obra publicada com o título de An Essay on the Principle of Population as it Affects the Future Improvement of Society (Um Ensaio sobre o Princípio da População enquanto este afeta o Futuro Desenvolvimento da Sociedade), na qual se manifesta aquilo que os historiadores do pensamento econômico chamam de “os sombrios pressentimentos do reverendo Malthus”. Para este, o maior problema que a humanidade teria de enfrentar era um aumento desproporcional da população em relação aos meios de subsistência: a população aumentaria de forma geométrica enquanto os meios para garantir a manutenção da vida cresceriam apenas de forma aritmética. Além de apontar a falibilidade do livre desenvolvimento, sua análise destacava a necessidade imperativa da intervenção estatal no controle da reprodução humana.
Observando a sequência do pensamento econômico, podemos afirmar que, mais séria do que as previsões sombrias de Malthus, foram as formulações de David Ricardo acerca do desenvolvimento capitalista. Em Princípios de Economia Política e Tributação (1817), podemos perceber uma sensível mudança na concepção econômica de Ricardo em relação a Smith. É como afirma Robert Heilbroner:
No mundo de Smith, todos melhoram gradualmente, à medida que a divisão do trabalho aumentava e contribuía para o enriquecimento da sociedade. No mundo de Ricardo, somente o latifundiário tinha lucros. O trabalhador estava condenado para sempre a viver à margem ... (HEILBRONER, 1969, p.84.).

Ricardo toma uma posição peculiar: defende a livre concorrência e a liberdade de investimento, mas, ao mesmo tempo, admite que a utilização crescente de máquinas produzia redução no número de empregos; e destaca ainda um problema que Smith, em função do estágio do desenvolvimento das forças produtivas, não percebeu quando argumentou que a capacidade de consumo da sociedade seria inesgotável:
Se, devido a um aperfeiçoamento da maquinaria, com o emprego da mesma quantidade de trabalho, a quantidade de meias quadruplicasse e a demanda de meias somente duplicasse, alguns trabalhadores seriam necessariamente despedidos da indústria de meias. Mas, como o capital que os empregava não havia deixado de existir, e como seria empregado na produção de alguma outra mercadoria, útil à sociedade em relação à qual poderia deixar de haver uma demanda. Isso porque eu estava, e continuo estando, profundamente impressionado pela verdade contida na observação de Smith de que
‘o desejo de alimentos é limitado em todos os homens pela pequena capacidade de seu estômago, mas o desejo de confortos e de ornamentos nas residências, roupas, carruagens e mobiliário doméstico parece ilimitado, ou pelo menos, sem limites determinados.’
Como naquela época parecia-me que existia a mesma demanda de trabalho que antes, e que os salários não diminuíram, acreditava que a classe trabalhadora, assim como as demais classes, participaria igualmente das vantagens do barateamento geral das mercadorias decorrente do uso da maquinaria.
Essas eram minhas opiniões, e elas seguem inalteradas no que diz respeito ao proprietário de terra e ao capitalista. Mas estou convencido de que a substituição de trabalho humano por maquinaria é frequentemente muito prejudicial aos interesses da classe dos trabalhadores. (RICARDO, 1982, p.261).

David Ricardo vai mais longe ainda, ao afirmar que a teoria da compensação, segundo a qual os empregos suprimidos na produção mecanizada seriam compensados com ocupações criadas na fabricação das máquinas, não se confirmava na realidade. Sua tese é que, na produção de bens de capital, ocorre uma transferência do chamado capital circulante para o capital fixo, reduzindo o montante de recursos destinado à remuneração do trabalho; consequentemente, com a industrialização haveria menos ocupações para os trabalhadores:
A cada aumento de capital, porém, será necessário empregar mais trabalhadores, e, portanto, uma parte de pessoal despedido no primeiro momento seria subsequentemente empregada. E se o aumento da produção, em consequência da utilização da máquina, fosse tão grande que proporcionasse, sob a forma de produção liquida, uma quantidade de alimentos e gêneros de primeira necessidade tão grande quanto existia antes na forma de produto bruto, a capacidade de empregar toda população seria a mesma e, portanto, não haveria necessariamente nenhuma população excedente.
O que desejo provar é que a descoberta e o uso da maquinaria podem ser acompanhados por uma redução da produção bruta e, sempre que isso acontecer, será prejudicial para a classe trabalhadora, pois uma parte será desempregada e a população tornar-se-á excessiva em comparação com os fundos disponíveis para empregá-la. (RICARDO, 1982, p.263).

Mesmo reconhecendo que o número de empregos sofreria redução com a generalização do uso das máquinas, Ricardo manteve a opinião de que não se deveria colocar qualquer obstáculo ao investimento de capital na maquinaria, como queriam muitos. Não agiu assim apenas por deliberada convicção liberal, mas por entender que o desenvolvimento industrial, apesar de problemas na reabsorção da mão-de-obra desempregada, era algo que não dependia da vontade do governo inglês. Entendia que o mercado já era algo dotado de uma dinâmica própria, que se desenvolvia quase que de forma autônoma. Salientava que, caso a Inglaterra colocasse dificuldades ao investimento de capital na maquinaria, o mesmo migraria para outro país e de lá passaria a fazer ruinosa concorrência aos produtos ingleses:
A utilização de maquinaria num país nunca deveria deixar de ser incentivada, pois, se não for permitido ao capital obter o maior rendimento líquido que o emprego de máquinas possibilita, ele será transferido para o exterior e isso representará um desestímulo muito maior à demanda de trabalho do que a generalização mais completa do uso de máquinas, uma vez que, enquanto o capital é aplicado no país, alguma demanda de trabalho deverá ser criada: as máquinas não funcionam sem a intervenção do homem, e também não podem ser construídas sem a contribuição do seu trabalho. Investindo uma parte do capital em maquinaria aperfeiçoada haverá uma redução na progressiva demanda de trabalho; exportando-o para outro país, a demanda será totalmente eliminada.
Além disso, o preço das mercadorias é determinado por seu custo de produção. Com a utilização de maquinaria aperfeiçoada, o custo de produção das mercadorias se reduz, e, consequentemente, será possível vendê-las no mercado externo por um preço mais baixo. Se, no entanto, rejeitássemos o uso da maquinaria, enquanto os demais países o encorajassem, seríamos obrigados a exportar dinheiro em troca dos produtos estrangeiros até que o preço natural de nossos produtos baixasse para o mesmo nível de preço dos demais. Trocando mercadorias com aqueles países, estaríamos entregando uma mercadoria que custa aqui dois dias de trabalho, por uma mercadoria que custa um no exterior, e essa troca desvantajosa seria consequência de nossos próprios atos, pois a mercadoria exportada e que nos custa dois dias de trabalho, custaria apenas um, se não houvéssemos rejeitado o uso da maquinaria, cujos serviços nossos vizinhos souberam aproveitar mais inteligentemente. (RICARDO, 1982, p.266).

Quando Sismondi publica Novos Princípio de Economia Política, em 1819, está apenas dando um passo à frente de Ricardo. A postura de Sismondi é não só resultado de seu próprio amadurecimento, mas também sequência daquilo que Ricardo já havia observado. No Prefácio à Segunda Edição de 1827 é que Sismondi revela, de forma mais explícita, sua concepção a respeito do livre mercado.
Uma vez concebidas como inevitáveis as evidências sombrias previstas por Ricardo, fazia-se necessário elaborar algo novo que pudesse dar um encaminhamento diferente ao desenvolvimento econômico. Sismondi, diante das perspectivas que tinha do futuro, propôs uma nova base para o progresso da riqueza: se o “livre fazer e o livre passar” estava produzindo um excedente populacional, tornava-se indispensável uma nova teoria para dar ordenamento ao desenvolvimento das nações.
A obra de Sismondi não é resultado apenas de sua genialidade individual, como salienta Valentin Andres, na apresentação do texto Economia Política para a edição espanhola de 1969, mas expressão teórica de novos problemas gerados pelo desenvolvimento do capitalismo industrial. Isto pode ser acompanhado através da própria trajetória de Sismondi: em 1803 ele escreve uma obra que podemos qualificar de completamente smithiana, De la Richesse Comerciale ou Principes de l’Économie Politique, Apliqués a la legislation du Commerce (publicado em Genebra); em 1815, entretanto, ele publica, na Enciclopédia de Edimburgo, o artigo “Economia Política”, no qual deixa evidente seu rompimento com a teoria clássica de Adam Smith. Sua postura teórica já não tem praticamente nada a ver com a visão liberal que outrora defendera . Já no primeiro capítulo deste artigo podemos perceber o apelo à intervenção do Estado para controlar a ação das forças do mercado. Quer que a Economia Política não seja meramente uma ciência voltada para a produção da riqueza material, mas que vá além: que se preocupe também diretamente com a promoção da felicidade humana:
Economía Política es el nombre dado a una parte importante de la ciencia política. El objetivo del Estado es, o debería ser, la felicidad de los hombres, unidos en sociedad; busca el modo de asegurarles el mayor grado de felicidad compatible con su naturaleza, y al mismo tiempo permitir que el mayor número posible de individuos participen de esa felicidad. Pero el hombre es un ser complejo; por ello, su felicidade guarda relación con su condición moral y física. La felicidad moral del hombre, en tanto en cuanto depende de su Gobierno, está intimamente ligada a la perfección de ese Gobierno y constituye el objetivo de la política, que debería difundir por todas las clases sociales la benéfica influencia de la lebertad, la cultura, la virtud y la esperanza. (SISMONDI, 1969, p. 13)
E continua Sismondi:
El bienestar físico del hombre, en tanto en cuanto pueda ser producido por el Gobierno, es el objeto de la Economía Politica. Todas las necessidades físicas del hombre, para las cuales depende de sus semejantes, son satifechas por medio de la riqueza. Esta es la que dirige la mano de obra, la que remunera los servicios calificados, la que facilita todo lo que el hombre ha acumulado para el uso o el placer. (SISMONDI, 1969, p.14).

No desenrolar do capítulo Sismondi expressa, de maneira clara, sua preocupação com a forma desigual com que o mercado distribui a riqueza produzida:
La riqueza y la población no son realmente signos absolutos de prosperidad en un Estado; sólo lo son si se las relaciona entre sí. La riqueza es una bendición cuando esparce bienestar sobre todas las clases sociales; la población es una ventaja cuando cada individuo tiene la seguridad de ganarse una subsistencia honesta con su trabajo.(SISMONDI, 1969, p.15).
Mas é em seus Novos Princípios de Economia Política, de 1819, que Sismondi assume de vez sua postura antiliberal. Sua convicção se acentua ainda mais no Prefácio que escreve para a Segunda Edição, de 1827, mostrando de forma cristalina suas críticas ao livre funcionamento do mercado e ao livre desenvolvimento das forças produtivas. Neste prefácio demonstra suas sinceras preocupações com o futuro da humanidade.
Tomando como referência as consequências que o desenvolvimento já havia provocado na sociedade inglesa, Sismondi apela para “a intervenção do poder social para regular o progresso da riqueza, em lugar de reduzir a Economia Política à máxima tão simples, e em aparência tão liberal, de laissez faire et laissez passer.” ( SISMONDI, 1971, p.01). Ou seja, o Estado precisa intervir para impedir a dissolução das classes, que estava ocorrendo devido ao intenso processo de transformação provocado pela concorrência.
Sismondi refere-se ao intervalo de tempo que separou a primeira da segunda edição de seu livro como sendo seu maior aliado. O espaço de sete anos fora suficiente para fazer com que suas hipóteses fossem confirmadas pelos fatos:
Sete anos se passaram, e os fatos me parecem ter combatido vitoriosamente por mim. Eles provaram, de uma forma que eu não poderia fazer, que os sábios, dos quais eu me havia separado, estavam à procura de uma falsa prosperidade; que as suas teorias, lá onde foram postas em prática, podiam muito bem aumentar a riqueza material, mas no entanto, diminuíam a massa de usufruto reservado a cada indivíduo; que ao mesmo tempo em que elas tendiam a tornar o rico mais rico, elas tornavam o pobre mais pobre, mais dependente e mais desprovido. Crises absolutamente inesperadas se sucederam no mundo comercial; os progressos da indústria e da abundância, não livraram, em absoluto, os industriais que criaram esta opulência de sofrimento inaudito, nunca esperado; os fatos não têm correspondido nem à expectativa comum, nem às previsões dos sábios, e malgrado a fé implícita que os discípulos da Economia Política depositam nos ensinamentos de seus mestres, eles são obrigados a procurar alhures explicações novas para os fenômenos que se afastam tanto das regras que eles acreditam estabelecidas.(SISMONDI, 1971, p.02).
Sismondi destaca que a Inglaterra, ao se deixar governar pelos princípios da teoria liberal, já experimentara o gosto amargo de terríveis crises:
A concorrência universal, ou o esforço para se produzir sempre mais, e sempre a preços mais baixos, é desde muito tempo o espírito da Inglaterra, espírito que eu ataquei como perigoso: esse espírito fez com que a indústria da Inglaterra desse passos gigantescos, mas, por duas vezes, ele precipitou os manufatureiros em uma miséria terrível. É na presença dessas convulsões da riqueza, que eu acreditei dever me colocar para rever meus raciocínios e compará-los com os fatos. (SISMONDI, 1971, p.02).

E continua Sismondi:
O estudo que fiz da Inglaterra confirmou meus Novos Princípios. Eu vi nesse país surpreendente, o qual parece sofrer uma experiência que serve como instrução para o resto do mundo, a produção aumentar e o bem-estar diminuir. A massa da nação, tanto como os filósofos, parece, ali, esquecer que a acumulação da riqueza não é o objetivo da Economia Política, mas sim o meio que ela dispõe para promover a felicidade de todos. Eu procuro essa felicidade em todas as classes, e não sei onde encontrá-la. A alta aristocracia inglesa efetivamente alcançou um grau de riqueza e de luxo que ultrapassa tudo que se vê em todas as outras nações. Entretanto ela não usufrui, em absoluto, ela mesma, de uma opulência que parece ter sido adquirida as custas das outras classes; a segurança lhe falta, e dentro de cada família a privação se faz sentir mais ainda que a abundância. Se entro nessas mansões onde o esplendor é todo real, ouço seus chefes afirmarem que se suprime-se o monopólio do trigo que eles exercem contra seus compatriotas, as fortunas deles serão liquidadas, porque suas terras que se estendem sobre todas as províncias, não serão suficientes nem para pagar as despesas de cultivo. Em torno desses chefes vejo uma quantia de filhos, sem exemplo em qualquer outro lugar dentro da classe aristocrática; algumas vezes essa quantidade de filhos chega a dez, doze, algumas vezes mais; porém todos os filhos mais novos e todas as filhas são sacrificados em prol da glória do irmão mais velho; a divisão dessa fortuna em dinheiro não equivaleria a um ano de renda do irmão deles; eles deverão envelhecer no celibato, no fim de suas vidas lhes faz pagar bem caro o luxo dos seus primeiros anos. (SISMONDI, 1971, p.03).
Sismondi deixa como saldo uma teoria que servirá de base para que outros autores, como Thomas Hodgskin e Georg Friedrich List, por exemplo, desenvolvam teses contrárias ao livre mercado. O desencanto de Sismondi com o capitalismo livre-cambista foi tamanho que suas críticas bem poderiam ter inspirado o próprio Karl Marx, o maior e mais implacável crítico da sociedade burguesa. No trecho citado a seguir, fica evidente a radicalidade das críticas de Sismondi ao capitalismo concorrencial e seu consequente rompimento com a economia política clássica:
Esta opulência nacional, cujos progressos materiais tanto impressiona a todos os olhos, enfim, trouxe alguma vantagem para o pobre? Nenhuma vantagem. O povo na Inglaterra está simultaneamente privado de comodidade no momento presente e de segurança em relação ao futuro. Não existem mais camponeses no campo; eles foram forçados a tomar o lugar dos diaristas; quase não existe mais artesãos nas cidades, ou chefes independentes de uma pequena oficina, mas somente manufatureiros. O industrial, para empregar uma palavra que este mesmo sistema colocou em moda, não sabe mais a que classe ele pertence; ele ganha somente o salário, e como esse salário não lhe bastaria igualmente em todas as estações, ele é obrigado, quase todos os anos, a pedir esmola à bolsa dos pobres (...) A nação inglesa achou mais econômico renunciar às culturas que demandam muita mão-de-obra e desempregou a metade dos cultivadores que habitavam seus campos; ela achou mais econômico substituir os manufatureiros pela máquina a vapor, e assim ela desempregou, depois reempregou, depois desempregou novamente os trabalhadores das cidades; e os tecelões cedendo lugar aos “power looms” (profissões criadas pela máquina a vapor), sucumbem hoje à fome. Ela achou mais econômico reduzir todos os trabalhadores ao salário mais baixo possível para se sobreviver, e os trabalhadores, não sendo nada além de proletários, não acreditavam que seriam mergulhados dentro de uma miséria mais profunda ainda ao criar famílias sempre mais numerosas; ela achou mais econômico nutrir os irlandeses somente com batatas e vesti-los somente com farrapos, e hoje cada “packet-boat” lhe traz legiões de irlandeses, que, trabalhando mais barato que os ingleses, expulsam esses últimos de todos os empregos. Quais são, portanto, os frutos desta imensa riqueza? Ela produziu algum outro efeito além de espalhar tormentos e privações e o perigo de uma ruína completa à todas as classes? A Inglaterra esquecendo os homens em favor das coisas, não sacrificou os fins em favor dos meios? ( SISMONDI, 1971, p.05).
Como podemos perceber, é na virada do século XVIII para o século XIX que a concepção livre-cambista, até então em trajetória ascendente, experimenta pela primeira vez contestações mais sólidas que as queixas e temores do velho corporativismo. Trata-se agora de uma verdadeira ruptura teórica no campo do pensamento econômico. Na Europa, quem melhor expressa o desencanto com as práticas e com a teoria livre-cambista é Sismondi.












1.3. O NACIONALISMO ECONÔMICO: A FORMULAÇÃO DE UMA TEORIA PARA SUSTENTAR O PROTECIONISMO INDUSTRIAL.
Diante das conturbações sociais e dos terremotos econômicos provocados pelas chamadas crises de superprodução que abalaram a Europa no início do século XIX, tornara-se imperativo, para os observadores mais preocupados com o futuro, buscar uma fórmula capaz de conciliar desenvolvimento com prosperidade social. Com esse intuito o economista G. F. List, ao elaborar sua obra, procura ir além da simples refutação da doutrina do livre comércio. Ele toma para si a árdua tarefa de apresentar uma alternativa ao mercado livre, algo capaz de evitar as crises que vinham abalando o continente europeu.
Diferentemente do que pensava Sismondi, List procura mostrar que as causas das conturbações sociais não residem no aumento do capital e da produção.
Somente por ignorar a tendência cosmopolita das forças produtivas é que Malthus incidiu no erro de desejar limitar o aumento da população, ou Chalmers e Torrens sustentaram, em época mais recente, a estranha ideia de que o aumento de capital e de produção irrestrita constituem males cuja repressão é exigida imperiosamente pelo bem-estar da comunidade, ou Sismondi afirma que as indústrias são fatores perniciosos à comunidade. A teoria deles, neste caso, assemelha-se a Saturno, que devora seus próprios filhos; a mesma teoria que admite que o aumento do capital da produção e das máquinas gera a divisão da mão-de-obra, explicando assim o bem-estar da sociedade a partir disto, ao final acaba considerando essas forças como monstros que ameaçam a prosperidade das nações, porque considera apenas as condições atuais das diversas nações, não levando em conta as condições do mundo inteiro e o progresso futuro da humanidade. ( LIST, 1983, p.94).

Para List não é preciso conter o desenvolvimento da riqueza. O fundamental é controlar as forças devastadoras do mercado que, se deixadas livres, são capazes de destruir décadas de lutas e sacrifícios perseguidos por aqueles povos que procuram o desenvolvimento industrial do país visando a opulência, a criação de empregos e a prosperidade nacional. Portanto, criar mecanismo para conter a entrada no país dos produtos manufaturados estrangeiros constituía, segundo ele, o primeiro passo na direção da paz social e do fortalecimento da nação.
List faz um resgate histórico dos períodos de prosperidade pelos quais passaram as principais potências europeias desde a Baixa Idade Média, para mostrar que Veneza, as Ligas Hanseáticas, Holanda, Bélgica, Espanha, Portugal, França e Inglaterra, desfrutaram de poder e glória exatamente quando praticaram uma política econômica planejada com o intuito de proteger suas manufaturas e sua marinha mercante; da mesma forma, todas as nações _ com exceção da Inglaterra, que estava no auge da glória _ sofreram seus reveses ao perder o controle dos mecanismos que possibilitaram a sua ascensão. Ele concebe que o livre comércio só pode trazer os benefícios apregoados pelos liberais a partir de um nível de desenvolvimento geral das nações:
Sustentamos, porém, como conclusão irrefutável que, nas atuais condições do mundo, o resultado da liberdade geral do comércio não seria uma república universal, mas, pelo contrário, uma sujeição total das nações menos adiantadas à supremacia da potência industrial, comercial e naval atualmente dominante. Uma república universal (na acepção de Henrique IV e do Abade de Saint Pierre), ou seja, uma união das nações da terra, reconhecendo todas elas as mesmas condições de direito entre si e renunciando aos próprios interesses egoísticos, só pode ser realizada se um grande número de nações atingir mais ou menos o mesmo grau de indústria e civilização, de cultura política e de poder. (LIST, 1983, p.93).

A conclusão de List é que sem essa igualdade de condição entre as nações, o progresso de cada uma depende diretamente da forma pela qual seus dirigentes estimulam o desenvolvimento nacional, através da proteção que dão ao seu comércio e à sua indústria manufatureira.
A restrição à entrada dos produtos manufaturados estrangeiros deve ser a primeira medida a ser tomada, para que se estimule no país o desenvolvimento das artes. Estas, ao receberem a proteção das alíquotas alfandegárias contra os concorrentes internacionais, teriam condições de florescer, gerando empregos e um mercado consumidor para os produtos agrícolas.
List se preocupa em mostrar que a prosperidade de um povo depende do fomento das atividades indústrias que este seja capaz de organizar e desenvolver. Portanto, para ele, é a partir da nação que a economia deve ser pensada.
Diria que a característica básica deste meu sistema reside na NACIONALIDADE. Toda a minha estrutura está baseada na natureza da nacionalidade, a qual é o interesse intermediário entre o individualismo e a humanidade inteira. (LIST, 1983, p.5).

List não discorda da premissa de que a liberdade de comércio é capaz de promover o desenvolvimento e trazer mais comodidade para a humanidade; o que ele está questionando são as circunstâncias em que a mesma deva ser adotada. Como uma nação de manufaturas nascentes poderia florescer expondo-se à concorrências das manufaturas mais desenvolvidas de outros países?
Mas o sistema não diz que meios devem ser adotados para por em ação e valorizar as forças naturais pertencentes a determinada nação, que meios devem ser utilizados para que uma nação pobre e fraca se torne uma nação próspera e poderosa; isso porque a escola, ignorando totalmente a política, ignora as condições específicas da nação, levando em conta exclusivamente a prosperidade da humanidade como um todo, e não das nações individuais. (LIST, 1983, p.119 e 120).

O caminho, então, é encontrar o meio que viabilize o crescimento da riqueza das nações atrasadas na corrida industrial. Segundo a teoria de List, se existisse uma união política universal das nações, o mercado livre indiscutivelmente traria progresso para a humanidade. Mas, diante da ausência deste acordo internacional, a visão dos liberais seria ingênua por acreditar que nações que se encontram em estágios diferentes de desenvolvimento _ sem nenhum tratado de cooperação _ pudessem se beneficiar igualmente de um comércio livre: nações que estão em fases distintas de desenvolvimento possuem interesses antagônicos e não formam uma “república universal”, como (supostamente) imaginavam os liberais.
Se a escola apresenta a livre concorrência entre os produtores como o meio mais eficaz para promover a prosperidade do gênero humano, a tese é plenamente correta, do ponto de vista da indústria subjacente. Na hipótese de uma união universal, parece irracional e perniciosa qualquer restrição ao intercâmbio honesto de bens entre países diferentes. Mas enquanto outras nações continuarem a subordinar os interesses da humanidade como um todo aos seus interesses nacionais, é loucura falar de livre concorrência entre os indivíduos de nações diferentes. Os argumentos da escola em favor da livre concorrência só se aplicam ao intercâmbio entre membros pertencentes à mesma nação. (LIST, 1983, p.121).

Classificando o desenvolvimento das nações em três etapas distintas _ barbárie, estágio intermediário e estágio de opulência industrial _ List defende a adoção do livre comércio no primeiro e no terceiro momento, como sendo de grande proveito para a prosperidade do país, ao estimular o desenvolvimento e o incremento das artes.
Finalmente a História ensina-nos que as nações dotadas pela Natureza de todos os recursos necessários para atingirem o mais alto grau de riqueza e poder podem e devem, sem comprometer os objetivos que visam modificar seus sistemas de acordo com o estágio de seu progresso: no primeiro estágio, adotando comércio livre com nações mais adiantadas como meio de saírem elas mesmas de um estado de barbárie e para fazerem progresso na agricultura; no segundo estágio, promovendo o crescimento das manufaturas, da pesca, da navegação e do comércio externo, adotando restrições ao comércio; e no último estágio, após atingir o mais alto grau de riqueza e poder, retornando gradualmente ao princípio do comércio livre e da concorrência sem restrições, tanto no mercado interno como no mercado internacional, de maneira que seus agricultores, comerciantes e manufatores possam ser preservados da indolência e estimulados a conservar a supremacia que adquiriram. (LIST, 1983, p.85).

Em princípio List não discorda da eficiência do livre mercado. A objeção não é propriamente à livre concorrência, mas às situações em que não há equilíbrio de forças entre os concorrentes. Deixar uma nação com indústria nascente, ou em crescimento, exposta aos produtos das manufaturas mais aperfeiçoadas e subsidiadas da Inglaterra, seria, por exemplo, condenar a Alemanha à desprestigiada condição de um país fornecedor de matérias-primas para os países mais desenvolvidos. O autor destaca ainda que o país que não edifica sua própria indústria manufatureira fica à mercê das nações industrializadas e, diante de crises internacionais (em caso de uma guerra prolongada, por exemplo), poderá ficar privado das comodidades e benefícios das artes.
Se fizermos uma leitura apressada da obra de List poderemos ficar com a impressão de que suas teses são irrefutáveis. Mas, se as analisarmos com um pouco mais de atenção, perceberemos que, se colocadas em prática em sua totalidade, suas teses _ no estágio intermediário de desenvolvimento _ trariam grandes problemas, uma vez que conduziriam todos os países a buscarem a autarquização de suas economias. Ora, se é bom produzir todos os produtos manufaturados que necessitamos, não haveremos de realizar intercâmbio internacional e logo caberá a cada nação dominar todos os procedimentos tecnológicos e científicos necessários para seu desenvolvimento.
A obra de List inegavelmente tem seu valor histórico e científico, mas não podemos deixar de destacar sua falibilidade em vários aspectos. Assim como é verdadeira a denúncia de List de que, na prática, a concorrência não é tão livre como aparece na teoria dos livre-cambistas podemos dizer também que o incentivo à indústria nacional, através do protecionismo alfandegário, na prática, não é impulsionador do desenvolvimento como se apresenta em sua teoria. Os resultados concretos do protecionismo industrial nos mostram que as economias com reserva de mercado, além de penalizar os consumidores _ principalmente os mais pobres _ ao proibi-los de adquirir produtos mais baratos fabricados por indústrias mais eficientes, conduzem os produtores à indolência e colaboram no desvio dos lucros da indústria, que deveriam ser reinvestidos em pesquisas e modernizações, para gastos menos produtivos. Podemos dizer também que a teoria de List, ao defender a restrição na oferta dos produtos estrangeiros, acaba premiando os menos produtivos que passam a deter o monopólio da oferta para os consumidores nacionais.














1.4 A LUTA ANTILIBERAL E SUA INFLUÊNCIA NAS PROPOSTAS DE DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES
A chamada época burguesa, ao promover a Revolução Industrial, transformou radicalmente as relações de produção e tudo aquilo que se encontrava em torno delas. Multiplicou a capacidade produtiva e dissolveu segmentos sociais inteiros, erguendo em seu lugar novas classes e novos valores.
O processo de substituição do artesanato pela manufatura e desta pela Grande Indústria não significou apenas uma maior oferta de bens e serviços à população; significou também a destruição de relações e de classes que estavam envolvidas com a forma social anterior: o trabalho do artesão que existiu durante séculos tornou-se obsoleto com a implantação das novas formas de produção. A manufatura, ao promover o processo de divisão do trabalho, multiplicou geometricamente a capacidade produtiva. Conforme Adam Smith, quanto maior for o tamanho do mercado consumidor, mais abrangente será a divisão do trabalho: “Como é o poder de troca que leva à divisão do trabalho, assim a extensão dessa divisão deve sempre ser limitada pela extensão desse poder, ou em outros termos, pela extensão do mercado.” (SMITH, 1985, vol. I, p.53); e, com a divisão do trabalho, a possibilidade do aumento da produtividade de cada operário.
A destruição das ocupações no mundo artesanal ou manufatureiro poderia ser compensada pelos novos empregos que surgiam na nova forma, mas, além do choque provocado pela violenta substituição de uma forma de trabalho por outra, não existia nenhuma garantia prévia de que os expropriados dos velhos segmentos seriam empregados na nova forma. Nenhum processo de transformação se realiza com “boas maneiras”, pedindo permissão para entrar e escusas pelos desconfortos causados. A substituição de uma forma de trabalho por outra se dá numa luta concorrencial não apenas entre a nova e a velha forma, mas também entre os próprios produtores da nova forma. Um empresário manufatureiro nunca poderia se solidarizar com os mestres das corporações que estavam sendo dissolvidas porque, ao mesmo tempo em que a sua ação destruía o artesanato, tinha a seu lado outros empresários manufatureiros que inovavam suas fábricas a cada dia na perspectiva de simples sobrevivência ou de abocanhar uma maior parcela do mercado.
A Revolução Industrial, em poucas décadas, fez aquilo que a humanidade não havia realizado em séculos. Promoveu o desenvolvimento superando toda a potencialidade produtiva que as outras formas sociais tinham conseguido acumular. Segundo Marx, em “apenas um século de existência, a burguesia foi capaz de gerar forças produtivas mais variadas e potentes do que todas as gerações precedentes juntas em conjunto.” (MARX & ENGELS, 1982, p. 23). Nesta luta ininterrupta, a sociedade vai se transformando e não se detém para curar os feridos: milhares de pessoas vão perecendo pelo caminho e outras vão se estabelecendo temporariamente como vencedoras, até que sejam vencidas por outras mais aguerridas.
Conter o desenvolvimento anárquico da produção parecia ser, naquele momento, uma necessidade premente na Europa. Depois do desenrolar dos fatos ficou muito mais fácil perceber os limites do pensamento antiliberal, mas temos de admitir também que no momento em que ocorre uma radical transformação na natureza das crises _ passando de crises de carências para crises de excessos _ seria quase que natural uma luta pela contenção do livre desenvolvimento da produção e circulação da riqueza, objetivando uma política econômica de curto prazo que pudesse evitar os traumas do processo de transformação. Afinal, era na forma do “livre mercado” que se criavam os desconfortos sociais das falências e dos desempregos. É importante considerar também que era a primeira vez na história da humanidade que o desconforto, a fome e as difíceis condições de vida ocorriam com a abundância: conviviam simultaneamente lojas abarrotadas de mercadorias e multidões de famintos à procura de trabalho e comida. Situação que levava muitos a concluir que a superprodução era responsável pelo desconforto social.

1.5. O DESENVOLVIMENTO DA NAÇÃO COMO ALTERNATIVA À INSTABILIDADE DO LIVRE MERCADO.
Diante de um quadro em que conviviam paralelamente opulência e desconforto social, é óbvio que as alternativas que apontassem saídas menos traumáticas seriam aceitas por amplas camadas da população. Num cenário de apreensões e incertezas, torna-se perfeitamente compreensível que a teoria nacionalista de Georg F. List tenha suplantado a escola popular da Economia Política, a partir de 1850, substituindo, quase que no mundo todo, a política econômica de livre comércio pela política protecionista de desenvolvimento industrial. Podemos dizer que, da mesma forma que a Globalização é vista hoje como uma força subversiva capaz de desestruturar as economias de várias nações, naquela época o desenvolvimento do comércio passava a ser visto, pelos intervencionistas, como uma ameaça à estabilidade social dos países que se mantivessem abertos ao comércio internacional.
A política protecionista de Georg F. List torna-se providencial ao apontar uma saída que, em tese, seria capaz de substituir o cenário sombrio descrito por Sismondi por um outro em que a perspectiva do desenvolvimento da indústria permanecia.
Em sua principal obra, List faz aquela longa digressão histórica sobre o desenvolvimento manufatureiro das nações para convencer seus contemporâneos, em especial os alemães, de que a ascensão ou decadência das potências europeias, ao longo da história, dependeu sempre do grau de autonomia econômica que cada uma teve em relação a seus concorrentes. Argumenta ele que a excessiva dependência do exterior _ tanto para a obtenção de matéria prima como para colocação de seus manufaturados _ deixa a nação exposta a grandes riscos. Uma vez aceito este diagnóstico como correto, o passo seguinte é a formulação de uma política econômica baseada no desenvolvimento autárquico do país.
Para dar estabilidade aos produtores agrícolas se deve impor restrições à importação de grãos e matérias primas que o país tenha condições de produzir, fazendo-se o mesmo em relação à manufatura. Assim, agricultura e manufaturas nacionais se retroalimentam e ganham autonomia em relação às economias estrangeiras. A manufatura, ao mesmo tempo em que garante escoamento aos produtos do campo, tem neste um mercado cativo para sua produção. Através da taxação dos manufaturados estrangeiros, o Estado oferece condições básicas para o desenvolvimento da indústria nacional. Sem a concorrência da produção dos países mais desenvolvidos, a indústria nacional pode se fortalecer e ganhar competitividade no mercado e impulsionar o desenvolvimento do país. Se o desestabilizador do crescimento econômico da nação é o concorrente estrangeiro, expulse-o do mercado interno e assim haverá as condições necessárias para o desenvolvimento nacional. Se são as artes inglesas e francesas que impedem a geração de empregos, e o desenvolvimento intelectual e material, na Alemanha afaste os concorrentes através de barreiras alfandegárias proibitivas e tudo estará resolvido. Pelo menos em teoria, tudo deveria transcorrer maravilhosamente bem!
Como nem tudo é perfeito, a teoria listiana, apesar de nortear as ações da política econômica de quase todos os países do mundo, também apresentou seus problemas. Pode-se afirmar com segurança que se, por um lado, foi fundamental no desenvolvimento de muitas nações _ inclusive a Alemanha de Bismarck _ por outro lado, foi responsável tanto pelo atraso tecnológico da maioria dos países que padecem do subdesenvolvimento, quanto pela ideologia belicosa de muitos regimes nacionalistas, promotores de sangrentas guerras que ceifaram milhões de vidas humanas. Vale lembrar que a fundamentação econômica de Minha Luta, de Adolf Hitler, usado como livro-texto para a propagação do movimento nazista, está respaldada no Sistema Nacional de Economia Política, de List.
Como teórico militante do protecionismo à indústria nacional, List aponta uma alternativa estável para o desenvolvimento, mas suas críticas à liberdade de comércio também deixam lacunas e contradições. Ao alertar que, ao chegar ao terceiro estágio _ o estágio do desenvolvimento industrial _, a nação deveria permitir o livre comércio como forma de impedir a indolência dos produtores, List acaba admitindo que, sem a concorrência, não há motivação para o aprimoramento produtivo. Ora, se no terceiro estágio, a ausência de concorrência conduz o país à ineficiência, por que isto não ocorreria no estágio anterior? A teoria nacionalista de desenvolvimento de List é contraditória não somente naquilo que ela tem de mais essencial _ que é o empenho dos produtores internos pela prosperidade nacional _ mas também no que diz respeito a questões menores.
Assim como podemos tecer críticas à ação fria e desumana do livre mercado, torna-se possível arrolar os inconvenientes da restrição à circulação de mercadorias. O desenvolvimento, apesar de provocar pânico e destruição de setores tradicionais, produz ciência, bens e serviços que facilitam a vida do homem, trazendo, inclusive, uma maior expectativa de vida para o conjunto da população. Há ainda outro aspecto importante no processo de desenvolvimento que muitas vezes é desconsiderado: os segmentos destruídos pelo processo de transformação já não representavam mais a garantia da reprodução humana. Classes que, em outras épocas, haviam sido indispensáveis para a civilização converteram-se em obstáculos, uma vez que a sociedade transformada dispensava seus préstimos. Nesse sentido, a própria destruição de certas instituições e segmentos sociais é a razão de ser do novo que está florescendo: caso ocorresse uma pacífica conciliação, certamente não haveria a inovação. Mas, por outro lado, também é preciso reconhecer que a abundância de produtos convivendo com a miséria, era um espetáculo inusitado e assustador. Portanto, nosso propósito, aqui, não é fazer um julgamento da postura teórica e política de J. C. L. Sismonde de Sismondi e Georg F. List, mas apenas resgatar suas obras como expressão teórica da gênese da luta antiliberal no século XIX.
Queremos destacar que as mudanças, a nível de pensamento econômico, expressam as transformações ocorridas na organização da produção e os conflitos inerentes a este processo. Vale salientar que o intervencionismo, tanto de esquerda como de direita _ socialismo e protecionismo _ não eram as únicas opções que restavam à humanidade. Ao contrário, a despeito de todas as formulações teóricas restritivas e de todas as ações efetivas dos governos no sentido de conter o mercado e cercear o livre câmbio _ e mesmo a despeito das guerras de destruição e barbárie que a humanidade viveu _ o desenvolvimento conseguiu transpor os limites legais e os preconceitos, produzindo, inclusive, homens que formularam teorias opostas ao do protecionismo. O mesmo cenário europeu que produziu os intervencionistas List, Hodgskin e Keynes produziu também nomes expressivos do pensamento econômico como os liberais F. Bastiat, L. von Mises e F. von Hayek.
Quase dois séculos depois das interpretações sombrias de protecionistas e socialistas sobre a natureza autodestrutiva da economia de mercado, a história registra um planeta habitado por mais de 5 (cinco) bilhões de habitantes, com um desenvolvimento tecnológico jamais imaginado, onde os velhos princípios de Adam Smith voltam a ocupar um lugar de destaque nas formulações econômica que visam impulsionar ainda mais o desenvolvimento.










CAPÍTULO SEGUNDO
2. A RESERVA DE MERCADO PARA A INDÚSTRIA NACIONAL COMO INCENTIVO PARA O DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
















2.1. O INÍCIO DA LUTA ENTRE LIBERAIS E INTERVENCIONISTAS NO BRASIL
Vencida a questão maior acerca da gênese do pensamento antiliberal, como alternativa à Economia Política, é preciso tratar mais de perto o protecionismo industrial brasileiro e suas implicações práticas para o processo educacional.
Vale lembrar que, no Brasil, as restrições às importações de produtos estrangeiros não são medidas recentes. Fazendo um resgate das imposições protecionistas, vamos perceber que as batalhas teóricas entre livre-cambistas e protecionistas teve seu início formal há quase dois séculos e, a partir de então, manteve-se presente ao longo da História do Brasil.
A primeira batalha ocorre no início do século XIX, quando o Brasil se preparava para a emancipação política. De um lado estava José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairú, de formação smithiana, defendendo o livre mercado como sendo o meio mais eficiente de promover o desenvolvimento tecnológico e humano de uma nação. Em posição oposta estava um dos mais importantes personagens da História do Brasil da primeira metade do século XIX; homem de sólida formação intelectual e de larga experiência política e administrativa que ocupou os mais relevantes cargos tanto da Colônia quanto do Império do Brasil: falamos de João Severiano Maciel da Costa, o Barão de Queluz.
Em Memória Sobre a Escravidão... (1820), Maciel da Costa expõe sua concepção sobre a forma mais adequada para o desenvolvimento brasileiro e ele externa sua preocupação com o constante crescimento da produção baseada no trabalho escravo. Além de sua preocupação com a desproporcionalidade entre homens livres e homens de condição servil, o autor apresenta, pela primeira vez na História do Brasil, uma proposta de industrialização do país baseada no protecionismo e na reserva de mercado para o produtor nacional.
É para salvar a indústria nacional, ainda nascente, contra a concorrência da estrangeira que devem servir as alfândegas, ou impondo direitos bem calculados que, sem destruir a emulação entre os produtores nacionais e estrangeiros, dêem mais facilidades aos primeiros que aos segundos, como pratica judiciosamente a Inglaterra. (COSTA, 1988, p.25).

Desta forma Maciel da Costa expressa sua inequívoca opção pela proteção à indústria nacional como meio de promover seu desenvolvimento. Para que possamos compreender a base que fundamenta seus argumentos a favor da indústria nacional, é preciso esmiuçar um pouco mais o pensamento deste autor. Vejamos, na passagem a seguir, a relação que ele faz entre escravidão negra/cultura de gêneros tropicais para exportação e fragilidade da economia nacional:
... aumentando-se indefinidamente o número de braços pelo meio forçado, iníquo e impolítico da introdução dos escravos africanos, a cultura dos gêneros chamados coloniais que alimentam o comércio exterior pode ser levada a uma extensão também indefinida. Mas será, porventura, essa a prosperidade agrícola que nos convém? Serão os estrangeiros os únicos consumidores que devemos dar-lhes? Uma guerra ou qualquer mudança na economia das nações consumidoras dos nossos produtos não poderão arruinar subitamente a nossa cultura? Uma indefinida população africana ocupada em cultivar açúcar, algodão, café, cacau, etc., em um país imenso e fertilíssimo, não produzirá, enfim, uma tal quantidade desses gêneros que, inundados os mercados da Europa, haja uma considerável depreciação? Não seremos então forçados a procurar uma nova direção aos capitais e trabalhos nacionais, e por meio de sacrifícios e desordens que acarreta infalivelmente um tal estado de coisas. (COSTA, 1988, p.27).

Maciel da Costa vai mais longe ainda, visualizando no desenvolvimento da indústria nacional um meio de integração entre as províncias brasileiras, que até então viviam isoladas.
Acrescentaremos somente que a criação de uma indústria nacional nos parece o único e sólido meio de ligar a indispensável comunicação entre as diferentes capitanias. Onde se viu jamais um corpo social sem um movimento e jogo harmônico entre todas as suas partes? As províncias de um império, reunidas, fazem a força dele. Entretanto, vemos que as do Brasil, sem mútuas relações sociais, trabalhando cada uma na agricultura do seu território, não conhecem outros mercados nem outros consumidores senão os da Europa. O comércio de cabotagem que foi sempre a melhor escola para criar uma grande Marinha é quase nenhum, e apenas a população crescente da capital, com a presença da Corte, atrai par o seu porto, dos circunvizinhos, as coisas necessárias à vida. Não aconteceria, porém, assim, se em cada uma das capitanias se criassem manufaturas diferentes, com judiciosa escolha, que alimentassem uma troca recíproca, já que quase todas possuem os mesmos produtos agrícolas. Assim as fábricas de algodoaria pertenceriam a Pernambuco; as dos diferentes linhos para fornecerem cordas e velame à Marinha se estabeleceriam na capitania-geral de Porto Alegre; o Pará daria em troca seu cacau, seu estimadíssimo café da Vigia, seus excelentes azeites de tartarugas e de andiroba etc. etc.; e este mútuo comércio intenso, absolutamente livre e favorecido, daria uma nova impulsão e vida ao nosso vastíssimo continente e nós deixaríamos de ser colonos da Europa. (COSTA, 1988, p.28).

Para ele, o aumento indefinido da produção monocultura poderia levar a uma crise de superprodução, que inevitavelmente provocaria uma redução dos preços dos chamados produtos coloniais. Isto, consequentemente, traria a ruína dos proprietários rurais envolvidos na produção voltada para exportação. Maciel da Costa via na escravidão e tráfico africano outro inconveniente associado a grande lavoura de exportação. A escravidão, como forma de obter a mão-de-obra para a agricultura, enchia perigosamente o país de uma classe sem valores sociais e movida apenas pelo açoite dos feitores. Diante deste quadro, Maciel da Costa entendia que prevenir e evitar uma situação de descontrole econômico e social que precipitasse o país numa convulsão, como havia ocorrido em 1793 na Ilha de São Domingos, deveria ser a preocupação maior dos homens informados daquele período. Naquele momento, o incremento do comércio interno e a instrução dos manufatores parecia ser a alternativa mais segura para o Brasil.
Contrapondo-se às argumentações de João Severiano Maciel da Costa, aparece a figura do livre-cambista José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairú. Para este, estabelecer restrições à livre circulação dos produtos manufaturados significava desviar capital do setor mais produtivo para os menos produtivos. Por isso defendia o livre-câmbio como a forma mais eficiente de promoção do desenvolvimento nacional. Uma política econômica que evitasse os monopólios e privilégios faria com que naturalmente o capital migrasse para os segmentos mais lucrativos.
Em se tratando de Brasil, Cairú apontava principalmente a abundância e a fertilidade do solo como fatores fundamentais para permitir o livre desenvolvimento da agricultura. Para ele, as vantagens comparativas da agricultura seriam os grandes atrativos para o investimento de capital. Desta forma, fundamentava sua tese de que o Brasil poderia ter muita riqueza mesmo sem desenvolver as manufaturas refinadas.
Por isso pode ter muita indústria e riqueza sem ter as artes e manufaturas superiores, que são naturaes na Europa; e enquanto tiver muitas e férteis terras, nenhum emprego pode ser tão lucrativo como a agricultura. (CAIRU, 1959, p.108)

Além da divergência quanto ao aspecto geral da linha teórica, ressalta-se uma outra distinção entre Maciel da Costa e Cairú. Enquanto o primeiro mostrava-se apreensivo, temendo uma convulsão social que lhe parecia iminente caso a produção de gêneros tropicais com trabalho escravo não fosse controlada, o segundo não manifestava preocupação quanto ao aumento “desenfreado” da produção da riqueza. Cairú solicitava apenas liberdade para que as classes livremente pudessem organizar a sociedade: liberando a produção de riquezas, os segmentos interessados definiriam o caminho a ser trilhado pela sociedade.
Podemos dizer que, enquanto Maciel da Costa , preocupado com as contradições que o desenvolvimento indefinido da produção agrícola poderia agravar, propõe a criação da indústria nacional como saída alternativa, Cairú insiste na defesa do livre-câmbio, afirmando que a agricultura constituía-se na atividade econômica mais competitiva que o Brasil poderia ter.
A crença na tutela do poder estatal como forma de incentivar a criação de fábricas e instruir a população nas artes se fará presente na História do Brasil durante os séculos XIX e XX. Já na década de 1820, quando apenas se iniciava a polêmica entre livre-cambistas e protecionistas, o apelo favorável à proteção à industrial nacional saiu vencedor.
É na própria década de 1820 que ocorre a criação da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, cujo objetivo era criar restrições às importações de manufaturados estrangeiros e avaliar os pedidos de concessão de privilégios e isenções de impostos aos produtores brasileiros. Mas, se por um lado, os produtores contavam com o beneplácito do Estado protecionista, por outro não ficavam imunes às críticas formuladas pelos homens de negócios e pensadores partidários do Livre Cambismo.




2.2. BERNARDO PEREIRA DE VASCONCELLOS E TAVARES BASTOS NO COMBATE AO NACIONALISMO ECONÔMICO.
Numa fase imediatamente posterior ao embate Maciel da Costa versus Cairú, Bernardo Pereira de Vasconcellos emerge como o grande opositor à concessão, por parte do Estado brasileiro, de qualquer privilégio às indústrias locais. Colocava-se contra a proteção para os produtos manufaturados nacionais por entender que o protecionismo não era o meio mais adequado para promover o desenvolvimento industrial e tecnológico do país.
Vale lembrar que os autores que se colocavam em oposição ao protecionismo industrial não eram personagens inexpressivos ou desenformados, como muitos sugerem. Bernardo Pereira de Vasconcellos, por exemplo, foi possivelmente o político de maior projeção no século XIX. Sua atuação foi tão significativa que muitos se referem a ele como sendo o mais lúcido e competente parlamentar do Império. Para Octávio Tarquínio, autor da “Introdução” na edição de 1978 da obra de Vasconcellos, este foi o “o mais lúcido doutrinador do sistema representativo do Brasil e um dos mais potentes construtores das instituições nacionais.”. Homem de cultura, sabedoria e firmeza política. (VASCONCELLOS, 1978, p. 1 da Introdução).
Vasconcellos foi autor de alguns escritos políticos, dentre os quais se destaca a Carta aos Senhores Eleitores da Província de Minas Gerais (datada de 30/12/1827), uma espécie de prestação de contas aos eleitores sobre sua atuação como deputado. Ao justificar as lutas travadas, apresenta um amplo programa de política econômica para orientar o governo brasileiro. Conforme diz o introdutor já mencionado,
... a Carta aos Senhores Eleitores da Província de Minas Gerais, seguramente, além da mais completa prestação de contas já feita por um parlamentar a seus constituintes, foi o mais abrangente programa de governo já elaborado por um político sem as responsabilidades do poder. (VASCONCELLOS, 1978, p. 1 da Introdução).

Nesse documento, o deputado Bernardo P. Vasconcellos dedica uma parte para falar das Leis sobre a indústria. Inicia o capítulo VIII enfatizando a necessidade de mostrar à opinião pública que os argumentos utilizados pelos defensores do protecionismo à indústria nacional baseavam-se num erro, cuja origem estava na prática dos governos absolutistas da Europa. Portanto, para ele, há uma estreita relação entre protecionismo e tirania política.
É sobre a indústria que muito convém orientar a opinião pública. Crê-se, muito geralmente, que a indústria não pode prosperar sem o favor e proteção do Governo, reclamam-se pois providências, não só para regular o andamento de tal ramo de indústria, mas também para que seja preferido a tal outro, como menos profícuo. Este erro tem sua origem no procedimento desacertado dos governos absolutos: estes almejando por toda a parte ostentar sua autoridade não só a empregaram em dano dos povos naquilo para que estavam autorizados, como a estenderam além dos seus limites, exercendo-a em casos em que dela não havia necessidade. (VASCONCELLOS, 1978, p.64).

Segundo Vasconcellos, os governos não têm autoridade para intrometer-se nas atividades de indústria e nem competência para indicar a direção a ser tomada pelos agentes econômicos. Para ele, o interesse de cada um é melhor conselheiro que o Estado, cabendo a este unicamente a garantia da liberdade. É a liberdade e não a tutela do Estado que garante o desenvolvimento da indústria.
Os governos não tem autoridade para se ingerirem ativa e diretamente em negócios de indústria, esta não precisa de outra direção que a do interesse particular, sempre mais inteligente, mais ativo e vigilante, que a autoridade. Quando há liberdade, a produção é sempre a mais interessante à Nação: as exigências dos compradores a determinam. O de que os povos precisam, é de que se lhe guardem as garantias constitucionais; que as autoridades os não vexem, que os não espoliem, que se lhe não arranquem seus filhos para com eles se fazerem longínquas guerras: isto, e só isto, reclama a indústria. (VASCONCELLOS, 1978, p. 64).

Vasconcellos vai mostrando as lutas que travou em favor da aprovação das leis que desregulamentavam a economia e davam mais liberdade à iniciativa privada e aos consumidores brasileiros. Em seus embates parlamentares destaca a polêmica com o Deputado Clemente Pereira, por ocasião da discussão da emenda que propunha a isenção do quinto aos couros destinados à industrialização nas fábricas brasileiras:
O Senhor Clemente Pereira lamenta o lucro que percebem os estrangeiros no preparo de nossos couros, que eles tornam a nos vender; que esse lucro seja dos brasileiros, e para o conseguir ofereceu a emenda, que ora combato. Estas ideias do ilustre Deputado têm o seu apoio nesse princípio errôneo, de que é possível que uma Nação venda sem comprar, que só o dinheiro constitui riqueza etc. Este princípio por si mesmo cai, nem me devo ocupar com sua refutação. Os produtos estrangeiros, quaisquer que sejam, são comprados com produtos de nossa indústria, que essas compras animam: e nossa utilidade não está em produzir os gêneros e mercadorias, sem que os estrangeiros se nos avantajam; pelo contrário, devemos aplicar-nos às produções, em que eles nos são inferiores.
Nem é preciso que a Lei indique a produção mais lucrativa: nada de direção do Governo. O interesse particular é muito mais ativo e inteligente; ele dirige os capitais para os empregos mais lucrativos: a suposição contrária assenta nessa falsa opinião, de que só o Governo entende bem o que é útil ao cidadão e ao Estado. O Governo é sempre mais ignorante que a massa geral da Nação, e nunca se ingeriu na direção da indústria, que a não aniquilasse, ou pelo menos, acabrunhasse: a história o atesta.(VASCONCELLOS, 1978, p.65).

O deputado Vasconcellos já alertava sobre a ineficiência do protecionismo estatal, destacando _ da mesma maneira que Cairú _ que, além do privilégio não promover o segmento beneficiado, acabava canalizando capitais para os setores que naturalmente não atrairiam recursos:
O ilustre deputado não convém que a isenção do quinto proposta na sua emenda seja um favor, e indiretamente, direção do Governo em o emprego dos capitais. Eu, pelo contrário, entendo que não se podia oferecer maior favor a este gênero de indústria do que ceder do quinto em seu benefício; nem me ocorre que alguma Nação faça, presentemente, uma tão generosa concessão ainda ao mais importante ramo de indústria.
A nossa indústria a este respeito não pode competir com a estrangeira, e assim ainda com esse grande favor às nossas fábricas não se espere a exclusão dos couros preparados em país estrangeiro. E ainda quando se conseguisse essa exclusão por meio da emenda proposta, que se ganharia? Em vez de lucro teríamos em resultado considerável perda. Este ramo de indústria tão amplamente favorecido atrairia muitos capitais mais lucrativamente empregados, e ninguém ignora o grande dano resultante da improvisa arrecadação de capitais. Digo muitos capitais mais lucrativamente empregados, porque a não serem os seus atuais empregos mais lucrativos do que nessas fábricas, é infalível que nelas se teriam empenhado, uma vez que nenhuma lei o vedava. (VASCONCELLOS, 1978, p. 66).
Na mesma linha política de Bernardo Pereira de Vasconcellos encontramos, na década de 1860, o deputado Aureliano Cândido Tavares Bastos combatendo as restrições às importações e os privilégios concedidos às fábricas nacionais. No entanto, a despeito da identidade de posições, há uma diferença entre a época do livre-cambista Tavares Bastos e a de seus predecessores.
Enquanto Cairu e Vasconcellos lutavam contra o discurso protecionista, Tavares Bastos lutava pela redução das barreiras alfandegárias e contra os privilégios concedidos à indústria nacional. Ou seja, os temores anunciados pelos liberais da década de 1820 converteram-se em realidade 30 anos mais tarde.
A defesa do comércio livre já se torna mais complicada: não se trata mais de impedir a concessão de privilégios, mas de um embate pela remoção dos benefícios concedidos aos produtores nacionais. Neste sentido, Tavares Bastos faz suas denúncias procurando mostrar que o meio mais eficiente de regular a produção é o próprio mercado.
A lei suprema da indústria é a liberdade, e cada qual pode tornar-se manufatureiro quando e como queira: só a concorrência, na sua força irresistível, compete regular e condenar os capitais que se desgarrarem. Demais, a propósito das fábricas de ferro, por exemplo, eu confessei e acredito que elas podem viver de si mesmas e até prosperar em algumas localidades, abundantes de matéria-prima e tão afastadas do litoral que os produtos nelas manufaturados sejam menos caros que os de fora. (BASTOS, 1975, p.252).

Desta maneira, as manufaturas que possuem condições de êxito florescerão e trarão empregos e desenvolvimento à nação, sem sacrificar os consumidores com produtos caros e ruins. Quanto aos setores que não têm condições de enfrentar a concorrência, Bastos alerta que, mesmo à sombra da proteção do Estado, não lograram lugar de destaque no cenário nacional.
Ora depois de tantos anos de um Império incontestado, a consequência da tarifa devia ser: primeiro, o decrescimento da importação dos produtos similares estrangeiros esmagados sob o peso dos novos impostos; segundo, o aumento maravilhoso da produção nacional dos artigos repelidos, ou o estabelecimento de muitas oficinas e fábricas novas. O primeiro fato é plenamente contestado pelos dados oficiais conhecidos de todos: a importação dos últimos exercícios é mais do dobro da realizada no de 1844-45, em que começou a vigorar a tarifa. O segundo está ao alcance de todo mundo. Uma ou outra oficina tem-se fundado; e raro é que essas mesmas se sustentem por si, independentemente de auxílios pecuniários dos cofres provinciais ou gerais, ... (BASTOS, 1975, p. 253).

Apesar da proteção alfandegária à indústria nacional ter falhado como meio de impulsão de novas fábricas e na criação de uma massa de artífices educados para o trabalho industrial, os defensores dos privilégios para os produtores locais insistiam na manutenção das restrições, argumentando que o insucesso residia não na sua adoção, mas no fato das alíquotas terem sido moderadas. Para rebater estes argumentos, Tavares Bastos, ao invés de tomar como base um teórico liberal, recorreu a F. List, o mais preparado e mais erudito de todos os protecionistas.
Como sempre tem acontecido, e mais do que em parte alguma, no Brasil não podia criar raízes, a indústria manufatureira pelo auxílio maravilhoso das tarifas. A de 1844, como se vê agora, foi impotente. Dir-se-á que ela foi tímida na proteção, fraca nas disposições e por isso estéril nos resultados? Mostrarei o contrário.
F. List demonstrou, em relação à Alemanha, que, quando para nascer uma indústria precisa de um direito protetor de 40 a 60 por cento, e, para sustentar-se, do de 20 a 30%, faltam no país as condições naturais para a existência normal dessa indústria. Se for transplantada para aí, necessitará das tarifas, como das estufas a flor exótica. (BASTOS, 1975, p. 254).

Bastos aprofunda a questão, procurando mostrar aos brasileiros que o que conduz um país a prosperar suas fábricas, e a instruir seu povo nas artes manufatureiras, que tantos trabalhos sofisticados absorvem, não é o decreto do governante ou o voluntarismo auspicioso de um fabricante isolado, mas a condições adequadas de uma nação com alta densidade populacional, abundantes meios de transportes e condições de utilizar intensa divisão do trabalho.
É preciso, porém convir que um povo só é manufatureiro quando tem grande densidade de população, quando possui abundantes meios de transporte, quando pode aplicar a lei da divisão do trabalho à agricultura, destacando-a o mais possível dos processos manufatureiros: assim a Inglaterra, verdadeira oficina do mundo. Nessa grande ilha mesma, observa o Sr. Molinari, alguns distritos se vêem mais cobertos de fábricas do que outros: tal é o Lancashire, onde as condições acima indicadas se realizam de um modo mais completo. (BASTOS, 1975, p.255).

Sem as condições específicas que contribuem para o desenvolvimento industrial e ao aprimoramento tecnológico de uma nação, o mecanismo da proteção alfandegária e da reserva de mercado à indústria nacional se converte num terrível mal. No Brasil, segundo Tavares Bastos, o protecionismo prejudicou os consumidores e não conseguiu alavancar o desenvolvimento industrial.
A proteção não passa de um tormento inútil aonde não existem condições próprias para florescer a indústria protegida; e, quando mesmo existam, é melhor confiar da liberdade e da concorrência o encargo que se atira sobre a lei. (...). Depois de tantos sacrifícios, olha-se em derredor, e não se vê nada que dê ideia de um desenvolvimento industrial sofrível sequer. Nem ao menos parece firme a tendência, que se manifestou uma vez, para a doutrina verdadeira. Exemplo: para proteger as nossas pobrezas salinas, impunha-se outrora 160 rs. sobre cada alqueire de sal estrangeiro. O resultado foi decisivo: elevou-se excessivamente o preço do sal, no interior sobretudo, com grave dano para as xarqueadas, para as pescarias e todas as indústrias em que o sal entra como matéria-prima.(BASTOS, 1975, p.255).

Levando em consideração os argumentos de Tavares Bastos, podemos concluir que as elevadas tarifas protetoras não contribuem para o desenvolvimento da ciência, da indústria nacional, sendo também inócua enquanto recurso de incentivo à educação nas artes industriais. Além de ineficiente, produz outros agravantes: impulsiona o contrabando e, com ele, os delitos próprios das atividades ilegais; e, ainda, dificulta o florescimento daqueles ramos da indústria que naturalmente seriam competitivos.
Elas acarretam o inconveniente mais grave de alimentarem um estado de cousas fictício, de carregarem com o peso do imposto sobre o colo vergado da verdadeira indústria nacional, a agricultura. (BASTOS, 1975, p.255).

2.3 OS PROTECIONISTAS ALCANÇAM A HEGEMONIA.
Apesar dos discursos livre-cambistas apresentarem o argumento dos ganhos reais da utilização das vantagens comparativas, os intervencionistas acabam prevalecendo e ganhando a batalha. Na virada do século XIX para o século XX, os chamados industrialistas obtêm praticamente a hegemonia política. Amaro Cavalcanti, Américo Werneck, Serzedelo Correia e Vieira Souto, por exemplo, assumem intransigentemente a defesa de incentivos e proteção à indústria nacional. Neste momento a tese da restrição já era vitoriosa. Os industrialistas não precisavam mais lutar pela implantação das barreiras alfandegárias. O Congresso Nacional já não discutia mais a natureza das taxações, mas apenas os índices que seriam estabelecidos contra a entrada dos produtos estrangeiros. Ainda persistia a discussão sobre a indústria nacional, só que com outros paradigmas.
A restrição à importação das mercadorias estrangeiras se apresenta aos protecionistas como uma sábia medida de governo. Vieira Souto reafirma o nacionalismo econômico questionando:
E é quando todos os países convictamente abrigam o trabalho nacional e defendem a riqueza pública por traz das mais possantes trincheiras do protecionismo, que há de conservar-se livre cambista o Brasil, cujos produtos são, em geral, enormemente taxados no estrangeiro?
Nem ha contestar que o regime do comércio internacional tem obedecido e continua a obedecer no Brasil aos princípios que regem o livre cambio.” (CARONE, 1977, p. 50).

Com o intuito de ilustrar melhor a questão que estamos perseguindo ao longo desta Dissertação de Mestrado, vamos expor alguns episódios descritos nos registros do Conselho Administrativo da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional. Em suas atas podemos encontrar pedidos de privilégios de 20, 30 e até 50 anos para a introdução de um “novo” produto nacional no mercado brasileiro. Algo que de certa forma nos faz lembrar a discussão sobre a reserva de mercado à indústria nacional de informática. Na sessão de 12 de setembro de 1872, o inventor Luz Bernadino Bittencourt Freire recheava seu pedido de privilégio por 50 anos argumentando que havia introduzido no Brasil o calçamento de asfalto. Outro suplicante solicitava exclusividade e privilégio de 30 anos para fabricar um chapéu que havia visto numa loja de Paris.
Outra solicitação pitoresca de intervenção protecionista do Estado, encontramos no Manifesto da Associação Industrial, de 1881. Partindo da premissa de que “nos países novos não pode medrar a indústria sem alento dos altos poderes do Estado.”, alertava que a concessão de auxílios à indústria nacional como condição sine qua non para que a mesma pudesse superar a grave crise em que se encontrava naquela época. (CARONE, 1977, p. 23).
Além da reivindicação pura e simples dos produtores, havia também os apelos refinados dos intelectuais. Amaro Cavalcanti, por exemplo, insistia na defesa da formação de um mercado interno para a absorção dos produtos brasileiros: “A prosperidade financeira não tem base mais sólida, mais larga, nem mais garantidora, do que o desenvolvimento progressivo da indústria nacional.” (CARONE, 1977, p.41).
Diante destas manifestações, podemos concluir que se tratava de indústrias que não conseguiam se impor no mercado sem que o Estado coagisse o consumidor a comprar os produtos nacionais. As reclamações dos industrialistas brasileiros deixariam embaraçado até Georg List, o maior teórico do protecionismo industrial enquanto meio de impulsionar o desenvolvimento de uma nação.
Na observação dos períodos mais remotos da História, temos maior facilidade em detectar o “equívoco” de se buscar o desenvolvimento autônomo de um país. Imaginem o Brasil do final do século XIX ter que reinventar aqui técnicas de tecelagem e tintura que os ingleses já dominavam há mais de um século? Que dificuldades não teriam os produtores brasileiros? E que custo teria que pagar o consumidor nacional para obter os manufaturados “genuinamente” nacionais? Dá para concluir que se não fosse a luta dos teóricos do protecionismo, em favor da reserva de mercado, de fato, as fábricas dos manufaturados de luxo não resistiriam ao livre jogo do mercado.




2.4. ROBERTO SIMONSEN E EUGÊNIO GUDIN DISCUTINDO A POLÍTICA INDUSTRIAL BRASILEIRA
Outro interessante momento do embate entre liberais e intervencionistas, no Brasil, se dá em meados da década de 1940, entre Roberto C. Simonsen e Eugênio Gudin. Possivelmente seja o momento da História em que a discussão sobre o desenvolvimento industrial brasileiro se torna mais transparente.
No centro da discussão estava a defesa de um planejamento econômico que possibilitasse a substituição das importações através do desenvolvimento protegido da indústria nacional, proposta que encontrava a oposição dos liberais. Estes se opunham a qualquer medida de restrição às importações de mercadorias e ao ingresso de capital estrangeiro e receitavam uma política cambial realista e uma política monetária anti-inflacionária, que impedisse a expansão descontrolada do meio circulante.
Não podemos esquecer que o século XX, em apenas quatro décadas, já havia experimentado tragédias sem precedentes na história da humanidade: duas grandes guerras mundiais e o colapso econômico de 1929 seguido da grande depressão que, nos EUA, se prolongou até a véspera da Segunda Guerra Mundial. Nesse período ocorreu ainda a revolução socialista na Rússia. Em 1944 a União Soviética dominava boa parte do continente europeu e já contabilizava um genocídio de milhões de vidas.
Na década de 1940 as controvérsias entre dirigismo e liberalismo atingiam não só o Brasil como também a Europa, os EUA e a América Latina como um todo. O debate da política econômica girava entre a participação direta e indireta do Estado na economia e o clássico laissez-faire. Na visão dos intervencionistas, este último era responsabilizado pelo retrospecto negativo do século XX. A origem de todas as tragédias e comoções sociais estaria num suposto esgotamento do modelo econômico do capitalismo concorrencial. Uma vez desviado o eixo da questão central, atribuía-se todas as mazelas da intervenção e do controle estatal ao liberalismo econômico.
Tratava-se de um dramático quadro em que a busca de mecanismos capazes de evitar os impactos das crises internacionais era considerada como a principal obrigação dos governantes de cada país. A descrença no mercado, as preocupações das autoridades com a estabilidade e as pressões corporativistas de empresários interessados em se livrar dos concorrentes estrangeiros, criaram o cenário ideal para o fortalecimento das teses protecionistas. Com o recrudescimento do protecionismo, cada país procurava um desenvolvimento industrial e tecnológico autônomo. Com efeito, em 1944, o Presidente Getúlio Vargas propôs formalmente o planejamento da economia brasileira, criando o Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial e a Comissão de Planejamento Econômico.
Atento a todas estas questões e ocupando um importante cargo no Governo Vargas, Roberto Simonsen revela-se um brilhante militante a serviço do empresariado nacional. Simonsen, que já havia fundado, em 1928, o Centro das Indústrias e o SENAI, entre outras instituições empresariais, destacava que, apesar de alguns incômodos passageiros para a realização das trocas, o protecionismo à indústria nacional traria incontáveis vantagens para o país:
O protecionismo cerceia de alguma forma e por algum tempo a permuta entre as nações, mas traduz numa grande liberdade de produção dentro das fronteiras do país que adota. De fato, nos países que adotam o protecionismo, qualquer cidadão pode montar a indústria que entender desde que repouse em sadio fundamento, certo de que está livre do esmagamento proveniente dos dumpings ou manobras de poderosos concorrentes estrangeiros. (SIMONSEN, Apud, LIMA, 1976, p.162).

Uma vez feita a opção pelo caminho da proteção à indústria nacional, coloca-se como necessidade a busca de um embasamento mais consistente para elaboração do discurso favorável ao nacional-dirigismo. Roberto Simonsen ressuscita um relatório que havia elaborado em 1937 para justificar uma intensa intervenção do Estado na economia, objetivando a promoção do desenvolvimento.
Relatando, no Conselho Federal do Comércio Exterior, em 27 de setembro de 1937, os resultados do inquérito efetuado, por ordens do Sr. Presidente da República, em torno das possibilidades da expansão industrial do Brasil, declarei, pondo em relevo o baixo índice de consumo médio do brasileiro, que, então, como hoje, esse índice, era, no mínimo 25 vezes menor que o do norte-americano: “Tendo em apreço as condições especialíssimas do país, com vastas zonas ainda na fase da economia de consumo e, considerando os índices das regiões mais prósperas, verificamos que se faz mister, pelo menos, triplicar o nosso consumo, para que se alcance um teor médio de vida, compatível com a “dignidade do homem”, na sugestiva expressão de nossa carta constitucional. (SIMONSEN, 1977, p. 31).

Diante de tanta carência dos brasileiros e de tanta discrepância entre o industrializado Estados Unidos e o agroexportador Brasil, tornava-se urgente encontrar um meio que permitisse ao país superar rapidamente suas deficiências de produção e de consumo. É neste cenário que a planificação da economia, em oposição à produção “anárquica” do livre mercado, é vislumbrada como instrumento capaz de alavancar o desenvolvimento e proporcionar a desejada melhoria da qualidade de vida dos brasileiros.
Impõe-se, assim, a planificação da economia brasileira em moldes capazes de proporcionar os meios adequados para satisfazer as necessidades essenciais de nossas populações e prover o país de uma estruturação econômica e social, forte e estável, fornecendo à nação os recursos indispensáveis à sua segurança e a sua colocação em lugar condigno, na esfera internacional.
A ciência e as técnicas modernas fornecem seguros elementos para o delineamento desta planificação. Haja vista o que se fez na Rússia e na Turquia, quanto ao seu desenvolvimento material; considerem-se as planificações levada a efeito pelos Estados Unidos, pela Inglaterra e por outros países em luta, para organizar as suas produções, dentro de um programa de guerra total. (SIMONSEN, 1977, p.33).

Na oposição ao dirigismo estatal está o economista Eugênio Gudin, que concorda com os dados alarmantes apresentados por Roberto Simonsen, mas discorda dos medicamentos indicados para curar os problemas do Brasil.
Onde, porém, a divergência deixa de ser em parte terminológica para atingir os fundamentos de política econômica, é quando o ilustre Relator proclama ‘a impossibilidade de acelerar a expansão da renda nacional com a simples iniciativa privada’, ‘a insuficiência dessa iniciativa privada reconhecida pelo Governo Federal’, a necessidade de uma grande ‘operação financeira de governo a governo’, chegando a tratar da questão capital da interferência do Estado no campo da economia privada como simples matéria a ser combinada entre o Governo e as entidades de classe (“O grau de intervencionismo do Estado deveria ser estudado com as várias entidades de classe ...” p.13 do Relatório). Como se verá no inciso 3, Parte I deste Parecer não haveria melhor caminho para a consolidação de um regime totalitário de capitalismo de Estado, em que já temos tão largamente avançado nos últimos dez anos. (SIMONSEN, 1977, p. 54).

Gudin, centrado na tese de que o meio mais eficiente para promover o desenvolvimento é a eficiência do mercado, passa a atacar não só as propostas de Simonsen, como também o próprio princípio do planejamento econômico.
A doutrina do laissez-faire, a cujo impacto rapidamente ruiu o sistema mercantilista, baseava-se, ao contrário, no princípio de que a riqueza da nação é a integral da riqueza de seus cidadãos; de que o indivíduo, guiado pelo interesse próprio, procura empregar seu trabalho e seu capital do modo o mais proveitoso para sua economia e, portanto, de que o meio mais rápido e mais seguro de enriquecer a nação é o de deixar aos indivíduos plena liberdade de ação econômica.
A doutrina do laissez-faire era, portanto, em princípio, a negação do plano. (SIMONSEN, 1977, p. 61).

Gudin ressalta ainda que o fato das complexas relações comerciais do mundo capitalista exigir uma série de leis que normatizem o comportamento econômico das empresas e das pessoas não pode ser usado como pretexto para o Estado intervir na iniciativa privada.
A crescente complexidade das instituições foi exigindo do Estado uma série de leis e medidas constitutivas do que se poderia chamar de código de comportamento econômico, sem que entretanto isso o levasse a invadir a seara privativa da iniciativa particular.
É a esse sistema econômico que se tem convencionado chamar de Economia Liberal. (SIMONSEN, 1977, p.62, IPEA).

Eugênio Gudin alerta ainda que a planificação tem consequências danosas que extrapolam o campo da economia, podendo, inclusive, estender o controle econômico para o controle político.
Stuart Chase, bispo do “New Deal”, diz que para atingir a prosperidade é preciso “um estado-maior industrial com poderes ditatoriais” e pretende que isso se pode conciliar com “uma democracia política de cujo domínio sejam excluídas as questões econômicas”! Como se pode ignorar a esse ponto a íntima interdependência do econômico e do político? E como conceber uma ditadura econômica dentro de uma democracia?
“Razão tem Hayek ** ao escrever que “o estadista democrático que se mete a planificar a vida econômica será logo defrontado pela alternativa de assumir poderes ditatoriais ou abandonar seus planos. (SIMONSEN, 1977, p.68).

A tese da eficiência do mercado estava naquele momento numa posição muito desfavorável, diante das mazelas vividas no século XX, atribuídas ao laissez faire, e dos propalados êxitos da planificação e do controle estatal no crescimento da riqueza. Apoiando-se numa citação de Luduwig von Mises, Gudin procura desmistificar as realizações do intervencionismo.
O ranço do “New Deal”, o entusiasmo ilusório pelas “realizações” fascistas e a confusão espiritual sobre o caso, todo especial, da Rússia, é que criaram a mística do plano, como uma espécie de conceito metafísico e nebuloso.
‘Planificar é o remédio milagroso de nossos dias; o prestígio da palavra é tão grande que sua simples menção é considerada como solução de todos os problemas econômicos. (SIMONSEN, 1977, p. 77).

Gudin recorre novamente a Mises para mostrar que a adoção da planificação impede a busca da eficiência produtiva, propiciada pela concorrência, e cristaliza a cartorização empresarial da economia.
O plano daria aos atuais proprietários e dirigentes das indústrias uma posição privilegiada, protegendo-os contra possíveis novos e eficientes concorrentes. Seria uma abdicação parcial do Estado em benefícios de pequenos grupos de homens ricos. ( SIMONSEN, 1977, p.78).

Manter a competitividade na economia e liberdade comercial, de fato, não é uma preocupação dos protecionistas. Roberto Simonsen, por exemplo, não dissimula sua admiração pelo modelo de planificação econômica adotado na URSS e na Turquia.
Caso adotada a planificação intensiva de nossa economia, não será possível a permanência, por um certo prazo, das atuais normas de política comercial.
Não seria concebível que, enquanto o país desenvolvesse um formidável esforço no sentido de montar o seu equipamento, fosse ele, em pleno período construtivo, perturbado pela concorrência da produção em massa, de origem alienígena.
Ainda aí poderiam ser observados os meios de defesa utilizados na Rússia e na Turquia, durante a sua reconstrução econômica. (SIMONSEN, 1977, p. 36).

A este tipo de argumento usado por Simonsen, Gudin responde que a economia brasileira já estava demasiadamente controlada pelo Estado e que, quanto mais o país caminhasse neste sentido, mais estaria se aproximando do totalitarismo.
Ao contrário dos Estados Unidos e da Inglaterra, o Estado já tem no Brasil o controle da maioria da rede ferroviária e de quase toda a navegação mercante. Com a encampação da Brazil Railway, ficou o Estado, além das estradas de ferro e portos dessa empresa, com indústria de papel, de pinho, de jornais, revistas e rádios, de fazenda de gado, de frigoríficos. Com a incorporação da Organização Lage, o Governo chamou a si navios, portos, estaleiros, etc.
Além das estradas de ferro, da navegação, da Siderúrgica, da Vale do Rio Doce e de todas as citadas empresas, os “Institutos”: do Café, do Açúcar, do Mate, do Pinho, do Sal, etc. através do qual o Estado domina vastos setores da economia privada, fixando quantidades a produzir e preços, tal qual como na Rússia.
Há também o grupo das indústrias militares. Enquanto nos Estados Unidos e na Inglaterra foram as indústrias civis que, na atual conflagração, passaram a suprir as necessidades de material de guerra, nós instalamos aqui indústrias militares, como a da dispendiosa Fábrica de Motores, para suprir necessidades civis em tempo de paz.
Não discuto aqui ideologias. Mostro apenas grave herança de capitalismo de Estado que ficou do regime totalitário que ora se extingue. Se queremos marchar para o capitalismo de Estado, para o comunismo, para o nazismo ou para qualquer modalidade totalitária, estamos no bom caminho. E o que o projeto Simonsen propõe, representa, não intencionalmente de certo, mais um passo nesse sentido. (SIMONSEN, 1977, p.80).

Depois de alertar para o fato de que a falta de liberdade econômica conduz o país à ditadura política, Gudin conclui que a melhor forma de garantir a prosperidade da nação é “exportar muito e importar muito. A não ser que nosso ideal seja o de fundar uma autarquia com miserável padrão de vida”. (SIMONSEN, 1977, p. 107).


































CAPÍTULO TERCEIRO

3. A RESERVA DE MERCADO À PESQUISA E À INDÚSTRIA NACIONAL DE INFORMÁTICA COMO INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO DO BRASIL E À FORMAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA QUALIFICADA.















3.1. OS PRIMEIROS PASSOS DA INFORMÁTICA NO BRASIL.
Da mesma forma que o desenvolvimento internacional da informática está intimamente ligado ao desenvolvimento da IBM, a história da informática no Brasil também se confunde com a história desta poderosa empresa norte-americana. Muito antes do surgimento da revolucionária ciência da informática, a Computing Tabulating and Recording Company _ que mais tarde se tornaria a International Business Machines Corporation (IBM) _ já iniciava no Brasil suas operações. Em 1917, através da Diretoria de Estatística Comercial, o governo brasileiro comprou da IBM equipamentos para tabulação de dados do senso demográfico que pretendia realizar no ano de 1920.
Devido ao próprio crescimento das atividades econômicas no Brasil, em 1924 o Presidente Arthur Bernardes autorizou a instalação de subsidiárias da IBM e da Burroughs para comercialização e prestação de serviços às empresas que montavam seus escritórios com os equipamentos destas marcas.
Apesar da crescente demanda de máquinas tabuladoras, autenticadoras, datilográficas e calculadoras, as empresas estrangeiras só passaram a montar fábricas no Brasil bem mais tarde. A IBM foi a pioneira, montando sua fábrica no Rio de Janeiro em 1939, sendo esta a sua primeira planta industrial fora dos Estados Unidos. A segunda a produzir foi a Burroughs, que inaugurou suas atividades industriais no Brasil em 1953. Iniciou suas atividades como montadora e, posteriormente, passou a fabricar calculadoras e autenticadoras de caixas eletromecânicas. Ainda na década de 1950 vieram a Sperry Rand, Olivetti, NCR e Honeywell.
No final de 1958 o presidente Juscelino Kubitschek, atendendo sugestão de Roberto de Oliveira Campos, cria a GEACE (Grupo Executivo de Aplicação de Computadores Eletrônicos), cuja finalidade era estudar a utilização de computadores nos serviços do governo e avaliar o potencial do mercado brasileiro. No cumprimento de suas metas, a GEACE organizou o I Simpósio Nacional sobre Computadores, realizado em abril de 1960, e viabilizou a importação do famoso UNIVAC 1103 para o IBGE, e do sistema B-205 da Burroughs, que foi instalado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Estes foram os dois primeiros computadores eletrônicos instalados no Brasil.
Outros fatos importantes deste período foram a incorporação da IBM do Brasil pela World Trade Corporation em 1960 e a produção do primeiro computador digital brasileiro, o Zezinho, em 1961, desenvolvido pelos técnicos do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) na Escola Politécnica da USP.
A IBM não perdeu tempo e, já em 1961, produziu seu primeiro computador no Brasil, o modelo 1401. Outros passos importantes da informática no Brasil foram dados no ano de 1967: a Burroughs inaugurou uma nova planta, a fábrica de Veleiros, em São Paulo; o país recebeu também uma filial da Hewlett-Packard (HP). A partir daí a computação ganharia uma maior difusão no mercado brasileiro.
A propagação mundial do uso de computadores na década de setenta promoveu um vertiginoso crescimento do setor também no Brasil, com uma grande expansão que coincidiu com o período do chamado “milagre econômico” (1969/1974). Este aumento da demanda passou a ser “atendido basicamente por importações de sistemas produzidos pelas principais empresas americanas do setor” (PIRAGIBE, 1985, p.110). A década de setenta inicia-se com a ampliação da atuação das empresas aqui existentes e com a chegada de outras empresas estrangeiras. Em 1971 a IBM instala uma nova planta em São Paulo, inaugurando a fábrica de Sumaré, num investimento de US$ 31 milhões. Em 1972, a Fujitsu, na época a maior produtora de computadores do Japão, também se instala no Brasil e é seguida por outras grandes do mercado internacional: a Control Data e a Digital Equipament (DEC), em 1974, e a Data General, em 1975.
Em 1972, foi produzido na Universidade de São Paulo o primeiro computador operacional brasileiro, o patinho feio, como ficou famoso. O desenvolvimento se deu a partir de um curso ministrado pelo professor Glen Langordon Júnior, da IBM, a dez técnicos brasileiros. Assim, o Brasil dá seus primeiros passos na ciência da computação.
Em cinco anos houve um significativo crescimento do número de computadores instalados no Brasil: “A base instalada de computadores passou de 506, em 1970, para 3843, em 1975, apresentando uma taxa média anual de crescimento de 55%.” (PIRAGIBE, 1985, p. 111). Levando em consideração que naquela época praticamente não existia o computador de uso pessoal, este aumento da base instalada expressa a existência de um amplo mercado consumidor para este tipo de produto.
De olho neste mercado promissor, o Estado brasileiro cria no início da década de setenta, um órgão encarregado de estudar e elaborar uma estratégia de ação governamental para o emergente segmento. Através do Decreto 68.287, de 18/02/71, foi criado o GTE (Grupo de Trabalho Especial), cujo trabalho resultou no primeiro estudo oficial sobre a questão da informática no Brasil. O GTE, que contou com a colaboração da Funtec/BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) e da FNDCT (Fundação Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/Finep), deu início ao chamado Projeto Guaranys, que objetivava a produção do computador brasileiro, com tecnologia 100% nacional. Indiscutivelmente, este projeto constituiu-se num marco importante na história da intervenção do Estado no setor de informática.
As diretrizes mais gerais desse processo são encontradas no I Plano Nacional de Desenvolvimento (1972/1974) e no I Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (1973/74).
A motivação inicial de se criar uma indústria nacional de computadores derivou da convergência de interesses do Ministério da Marinha, especificamente a Diretoria de Comunicações e Eletrônica (DCEM), preocupado com o aparelhamento de suas fragatas com equipamentos de processamento de dados, e do Ministério do Planejamento, através do Banco Nacional de desenvolvimento Econômico, que de forma mais difusa visava estimular uma maior autonomia tecnológica da indústria brasileira. (PIRAGIBE, 1985, p.117).

Como podemos perceber, preocupado com o rumo do crescimento da informática, o Governo Federal começa a tomar medidas mais concretas no intuito de controlar o setor. Com o Decreto n. 70.370 de 05/04/72, criou a Comissão de Atividades de Processamento Eletrônico (CAPRE), sob a presidência do ministro do planejamento Reis Veloso, com o objetivo de racionalizar o uso da informática na administração federal, principalmente no que dizia respeito ao treinamento dos funcionários e aquisição de equipamentos.
Mesmo sem contar com fábricas nacionais, o Brasil conseguiu formar um número significativo de técnicos que supostamente dispunha de capacidade científica para desenvolver uma tecnologia genuinamente nacional.
O país dispunha, à época, de recursos humanos qualificados em eletrônica digital, oriundos de cursos de pós-graduação no exterior financiados por agências governamentais como o CNPq e a CAPES. A reunião destes pesquisadores em alguns centros universitários permitiu o desenvolvimento de protótipos pioneiros de equipamentos de processamento de dados. (PIRAGIBE, 1985, p. 119).

Isto, se por um lado não era suficiente para alavancar o desenvolvimento autônomo de um setor tão dinâmico quanto o da informática _ como ficou provado pela história _, por outro não deixava de alimentar a perspectiva dos pesquisadores de desenvolver uma indústria nacional de informática, criando condições para a preparação de um contingente de técnicos e cientistas de informática que se ocupariam nas indústrias locais.
Amalgamada pela ideologia anti-imperialista que efervescia nos ambientes universitários, forjou-se no Brasil uma aliança de classes que viabilizou politicamente a formulação e execução de um projeto xenófobo que buscava o desenvolvimento de uma tecnologia “genuinamente” brasileira para o setor de informática. Participavam dessa aliança forças heterogêneas: o já referido núcleo de pesquisadores pós-graduados no exterior, burocratas civis, militares nacionalistas, partidos de esquerda, políticos da direita nacionalista e amplos setores do empresariado nacional.
A intervenção seguiu a passos largos rumo a uma política mais rígida de controle do mercado e das importações.
Como desdobramento de tal processo, em 1974 foi criada a primeira empresa nacional de computadores, a Cobra - Computadores e Sistemas Brasileiros S/A - resultado da associação da Equipamentos Eletrônicos (EE), empresa privada nacional; Digibrás, holding estatal criada nesse mesmo ano; e a firma inglesa Ferranti Ltda. (PIRAGIBE, 1985, p.114).

Acompanhando o desenrolar dos acontecimentos da década de setenta, passamos a ter mais facilidades para compreender o caminho tomado pelas autoridades brasileiras, com o objetivo de proteger a indústria nacional de informática. Eventos inesperados contribuíram no sentido de forçar o Estado a tomar medidas protecionistas radicais. Além dos interesses da chamada comunidade científica, que exigia uma política oficial de incentivo para o desenvolvimento do setor, e dos empresários brasileiros, que visualizavam uma ótima oportunidade para ganhar dinheiro, outro aspecto, segundo Clélia Piragibe, foi determinante:
Ao final de 1975, diante do agravamento das dificuldades do Balanço de Pagamentos brasileiro, iniciou-se o controle das importações de computadores (que se expandiram a taxas superiores a 30% ao ano no período 1969/1976), condicionadas à anuência prévia da Capre.
Tal medida refletiu-se no menor crescimento das importações totais do setor a partir de então, e pela prioridade dada às importações de peças e componentes para a produção local, em lugar de sistemas completos de computadores. Entretanto, o estabelecimento de barreiras tarifárias não era suficiente para estimular a entrada de empresas nacionais nessa indústria. (PIRAGIBE, 1985, p.115).

Diante das pressões da chamada comunidade científica e dos militares, a crise do petróleo completou as justificativas para o governo tomar medidas mais enérgicas em defesa da indústria e do capital nacional.
A ‘crise do petróleo’, por sua vez, colocou em cheque a estratégia governamental brasileira. Refletindo a nova situação, caracterizada pela deterioração crescente das contas externas do país, o Conselho de Comércio Exterior (CONCEX) incluiu os computadores eletrônicos e seus periféricos nas medidas adotadas para o controle das importações, ao final de 1975. (PIRAGIBE, 1985, p. 121).




















3.2. A INTERVENÇÃO ESTATAL E A EVOLUÇÃO DO PARQUE INSTALADO DE COMPUTADORES
Com objetivo de acelerar o desenvolvimento nacional de computadores, o Governo Federal emite a Resolução n. 104 de 03/11/75, estabelecendo a necessidade de licença prévia para a realização de importações de produtos do setor. Desta forma, amplia-se a intervenção e o controle estatal do mercado de informática. A Comissão de Atividades de Processamento Eletrônico, a CAPRE, ganha ainda mais poderes com o Decreto n. 77.118 de 9 de fevereiro de 1976.
Ao início de 1976, a CAPRE recebeu a atribuição de estudar e propor as diretrizes da política brasileira de informática (Decreto n. 77.118, 09/02/76), tornando-se responsável pelo planejamento e coordenação dessas atividades no país. Seu Conselho Plenário teve a composição alterada, com o objetivo de melhor articular os organismos estatais diretamente afetados no processo de formulação de políticas para a indústria. (PIRAGIBE, 1985, p.122).

Caminhando a passos largos, a intervenção engloba na reserva de mercado o segmento de microcomputadores, que mais tarde se tornaria a maior fatia do mercado de informática.
Em consonância com a política governamental, em 1976, o Conselho Plenário da Capre definia as suas diretrizes para o setor (Resolução 01, de 15 de julho de 1976), elegendo o segmento de pequenos sistemas de computadores como plataforma de lançamento da tecnologia nacional. Para a ‘informática de periferia’(mini e microcomputadores e seus periféricos), a orientação seria ‘a participação cada vez maior da tecnologia nacional’, enquanto para os computadores de grande porte sugeria-se a “racionalização dos investimentos através dos recursos já existentes. (PIRAGIBE, 1985, p. 123).

A política governamental para o setor de informática, desde seu início, havia deixado de fora das restrições o segmento dos grandes computadores chamados mainframe, cujo desenvolvimento estava claro que não poderia ser alcançado com os parcos recursos da nascente indústria nacional. Mas, com a implementação das restrições impostas a partir de 1976, a indústria nacional foi adquirindo a exclusividade para a produção de computadores nos segmentos dos pequenos, minis, superminis e micros. Segundo Piragibe, essa política estabeleceu cinco objetivos e passou a buscá-los incessantemente.
a) obter capacidade tecnológica que possibilite projetar, desenvolver e produzir equipamentos eletrônicos e software no país;
b) assegurar que as empresas nacionais tenham uma posição predominante no mercado nacional;
c) criar empregos em geral e oportunidades de emprego mais aprimorados para os técnicos e engenheiros brasileiros;
d) obter um balanço de pagamentos favorável em produtos e serviços de informática;
e) criar computadores para o desenvolvimento de uma indústria de partes e componentes em informática. (PIRAGIBE, 1985, p.124).

Para atingir estas metas, o Governo Federal tratou imediatamente de dar às empresas condições necessárias para seu crescimento. Proporcionou à Cobra, a estatal dos computadores, o apoio que julgava fundamental para que a empresa pudesse fazer frente à produção das empresas estrangeiras..
Ainda em 1977, a Cobra recebia substancial reforço técnico e financeiro. Além de estabelecer um contrato de tecnologia com a Sycor, a empresa absorveu parte do corpo técnico da Divisão de Fabricação do Sepoo (que desenvolvera o concentrador de teclados). De outra parte, formava-se um pool de 11 bancos privados, que assumiria 39% do capital da Cobra, enquanto o Estado ficava com 56% e o restante entre antigos acionistas (EE e Ferranti). (PIRAGIBE, 1985, p. 126).

Finalmente, em 1979, a estatal brasileira da informática conseguiu lançar o primeiro microcomputador com projeto inteiramente nacional: “o modelo 530 _ uma versão aprimorada do pioneiro G-10 _ que começara a ser desenvolvido oito anos antes.” (PIRAGIBE, 1985, p.143).
Na perspectiva de garantir o crescimento da indústria nacional de informática sem nenhum atropelo, a poderosa CAPRE não hesitou em rejeitar o pedido da IBM, em 1979, para produzir computadores médios e pequenos no país, abortando assim a possibilidade do Brasil acompanhar o desenvolvimento da mais importante tecnologia do século. A partir de então, definitivamente, o domínio da tecnologia de informática para os brasileiros converteu-se num “segredo” de segurança nacional e como tal passou a ser tratado.
Através do Decreto 84226 de 05/12/79, o Governo Federal extinguia a antiga CAPRE e criava a Secretaria Especial de Informática (SEI), incluindo em sua direção representantes do Serviço Nacional de Informações (SNI), do Ministério das Relações Exteriores e do Conselho de Segurança Nacional, numa controversa militarização da questão tecnológica.
A SEI, que ficou diretamente vinculada à Presidência da República, já iniciou suas atividades restringindo a atuação das empresas estrangeiras existentes e dificultando a instalação de outras que já haviam manifestado interesse em operar no país, como a DEC, HP e DG. A recém criada Secretaria, nutrida de um nacionalismo econômico xenófobo, passou a obstaculizar qualquer tentativa de ingresso ou expansão de atividades das multinacionais.
...a SEI se transformou num GOSPLAN caboclo que teria matado na fonte a expansão ou implantação de projetos das seguintes empresas: IBM, Burroughs, Olivetti, Philips, AEG/Telefunken, CEL, HP, DG, TRW-Datapoint, VARIAN, CD, Wang, General Automation. (CAMPOS, 1994, p.1083).

Mais grave do que os excessivos poderes controladores concedidos à SEI, foi a definição que se deu ao conceito de informática. Com o Decreto n. 85870, de 6 de março de 1981, “a microeletrônica passou a receber o mesmo tratamento vigente para os equipamentos de processamento de dados” (PIRAGIBE, 1985, p. 132). O termo se aplicava a todos os segmentos da moderna tecnologia: fibras óticas, semicondutores, telecomunicações, televisão, eletromedicina, eletrônica digital etc., eram tratados como equipamentos de computação e, portanto, se encaixavam dentro dos controles da poderosa Secretaria Presidencial.
O intervencionismo dirigista não se aplicava apenas a computadores, programas de computação, bancos de dados e equipamentos correlatos, mas estendia-se a toda a eletrônica digital a semicondutor, ou seja toda a indústria moderna: telecomunicações, televisão, eletromedicina, automação fabril e de escritório, eletrônica embarcada, robótica, fibras óticas e optoeletrônica. (CAMPOS, 1994, p. 1086).

A intervenção estatal, como não poderia deixar de ser, não se conteve apenas no controle da produção de equipamentos, mas se estendeu também ao segmento de software, controlando a produção de programas e regulamentando, através de registro, o uso de programas estrangeiros utilizados no país. O usuário brasileiro, além de não ter o direito de escolha do equipamento de sua preferência _ sendo obrigado a pagar caro por um produto obsoleto _ se via também obrigado a cumprir as normas burocráticas da SEI na utilização dos produtos de software que poderia usar no seu computador.
As atividades do software passaram a ser regulamentadas a partir da criação da Comissão Especial de Software e serviços (Diretriz n. 203, de 20/03/1980). Em 1982, a SEI instituiu o registro dos programas de computador comercializados no mercado local, concedendo preferência aos produtos desenvolvidos no país (AN 22/82). (PIRAGIBE, 1985, p.134).

A utilização de um software não registrado era vista como uma contravenção penal e o usuário _ neste caso visto pela legislação como um marginal _ corria o risco de ser punido severamente. É o que observa William R. Cline, em seu livro Informática e desenvolvimento, publicado no Brasil em 1988.
A lei estabelece severas penalidades para os infratores, incluindo prisão e até dois anos por violações dos direitos de propriedade intelectual e de até quatro anos pela importação de um programa estrangeiro não registrado. (CLINE, 1988, p. 93).

Algumas coisas só são percebidas claramente quando já pertencem ao passado. O caso da reserva de mercado para a indústria nacional de informática é um bom exemplo disso. Em 1984, quando a professora Clélia Piragibe escreveu sobre o tema, as consequências da política de reserva de mercado _ apesar dos transtornos causados ao desenvolvimento industrial brasileiro _ ainda não eram facilmente perceptíveis. Ao analisar os sete primeiros anos da política restricionista do setor, a autora concluiu que os resultados dessa política eram altamente positivos para os interesses nacionais. Parecia-lhe que o protecionismo estabelecido em favor da tecnologia nacional estava realmente promovendo o desenvolvimento do país.
Decorridos sete anos do estabelecimento da política de reserva de mercado, a resposta nacional foi positiva”. “...e apresenta-se como uma das exceções da política industrial brasileira, caracterizada pela liberalidade em relação à entrada do capital estrangeiro. Vista de outra forma, a política explícita para o setor de pequenos computadores apresenta-se integrada e coerente com a política implícita, em contraste com o padrão de industrialização do país. (PIRAGIBE, 1985, p. 136).

Os números provisórios eram realmente animadores, principalmente se não comparados com o crescimento de outros países. Os dados apresentados por Piragibe mostra o crescimento no setor. Segundo ela, o número de computadores existentes no Brasil em 1973 era de 1572, saltando para 24339 em 1982.
Estes índices, apesar de comemorados, ensejavam também descontentamentos com a política estatal. Para Piragibe, o Estado pecava não por se intrometer de mais, mas por proteger de menos. Observando apenas um aspecto do problema, Piragibe critica a falta de recursos públicos para o financiamentos da Pesquisa & Desenvolvimento das empresas, como havia ocorrido nos Estados Unidos e Japão. Estava convencida de que o crescimento da indústria nacional de informática poderia ser bem mais acentuado se o Estado amparasse o setor de pesquisa das empresas do ramo de informática:
...é importante reiterar que a política governamental brasileira para a informática tem um caráter passivo em relação a importantes aspectos dessa indústria. As atividades de Pesquisa & Desenvolvimento, por exemplo, até hoje têm sido predominantemente financiadas com recursos das próprias empresas, enquanto a experiência dos países centrais demonstra que, sobretudo nos casos bem-sucedidos, como os Estados Unidos e Japão, a execução direta e o financiamento de P&D pelo Estado revelaram-se decisivos nos primórdios da indústria. (PIRAGIBE, 1985, p.138).

Segundo Piragibe, num período de quatro anos, entre 1978 e 1982, o valor do parque instalado de computadores no Brasil teve um aumento superior a 100%, atingindo a cifra de US$ 2,7 bilhões, sendo que a participação dos sistemas importados decresceu de 75% para 46% no final de 1982. Os computadores de fabricação nacional representavam um quinto do valor do parque instalado até o final do período.
Ao final de 1982, mais de cem empresas concorriam no mercado brasileiro de equipamentos de processamento de dados. A maioria dessas firmas foram criadas depois de 1976, como consequência imediata da reserva de mercado para o capital nacional em pequenos computadores e periféricos. (PIRAGIBE, 1985, p.157).

Mesmo colocando-se na defesa da reserva de mercado, Piragibe não omite que, devido à própria dinâmica do setor de informática, o crescimento expressivo da indústria nacional poderia não significar grandes avanços tendo em vista o ritmo de investimentos realizados em P&D pelas multinacionais.
Diante do otimismo que tais resultados possam induzir, decorridos apenas cinco anos do estabelecimento das empresas nacionais no mercado brasileiro de computadores, é importante relativizá-los diante da situação das quase-firmas estrangeiras que atuam no setor, em relação à dinâmica de competição dessa indústria, onde rápida mudança tecnológica implica numa obsolescência precoce de seus produtos.
Em escala internacional, a IBM emprega cerca de 2500 profissionais em pesquisa básica e 50.000 em desenvolvimento de novos produtos, reunindo 700 PHDs somente em seu Centro de Pesquisas em Yorktown nos Estados Unidos. Os gastos da empresa em P&D consomem, em média, 6% do seu faturamento global, ultrapassando US$ 2 bilhões, em 1982, ou quase metade dos gastos em P&D da indústria norte-americana de computadores neste ano. (PIRAGIBE, 1985, p. 202).

Apesar da cautela na comemoração do crescimento da indústria brasileira, em termos absolutos, Piragibe mostra-se bastante empolgada com o segmento de pequenos computadores desenvolvido pelas empresas nacionais.
Para produtos de menor complexidade tecnológica, a capacidade de realizar reverse engineering pelas empresas nacionais é maior. Recentemente foram lançados no Brasil microcomputadores de 16 bits por fabricantes nacionais, apenas 2 anos após o seu lançamento nos EUA. Esses produtos são compatíveis com o software desenvolvido para o personal computer da IBM, de grande sucesso internacional, aproveitando-se da ausência involuntária da grande empresa líder no mercado brasileiro de pequenos computadores. (PIRAGIBE, 1985, p. 205).

Confiante no setor de pequenos e periféricos, Piragibe apresenta dados que agradavam principalmente a comunidade científica nacional: o crescimento significativo no número de empregos.
As empresas nacionais líderes de computadores e periféricos expandiram em 120% o seu pessoal empregado em produção, entre 1979 e 1982, refletindo o aumento de suas escalas produtivas. As firmas de microcomputadores lideraram tal processo, apresentando uma expansão do emprego total em produção de 255% no período, seguidas das empresas de periféricos. que cresceram 160%. (PIRAGIBE, 1985, p.211).

... o emprego em atividades de suporte técnico pelas firmas líderes de microcomputadores cresceu sete vezes, entre 1979 e 1982, e as atividades mais especializadas, exercidas por profissionais de nível superior, expandiram-se mais de dez vezes. Vinte por cento dos empregados de nível superior das firmas de microcomputadores, em 1982, realizavam manutenção de hardware e software, sendo que as últimas apresentaram uma maior expansão de suas atividades. (PIRAGIBE, 1985, p.221).

Os números de crescimento apresentados pela indústria não expressam necessariamente a pujança da produção nacional, uma vez que o mercado brasileiro estava fechado para os produtos estrangeiros e se tratava de um setor que experimentava uma verdadeira explosão de consumo. Diante deste quadro é preciso amenizar a empolgação pelos dados da indústria nacional e procurar compará-los com o crescimento do setor nos outros países.
É preciso considerar também que a indústria de computadores, em nível mundial, tem como característica principal a rápida e contínua evolução na qualidade dos equipamentos e uma tendencial queda dos preços. A depreciação ocorre ao longo do ciclo de cada produto, à medida que são lançadas novas gerações que invariavelmente apresentam maior capacidade de operação e mais facilidade no seu uso. “Ao longo de quatro gerações de produtos, lançados entre 1953 e 1979, o preço da unidade de armazenamento dos computadores IBM reduziu-se 506 vezes.” (PIRAGIBE, 1985, p.227). Será que a tecnologia de um único país poderia suportar este ritmo de desenvolvimento?
A crença numa política autônoma de desenvolvimento para a informática controlada pela burocracia estatal é um misto de ingenuidade aliada a uma cega postura teórica nacionalista. Pois o dirigismo _ ao contrário do que se diz _ planeja pensando apenas no imediato, deixando sem sequência as políticas que ele mesmo traçou. Isto pode ser verificado através do exemplo da Empresa Digital Brasileira, a Digibrás, que malogrou completamente em sua missão de apoiar a criação de firmas nacionais para produzir minicomputadores e periféricos. Apesar de ser criada com a função de ser uma holding estatal, acabou ficando apenas com a COBRA como subsidiária. Só no governo Figueiredo é que foi criada uma terceira companhia, a Prólogo, mas esta não compôs o quadro da holding, ficando sob supervisão direta do SNI. No início do ano de 1984, o Governo Federal extinguiu a Digibrás e seu acervo ficou aos cuidados da SEI.
Quando se encerrou a rígida política de reserva de mercado em 1992, o país contava com um insignificante parque de computadores: o Brasil inteiro tinha 800.000 computadores instalados _ 20% a menos do que a cidade de Atlanta nos Estados Unidos _ com o agravante de que mais da metade dos equipamentos era composta de modelos ultrapassados, descartados como sucata nos países mais desenvolvidos.




3.3. UMA ANÁLISE DO DESEMPENHO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE INFORMÁTICA COMPARADA COM OUTROS PAÍSES EMERGENTES
A partir da década de setenta o Brasil adota uma política protecionista para a indústria de informática, que acaba se constituindo na mais antiga legislação especial de informática da América Latina. O governo brasileiro adota a reserva de mercado para o setor de pequenos computadores, tendo como meta primordial fomentar a Pesquisa & Desenvolvimento para garantir independência tecnológica para empreendimentos civis e militares. Tal procedimento resultou, evidentemente, no fechamento do mercado nacional para os produtos estrangeiros, bem como para o investimento de capital externo no setor.
O surgimento do microcomputador (Personal Computer) no final da década de 70 _ fato que ficou conhecido como “acidente histórico do advento do microcomputador” _ acabou criando um significativo setor que foi automaticamente incorporado na reserva de mercado à indústria nacional de informática. Tratava-se de um subsetor que, mais tarde, se tornaria o maior segmento da informática. Durante a vigência da reserva de mercado, era permitida apenas a importação de computadores de porte médio e grande, os chamados mainframe.
A situação se agravaria ainda mais em 1984, quando o Brasil consagrou em lei a reserva de mercado. Neste ano foi discutida, votada, aprovada e sancionada a Lei 7232/84, conhecida como “Lei de Informática”, que praticamente fechava o mercado nacional por um período inicial de 8 anos. Alheia ao desenvolvimento tecnológico internacional, a indústria brasileira de computadores ficou livre da concorrência estrangeira.
Vale lembrar que a política nacional de informática não foi uma exclusividade brasileira, na América Latina. México e Argentina também se enveredaram pelos caminhos da proteção estatal às indústrias nascentes. Mas, os demais países não foram tão radicais quanto foi o Brasil.
A política mexicana surgiu no começo de 1980, quando o governo procurava conter o crescente aumento das importações no campo da informática. Ao contrário do Brasil, o México não proibiu a importação. Como medidas protecionistas, adotou barreiras alfandegárias e algumas restrições ao investimento de capital estrangeiro nas indústrias locais de informática.
O caso argentino teve início em 1985, quando o Presidente Raul Alfonsim baixou a Resolução 044/85 estabelecendo um regime de incentivos para a produção de pequenos computadores. A resolução previa também uma licitação para selecionar as empresas que iriam receber os benefícios. A partir de 1986, o governo passou a adotar uma política mais agressiva para o setor, concedendo isenção de tarifas para os produtos importados considerados insumos. Talvez, até pelo fato de ser adotada depois da nossa, a lei argentina tenha sido mais comedida na proteção à indústria nacional: deu cinco anos de reserva e depois deste período cobraria apenas uma alíquota de 50%. Desta forma, a Argentina passou a ocupar uma situação intermediária entre México _ política mais aberta _ e Brasil, o campeão da proteção.
No final da década de oitenta, já se poderia fazer um balanço dos resultados alcançados por diferentes países que buscavam o desenvolvimento tecnológico da indústria da informática. É o que podemos perceber no balanço que Cline faz do desenvolvimento das indústrias de computadores da Índia, França, Taiwan, Coréia do Sul e dos “emergentes” países latino americanos.
Coréia e Taiwan apresentam nítidos contrastes com as estratégias adotadas na América latina, enquanto que os casos da Índia e da França mostram certas similaridades. Na Coréia e em Taiwan, a produção de microcomputadores tem crescido rapidamente baseada num direcionamento para a exportação. Aqueles países usam intensamente tecnologias estrangeiras fornecidas por empresas multinacionais. Seus regimes comerciais são abertos, e o comércio intra-indústria é ativo. Os níveis de importação e exportação de computadores são elevados. Uma característica chave das indústrias é a obtenção de economias de escala através da busca dos mercados de exportação ao invés da limitação do mercado para a economia doméstica. Os dois países têm sido altamente bem sucedidos na expansão de suas exportações e têm produzido microcomputadores e periféricos competitivos em preço.
A política de informática da Índia tem sido muito mais fechada. Enquanto que o resultado foi o término do domínio do mercado por umas poucas empresas estrangeiras, a indústria produziu computadores de alto custo e tecnologicamente desatualizados. Em 1984, o governo adotou reformas na direção de uma abertura do mercado à concorrência estrangeira. A política francesa tem dado ênfase a custosos subsídios governamentais favorecendo certas empresas locais, visando garantir o avanço tecnológico francês, mas os resultados obtidos tem sido duvidosos. (CLINE, 1988, p.17).

Este balanço comparativo elaborado pelo autor mostra que a política de restrição ao comércio internacional que garante privilégio para os fabricantes nacionais, não rendeu os resultados esperados.
Apesar de muita euforia em torno do domínio nacional da informática, é preciso lembrar que esta ciência não tem um fim em si mesma. O uso desta tecnologia deve ser visto sobretudo como um meio de promover o desenvolvimento da educação, das comunicações e de todas as atividades produtivas.
A principal questão política para a indústria de informática hoje, tanto nos maiores como nos menores países da região, é se o setor é passível de ser bem sucedido com uma estratégia de proteção à indústria nascente. A resposta a essa pergunta pode igualmente ter implicações para outras áreas em desenvolvimento no mundo. (CLINE, 1988, p. 38).

Pelo fato do setor de informática ter um desenvolvimento muito dinâmico, o país que optar pelo fechamento do mercado à entrada de produtos, conhecimentos e investimentos estrangeiros, fatalmente ficará defasado tecnologicamente e perderá competitividade de sua economia como um todo.
Em resumo, existem razões para se acreditar que a defesa da proteção à indústria nascente será ainda mais duvidosa que o usual quando o setor se encontra com rápidas mudanças tecnológicas. A possibilidade de sucesso é ainda menor se, como no caso brasileiro, a legislação nacional proíbe joint ventures com companhias estrangeiras. As empresas internacionais detêm habitualmente a tecnologia mais recente e a política de “independência” que proíbe a sua participação no mercado local poderá muito bem custar o alto preço de aumentar ainda mais a defasagem entre a tecnologia local e a internacional. (CLINE, 1988, p.42).

Há ainda outro aspecto que precisa ser considerado numa política de informática. Só pode produzir com preços competitivos a empresa que atinge uma economia de escala. Cline destaca que a indústria de microcomputadores, se tiver um mercado pequeno que não comporte a produção em escala, não conseguirá produzir com preços competitivos, pois seus custos serão muito elevados. Daí a necessidade de manter as fronteiras abertas tanto para exportar quanto para importar.
Uma análise geral da vantagem comparativa dinâmica sugere que as necessidades de economias de escala do setor devem ser consideradas na avaliação das perspectivas da indústria como uma indústria nascente a ser desenvolvida no país. A evidência disponível sugere que economias de escala podem ser importantes na indústria de microcomputadores. Assim, as estratégias dirigidas à produção somente para o mercado local correm o risco de impor uma escala de produção limitada à indústria e resultar em custos substanciais para a economia.
Existe pouca dúvida de que alguns componentes dos microcomputadores requerem uma larga escala para uma produção eficiente. O semicondutor, ou o chip de computador exige grandes investimentos e uma produção em grande escala. (CLINE, 1988, p.43).

Já em 1987 o descompasso entre aqueles países que mantinham reserva de mercado e aqueles que incorporavam capital e tecnologias estrangeiras era evidente. Segundo Cline, enquanto a produção no Brasil não superava a marca de 3.000 unidades/ano por empresa, em Taiwan e Coréia do Sul, por atuarem em escala, a produção média por empresa girava em torno de 50.000 unidades/ano.
Em resumo, no setor de microcomputadores as economias de escala são importantes, situando-se a níveis de produção extremamente elevados se as vendas estão limitadas ao mercado doméstico. Contudo, a estratégia clássica de desenvolvimento industrial através da proteção do mercado local dirige a indústria para exatamente essa limitação do mercado. (CLINE, 1988, p.44).

Cline faz também uma comparação entre os modelos brasileiro e mexicano:
...uma orientação dirigida ao mercado local domina o modelo brasileiro, enquanto que uma orientação mais forte na direção das exportações é encontrada na estratégia mexicana (onde o governo aprovou uma fábrica da IBM para produzir 100.000 PCs por ano, sob a condição de exportar 90 por cento da produção). (CLINE, 1988, p.44).

Segundo ele, os formuladores da Lei de Informática apostavam na reserva de mercado como meio de se criar, no país, um núcleo de pessoal treinado em alta tecnologia. Isto seria viabilizado, por um lado, através da criação da demanda de empregos técnicos nas indústrias protegidas e, por outro, pelo atendimento dessa demanda em cursos de formação técnica de nível superior.
Assim, ao estimular o desenvolvimento de mão-de-obra altamente qualificada, a proteção à informática irradiaria seus efeitos positivos para outros setores da indústria. Com os incentivos e garantias da reserva de mercado, a economia em seu conjunto seria beneficiada, com a ampliação da disponibilidade de uma mão-de-obra de elevado nível técnico. A indústria de informática ganharia e o país em seu conjunto também. A sonhada autonomia tecnológica parecia estar ao alcance das nossas mãos. Essa é a face boa e atraente da reserva de mercado, mas há outra, menos sedutora, que o mesmo Cline nos aponta:
O surgimento de um corpo de pessoal técnico e científico treinado como resultado de programas aperfeiçoados de educação superior parece ter sido um fator nas políticas nacionais que buscam o emprego dessas pessoas num setor doméstico de alta tecnologia. A longo prazo, pode-se argumentar também que o desenvolvimento de tal setor irá promover ainda mais o desenvolvimento da mão-de-obra técnica disponível para o país. Enquanto que o desenvolvimento da indústria nascente do setor de informática pode ter fatores externos positivos nessas direções, ele deve ser questionado quanto ao seu custo em termos de investimento e, talvez mais importante, em termos de oportunidades perdidas para uma produção tecnologicamente mais avançada em setores não ligados à informática e, como consequência, sobre os possíveis efeitos negativos no desenvolvimento de empregos técnicos em outros setores. De forma similar, fatores externos no desenvolvimento de uma capacitação tecnológica doméstica dependem de uma permuta entre, de um lado, uma crescente competência tecnológica da indústria de capital nacional na informática (ou do total da indústria doméstica se permitida a participação do capital estrangeiro) e de outro, dos possíveis efeitos adversos da disponibilidade da tecnologia de informática para o resto da economia. ( CLINE, 1988, p. 45).

Outro argumento que fortalecia a defesa da reserva de mercado era o de ter uma tecnologia própria por uma questão de segurança nacional. Quanto a esta tese, Cline também procura mostrar o lado positivo e o lado negativo da busca autárquica do domínio técnico e científico da informática.
No que se refere à segurança nacional, se o risco de um bloqueio no acesso a produtos de informática é real, o desenvolvimento de uma indústria nascente doméstica para o setor pode prover um fator externo positivo. Por outro lado, o fator externo pode ser negativo se, por exemplo, a política exigir que as Forças Armadas adquiram produtos de informática ultrapassados. (CLINE, 1988, p.46).

Podemos concluir que uma das consequências mais sérias do fechamento do país à tecnologia estrangeira seja o fato de colocar todos os setores da economia que dependam da informática _ e praticamente todos dependem _ numa situação ruim, obrigando-os a consumir produtos caros e tecnologicamente defasados. Outro problema derivado deste primeiro, é o desencorajamento das empresas a utilizarem equipamentos mais sofisticados, impedindo, assim, que o país acompanhe o ritmo internacional do desenvolvimento.
O preço mais alto da informática local irá desencorajar a adoção da tecnologia de informática. No entanto, parece ser claro que a disseminação ampla e rápida dessa tecnologia, pelo menos nos países industrializados hoje em dia, tem as marcas de uma das mais profundas revoluções tecnológicas desde a revolução industrial em fins do século XVIII. Nesse sentido, os legisladores na América Latina e em outras regiões em desenvolvimento estão certos em se preocupar com a possibilidade de seus países ficarem para trás nessa revolução tecnológica. A pergunta crucial, no entanto, é se as suas economias de uma forma geral estão mais expostas ao atraso se dependerem de um fluxo relativamente livre de produtos e ideias internacionalmente disponíveis ou se, ao contrário, elas se isolam das tecnologias internacionais de informática através de políticas comerciais fechadas destinadas a estimular a produção doméstica dentro da própria indústria. (CLINE, 1988, p.47).

Já em 1987, os dados apurados apontavam para uma disparidade de preços entre os países de economia aberta e os de economia fechada no que tange aos produtos de informática. Se comparados aos EUA, os preços praticados no Brasil eram maiores na proporção de 2,49 para computadores e 3,29 para os periféricos. Portanto, apesar da euforia nacionalista inicial, a reserva de mercado para a informática acabou revelando-se, mais tarde, um “tiro pela culatra”. Ela não só foi inócua para criar no país uma indústria de informática sólida e competitiva, como também se mostrou extremamente danosa para outros setores indústrias.
As restrições ou proibições de importação de produtos de informática impediram a renovação tecnológica da indústria eletro eletrônica, química, de máquinas, automobilística, etc., num período em que as principais nações industrializadas viviam uma nova revolução tecnológica. Os resultados da desatualização tecnológica da indústria brasileira são mostrados até por autores que estavam comprometidos com o protecionismo adotado no Brasil.
É o caso do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, que apresenta dados estatísticos, no livro A nova estratégia industrial e tecnológica: o Brasil e o mundo da III revolução Industrial, que revelam a dimensão da defasagem tecnológica dos equipamentos utilizados para a fabricação de diversos produtos da indústria nacional:“66% para aparelhos de som e TV, 65% para máquinas operatrizes, 46% para automóveis, até 37% para tratores e máquinas de terraplanagem, 28% para indústria têxtil e 14% para leite e laticínios.”(VELLOSO, 1990, p. 17).
Desta feita, podemos concluir que, ao invés da almejada autonomia industrial e tecnológica, o que a reserva de mercado fez foi contribuir para o sucateamento de grande parte do parque industrial brasileiro.
Se fizermos uma análise mais ampla sobre a relação entre nível de desenvolvimento dos países e o grau de abertura ou fechamento de suas economias, vamos perceber que, de fato, aqueles que optaram pelo nacionalismo econômico tiveram que pagar um preço alto por isto. O fechamento de suas economias acabou impedindo a modernização da produção e a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes. O economista mexicano Luis Pazos, em seu livro Del Socialismo al Mercado: las enseñanzas del Siglo, publicado em 1991, apresenta dados que demonstram os efeitos perniciosos do nacionalismo econômico. Segundo ele, enquanto em 1989 a América Latina inteira tinha US$ 31,7 bilhões de reservas internacionais, Taiwan sozinho acumulava US$ 76,7 bilhões; o PIB per capta na América Latina de 1980 a 1990 sofreu uma redução de 11,5%, sendo que o Brasil em especial _ com sua política de substituição de importações _ sofreu uma queda de 6,4%, enquanto o Chile, com sua economia aberta, computou um crescimento de 11,2%; as duas Coréias, que em 1953 tinham um PIB per capta de US$ 120,00 chegaram em 1990 com uma considerável diferença: enquanto a Coréia do Norte conseguiu crescer para US$ 1.050,00 a Coréia do Sul, aberta para o mercado, saltou para US$ 5.500,00. Vale lembrar que hoje o PIB per capta da Coréia do Sul já está próximo a US$ 10.000,00.







3.4. O BRASIL OLHANDO PARA O FUTURO COM OS OLHOS DO PASSADO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O DEBATE NO CONGRESSO NACIONAL ACERCA DA LEI DE INFORMÁTICA.

3.4.1 AS TENDÊNCIAS POLÍTICAS FRENTE À INDÚSTRIA NACIONAL DE INFORMÁTICA.
De agora em diante, vamos analisar o debate ocorrido no Congresso Nacional por ocasião da tramitação do Projeto de Lei do Governo Federal que legalizava a reserva de mercado para a indústria nacional de informática. Para tanto, selecionamos alguns depoimentos que, em linhas gerais, julgamos expressar melhor os anseios dos diversos segmentos políticos e empresariais daquele momento, frente à questão do desenvolvimento científico e tecnológico do país. Destacaremos as opiniões do Sr. Hélio Azevedo, Presidente da Sociedade Brasileira dos Usuários de Computadores e Equipamentos Subsidiários _ SUCESU; do Sr. Edson Fregni, Presidente da Associação Brasileira da Indústria de Computadores e Periféricos _ ABICOMP; dos acadêmicos Clodoraldo Pavan, Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência _ SBPC _ e Rogério Cerqueira Leite, ilustre pesquisador da Universidade Estadual de Campinas _ Unicamp; dos empresários Luiz Eulálio Bueno Vidigal, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo _ FIESP, e Jorge Gerdau Johannpeter, Presidente do Grupo Gerdau; dos senadores Severo Gomes, Carlos Chiareli e Roberto Campos; da deputada pernambucana Cristina Tavares e dos então presidenciáveis Paulo Maluf e Tancredo de Almeida Neves.
Vale ressaltar que, devido ao fervor nacionalista daquele período, por ocasião das discussões no Congresso Nacional, não havia nenhuma proposta contrária à proteção da indústria nacional. O que dividia as opiniões era o grau de protecionismo que deveria ser garantido para os fabricantes brasileiros.
Diante das circunstâncias desfavoráveis daquele momento, até o economista Roberto de Oliveira Campos, conhecido por sua postura liberal, foi obrigado a perfilar ao lado dos protecionistas no caso da Lei de Informática. Devido às contingências, não lhe restara alternativa a não ser a elaboração de uma proposta que instituía uma alíquota de importação de 205% que, somada a outros benefícios de incentivos e isenções chegaria a quase 300% de proteção em favor da produção brasileira. Seu projeto concedia também preferências nas encomendas governamentais de protótipos e bens finais de informática em favor das empresas nacionais.
Tal projeto contemplava, ainda, a criação de um fundo especial de informática para financiar exclusivamente empresas sob controle nacional, bem como previa a aplicação de legislação antitrust para impedir que corporações estrangeiras dominassem fatia exagerada do mercado. Algo que o próprio formulador afirmava ser “o verdadeiro projeto japonês”. (TÁVORA, 1985, p.214).
A proposta do senador Roberto Campos _ que hoje julgamos conservadora _ não se devia a nenhuma fraqueza ideológica do autor, era apenas a única maneira de permitir uma pequena brecha para a introdução de produtos estrangeiros. Entretanto, sua proposição foi rejeitada pelo Congresso Nacional, por julgá-la extremamente liberal. No outro extremo, estava o projeto do Executivo, enviado pelo ministro Danilo Venturine ao Congresso Nacional.
O projeto oficial, tomado de um incomensurável fervor ideológico, legalizava a restrição aos produtos estrangeiros e garantia por mais oito anos a reserva de mercado à indústria e ao capital nacional, que já estava contida nos Decretos e nas Portarias que regulamentavam o setor de computadores _ e tudo mais que a SEI entendia por informática.
Os debates na Comissão Mista do Congresso Nacional, com raras exceções, constituíam uma eufórica coalizão nacionalista em favor do capital nacional, e do desenvolvimento de uma tecnologia de informática genuinamente brasileira. Os argumentos usados a favor da reserva de mercado para a indústria de informática, apesar de apresentarem certa heterogeneidade, tinham em comum a noção de que o desenvolvimento do país seria inconciliável com o capital e a tecnologia das multinacionais. Numa espécie de incompetência treinada, o fervor ideológico da luta anti-imperialista _ se é que podemos dar esta classificação _ não permitia que a evidência dos fatos e a história dos países bem sucedidos fossem percebidas ou aceitas. Aqueles, como o empresário Jorge Gerdau e o senador Roberto Campos, que insistiam em combater a proposta da SEI de desenvolvimento tecnológico autárquico, eram tratados pelos demais como entreguistas e servos do Imperialismo internacional.






















3.4.2. A POSIÇÃO DA SUCESU, DA ABICOMP E DA ASSEMBLÉIA PAULISTA FRENTE À RESERVA DE MERCADO.
A concepção de que desenvolvimento nacional é antagônico aos interesses das empresas multinacionais estava presente, inclusive, em muitos daqueles que supostamente tinham interesses opostos aos dos fabricantes. O Sr. Hélio Azevedo, presidente da Sociedade dos Usuários de Computadores e Equipamentos Subsidiários (SUCESU), ao depor na Comissão Mista que debatia a Lei de Informática, além da timidez de suas colocações, parecia mais preocupado com os interesses dos fabricantes do que propriamente com os interesses dos consumidores.
Azevedo iniciou sua exposição fazendo questão de destacar que a entidade que representava sempre esteve preocupada com o desenvolvimento da indústria nacional de informática e que, desde sua fundação, já defendia a aprovação pelo Congresso Nacional de uma lei garantindo a reserva de mercado para o setor de minicomputadores.
É, pois, com o maior orgulho que fazemos questão de ressaltar que representamos, aqui, uma entidade pioneira da defesa de uma indústria nacional de informática sadia e comprometida com os interesses mais altos da Nação e do desenvolvimento tecnológico do setor.
Mesmo antes da criação da ABICOMP, já a SUCESU defendia a reserva de mercado para minicomputadores. Os fóruns de debates realizados nos congressos anuais da SUCESU vêm, desde então, repetindo sistematicamente este apoio.
Desta forma, as posições da SUCESU, relativas à política nacional de informática, são amadurecidas, discutidas exaustivamente no âmbito da sociedade, e geralmente pioneiras. Não podemos esquecer que nos meados da década de 70, a SUCESU já propunha a elaboração de uma política nacional de informática através de lei votada pelo Congresso Nacional. (TÁVORA, 1985, p. 28).

Depois desta declaração de simpatia pela proteção dos fabricantes nacionais, é evidente, que o representante dos usuários de computadores não teria a ousadia de defender uma proposta de cunho liberalizante. Mesmo porque, a SUCESU não representava os usuários comuns, mas grandes instituições e profissionais ligados ao setor de informática que, provavelmente, tinham interesses diretos na proteção. O projeto apresentado por Azevedo em nome da entidade que presidia, ficava aquém do projeto que o senador Roberto Campos havia apresentado no mês de abril ao Congresso Nacional. Vejamos alguns trechos de suas proposições.
No desenvolvimento da Política Nacional de Informática, as seguintes diretrizes devem ser observadas:
- A utilização prioritária de incentivos em lugar de restrições.
- Os incentivos, subsídios e restrições com o objetivo de fomento às atividades de Informática devem ser estabelecidos a nível de país e não a nível de empresas. (TÁVORA, 1985, p. 29).

A aplicação do conceito de reserva de mercado deve ser calcada no princípio de transitoriedade. No campo não protegido pela reserva, deve ser permitida a atuação de empresas estrangeiras, resguardados os interesses da Nação brasileira. (TÁVORA, 1985, p. 30).

Os arts. 2o. e 4o. devem ser reformulados para dar-lhes a visão de que a Informática _ e capacitação tecnológica _ “são meios” para atingir fins de desenvolvimento econômico e social. Neste sentido, a fusão dos diversos projetos em tramitação permitirá incluir áreas a serem favorecidas, objetivos e instrumentos. (TÁVORA, 1985, p. 32).

Como podemos perceber, mesmo sendo concebido num ambiente mais sensível e receptível à tecnologia e às normas internacionais, o projeto da SUCESU não vai muito além do projeto apresentado pelo Governo Federal. Acaba mantendo, inclusive, muitos equívocos de ordem teórica, política e jurídica, os quais, além dos problemas de ordem legal, manteriam os entraves que impediriam o Brasil de participar ativamente da revolução tecnológica que se operava nos países mais desenvolvidos.
Apesar da SUCESU apresentar avanços em relação ao projeto oficial no que diz respeito, por exemplo, à preferência de barreiras alfandegárias em vez do total fechamento do mercado, a entidade não deixa de manifestar o preconceito contra o capital estrangeiro e uma confusão teórica a respeito da definição do que seria empresa nacional. Observemos o Art. 15. da proposição apresentada por Azevedo:
Art. 15. Para efeitos desta Lei, empresas nacionais são as entidades privadas organizadas de conformidade com a lei brasileira, sob efetivo controle nacional, que aqui tenham sede da administração e cujo centro de geração de tecnologia se situe no País.
§ O efetivo controle nacional será caracterizado pela autonomia da empresa em relação as suas fontes externas de tecnologia e pela detenção direta ou indireta da totalidade do capital, com direito efetivo ou potencial de voto, e da maioria do capital social, por pessoas físicas residentes e domiciliadas no País. (TÁVORA, 1985, p. 43).

Fica explícito, neste artigo, que a Sociedade dos Usuários reproduz em seu projeto as mesmas argumentações preconceituosas que estavam presentes no cartorial e xenófobo projeto da Secretaria Especial de Informática, mantendo inclusive os aspectos de inconstitucionalidade. Foi o que argumentou Roberto Campos ao interpelar o depoente: “Inconstitucional porque estabelece as mais drásticas restrições à liberdade societária, restrições estas não previstas na Constituição” (TÁVORA, 1985, p. 58).
Campos ainda lembrava que a aprovação desta norma significaria:
...eliminar o estatuto de sociedade de capital aberto. É da definição de capital aberto que seja sociedade aberta, isto é, a propriedade das ações é negociada livremente em Bolsas, sem que saiba o destinatário final. (TÁVORA, 1985, p. 58).

O fato da proposição da SUCESU receber críticas do livre-cambista Roberto Campos, não garantiu amplo apoio dos parlamentares protecionistas. A deputada Cristina Tavares, por exemplo, que concordava com a concepção de empresa nacional contida no projeto da entidade dos usuários, discordava do projeto em seu conjunto pelo fato do mesmo não ser tão abrangente quanto a proposta oficial. O projeto apresentado por Hélio de Azevedo continha, na visão da parlamentar pernambucana, uma capciosa traição aos interesses nacionais, ao deixar de fora da reserva de mercado o setor de telecomunicações. “... V.Sa. exclui as telecomunicações e sabe-se que há um encontro marcado na telemática, entre as telecomunicações e a informática.” (TÁVORA, 1985, p. 67).
E prossegue a aguerrida nacionalista:
Pelo que entendi o Senhor defende o modelo das telecomunicações: evidentemente gerou uma grande modernidade, mas não gerou nenhuma tecnologia nem foi produto de nenhuma engenharia nacional, nem sequer de empresas nacionais, a não ser disfarçadas. (TÁVORA, 1985, p. 69).

Decepcionada com Azevedo ela encerra sua participação lamentando que as discussões tomando um rumo diferente daquele esperado por ela.
Estamos de fato preocupados com a informática e com telecomunicações, de resto o Presidente desta Comissão há 5 anos me pediu para ficar na Comissão de Comunicações, porque iríamos analisar o Código Nacional de Telecomunicações que, até hoje, não atravessou a avenida do Planalto para esta Casa. (TÁVORA, 1985, p. 69).

Se o representante da SUCESU, que em tese representava os usuários, já havia sido vacilante na defesa dos consumidores e confuso nas definições da amplitude da lei e do conceito de indústria nacional, podemos imaginar como seria o comportamento daquele que representa os fabricantes dos produtos de informática. No dia 10 de setembro, após a exposição de Hélio Azevedo, foi a vez do presidente da Associação brasileira da Indústria de Computadores e Periféricos (ABICOMP), o empresário Edson Fregni.
Fregni, afoito em defender os interesses de sua corporação, do seu cartório de produtores, não mediu esforços para garantir a aprovação do projeto do Governo Federal. Munido de um discurso nacionalista, tratou de exorcizar imediatamente os espíritos liberais que estivessem por perto, enaltecendo em contrapartida aqueles que engrossavam o coro a favor da reserva de mercado à indústria nacional de informática.
O Movimento Brasil Informática, liderado pela SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, pela FNE - Federação Nacional dos Engenheiros, com o apoio da SBC _ Sociedade Brasileira de Computação, da APPD _ associação dos Profissionais de Processamento de Dados e da ABICOMP _ Associação Brasileira da Indústria de Computadores e Periféricos, publicou o manifesto “Em Defesa da Tecnologia Nacional”.
As vozes contrariadas pela reserva de mercado, algumas vezes, insinuam que a ABICOMP defende apenas seus interesses. Mas como ignorar que o movimento pela informática une a todos, cientistas, médicos, jornalistas, professores, arquitetos, economistas, estudantes? Que importante causa é esta que, alia, na sua defesa, a indústria nacional e significativos segmentos da sociedade? Que interesses estariam essas entidades, juntas, defendendo? Que interesses a reserva de mercado contraria?
Alguns dos que se opõem à reserva de mercado acusam-na de ditatorial. Como acusar as entidades que apoiam a reserva de mercado de defenderem o autoritarismo? Ao contrário, muitas dessas têm sua história marcada na luta pela democracia. A acusação de autoritarismo e a consequente proposta para que não se bote lei alguma é mais uma manipulação. O movimento Brasil Informática defende a reserva de mercado instituída com a autoridade do Congresso Nacional. Estamos certos de que esta lei irá criar mecanismos democráticos para a gestão da informática brasileira. Seja através da definição de seus princípios em lei, seja através da aprovação do Plano Nacional de Informática, o poder sobre a Política Nacional de Informática será do Congresso Nacional. (TÁVORA, 1985, p. 70).

Fregni se mostra politicamente instruído na arte de apresentar os interesses de sua corporação como sendo interesse nacional. Aproveitando-se do fato de que muitas entidades que haviam lutado contra o autoritarismo político do regime militar, estava apoiando a reserva de mercado, ele procura, inclusive, confundir a questão transformando a luta pela proteção à indústria da informática numa espécie de “guerra santa” dos bons cidadãos contra os vendilhões da Pátria.
Depois de procurar desmerecer as teses menos restritivas, o presidente da ABICOMP parte para a ofensiva, no intuito de mostrar o crescimento da indústria nacional. Sua arma é citar dados apresentados pelo professor Paulo Bastos Tigre, que sustentavam a tese da competitividade da indústria brasileira para o setor de informática, contemplado com a proteção estatal.
Já foi demonstrado que os preços da indústria nacional atingem hoje, em média, índices entre 1 e 2,5 vezes os similares estrangeiros na origem. E nossos preços são declinantes. Recente estudo realizado pelo Prof. Paulo Bastos Tigre, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, comprova os dados da ABICOMP. Estaria a universidade manipulando? Com que interesse?
A indústria nacional, em seu setor, não pode ser acusada de atraso tecnológico. Ela utiliza os mais modernos componentes na fabricação de equipamentos similares aos existentes hoje no mercado internacional, com uma característica básica: a maioria dos equipamentos foi concebida e projetada para o mercado brasileiro, utilizando insumos nacionais. Os índices de nacionalização médios superam a cifra de 90%. (TÁVORA, 1985, p.70).

Os dados apresentados por Fregni, que informavam o ritmo do desenvolvimento da indústria brasileira, apesar de animadores, não eram suficientes para garantir a prosperidade da informática nacional. É preciso considerar que por se tratar de um setor muito dinâmico onde a mínima defasagem tecnológica pode significar o sucateamento de uma geração de equipamento, o grau de eficiência de nossa indústria não nos habilitava para um desenvolvimento autônomo da tecnologia de informática. Os índices da evolução poderiam ser suficientes para outros ramos da indústria, entretanto, insuficientes para o setor da computação.
Após a exposição dos números, Fregni passa a utilizar uma argumentação anti-imperialista que, indiscutivelmente, faria inveja a Leonel de Moura Brizola e ao aguerrido líder comunista João Amazonas.
As pressões norte-americanas e das empresas transnacionais de informática são facilmente identificadas. Sabemos que a eles não interessa o desenvolvimento da indústria e da tecnologia brasileira. Eles nos querem apenas como consumidores dos produtos de tecnologia avançada. Porém, a movimentação contra a reserva de mercado transcende esses grupos. E não é razoável supor que os demais sejam apenas contratados prelos primeiros.
Se analisarmos as argumentações contrárias surgidas em editoriais de alguns jornais, em relatórios de algumas entidades, vemos que a questão certamente é mais ampla. Na verdade, o que está sendo atingido, com o modelo da informática, é o modelo adotado para o desenvolvimento nacional.
Abriu-se nossa economia para as empresas transnacionais. Elas trazem capitais de risco, trazem tecnologia, geram empregos e vitalizam toda nossa economia, alega-se... E o que acontece? Para cada dólar que trazem, remetem 4 de volta. Tecnologia alguma é desenvolvida no País, porque não há interesse em perder o poder de comando que vem dela. Empregos, criam sim, mas sustentados na ideia de que, para exportar, é preciso baixos custos e portanto de salários baixos. Esse modelo trouxe, sem dúvida, algum desenvolvimento. Porém, a que custo? Que poder de escolha temos em uma economia totalmente atrelada? (TÁVORA, 1985, p. 71).

Segundo Fregni, no discurso dos opositores da reserva de mercado, estaria presente a ideologia da dominação que, segundo ele, mascara a conspiração dos países ricos no sentido de manter as nações pobres na posição subalterna de produtores e fornecedores de produtos primários para as nações industrializadas. Portanto, os críticos da reserva de mercado estariam, direta ou indiretamente, servindo aos interesses daqueles que pretendiam manter o Brasil como uma “nação dependente”:
Junto com a expansão das indústrias transnacionais no País, e com o fortalecimento da indústria nacional satélite de centros avançados no exterior, algo muito mais grave se implantou. Para suportar esse processo, foi se consolidando, neste País, a ideologia da dominação. Essa ideologia, construída ao longo do tempo sedimenta em princípios econômicos e políticos, toda a argumentação que justifica e eterniza a dependência das nações pobres. Ela procura, de maneira lógica, deixar definido que as nações pobres têm que se dedicar à produção de bens primários e da agricultura; importando diretamente ou produzindo localmente, através das empresas transnacionais, os bens mais sofisticados. Com isso nós ficamos cada vez mais dependentes e cada vez com menor controle sobre o que necessitamos, sustentando assim o way of life das nações mais avançadas. Além disso, para enfrentar as reações internas a esse processo, que passariam a exigir a intervenção do Estado para corrigir a situação foi disseminada a crença do livre-mercado. (TÁVORA, 1985, p. 72).

Fregni recita um arsenal de frases anti-imperialistas, condenando as empresas multinacionais, mas, capciosamente, omite que as mesmas oferecem aos consumidores nacionais equipamentos modernos e baratos para que os mesmos possam desenvolver suas atividades profissionais e se tornarem mais produtivos.
No intuito de salvar seus interesses, Fregni se comporta como um conservador do movimento sindical, e passa a criticar duramente a tese do livre-mercado.
A ideia de mercado livre, de soberania do consumidor (como se esta existisse), passa sobre os interesses da Nação. E é somente das nações do Terceiro Mundo. Nota-se que hoje, pressionados pelas indústrias japonesas, nem os norte-americanos _ os grandes artífices da ideologia da dominação _ conseguem sustentá-la. (TÁVORA, 1985, p. 72).

Após apontar o liberalismo dos Estados Unidos como uma farsa ele nega a existência do mercado livre afirmando: “O que existe sim é o oligopólio dos grupos poderosos. A grande parcela dos que se vêem ameaçados pela reserva de mercado aprendeu muito bem a cartilha dos dominados.” (TÁVORA, 1985, p. 73). Por se tratar de um momento de definição para o desenvolvimento da informática no Brasil, Fregni, como todos aqueles que defendem interesses privados em nome do interesse público, procura chamar a atenção dos parlamentares para um suposto momento grave que o Brasil estaria passando, o que exigiria muita ponderação da parte dos legisladores. Para ele, a mera proteção tarifária não era suficiente:
Este momento é grave e de extrema responsabilidade para todos nós. O Brasil precisa dominar a informática porque cada vez mais ela será o centro nervoso de todo processo produtivo (nas fábricas e nos escritórios). E dominar a informática significa dominar sua tecnologia. O único mecanismo capaz de permitir o desenvolvimento tecnológico é a reserva de mercado à tecnologia brasileira. Não nos enganemos: medidas alfandegárias protegem as indústrias locais daquelas situadas no exterior. Protege portanto as empresas transnacionais (como é o caso das indústrias automobilísticas), que dominam todo o mercado e não desenvolvem a tecnologia nacional. (TÁVORA, 1985, p. 73).

Fregni, temeroso de que a nova lei de informática não impedisse a associação de empresas nacionais com as empresas estrangeiras, procura combater as joint ventures, classificando-as como uma moderna forma de exploração do capital estrangeiro:
Nunca é demais frisar que as joint ventures constituem a moderna forma da exploração estrangeira. Criadas pelo capital estrangeiro associado ao capital nacional, e utilizando a tecnologia estrangeira, elas constituem uma forma extremamente atraente para o interesse externo. As estatísticas demonstram que, cada vez mais, no Terceiro Mundo, as empresas transnacionais estabelecem joint ventures. (TÁVORA, 1985, p. 74).

Após recusar a adoção de joint ventures para o setor de informática, Fregni procura argumentar que a única forma de permitir a continuidade da capacitação tecnológica nacional seria a manutenção da reserva de mercado ao capital e aos produtores brasileiros.
Para que se continue o processo de capacitação tecnológica, é fundamental que se mantenha a reserva de mercado à tecnologia nacional. Isto é, o mercado só poderá ser suprido por empresas genuinamente nacionais, com produtos projetados no País. Estas deverão ser aquelas com a menor influência estrangeira possível. O que significa que serão aquelas que tenham:
_ tecnologia própria, sem acordos no exterior;
_ totalidade das ações (ou quotas) com direito a voto pertencentes, direta ou indiretamente, a pessoas residentes e domiciliadas no país;
_ participação estrangeira apenas nas ações sem direito a voto, limitadas ainda a uma pequena porcentagem (quanto maior for essa porcentagem, maior será a influência estrangeira). (TÁVORA, 1985, p. 74).

Obviamente, seria ingenuidade esperar que o Sr. Edson Fregni, representante do setor que se beneficiava diretamente da reserva de mercado, fosse ao Congresso Nacional defender a livre concorrência e a livre participação das empresas estrangeiras, como forma de beneficiar os consumidores. Como já diziam os economistas liberais, “os interesses corporativos dos produtores estão sempre em oposição aos interesses dos consumidores”.
Na condição de privilegiado, não era conveniente a Fregni uma outra posição que não fosse a de advogar a causa do protecionismo, invocando um suposto antagonismo entre o capital estrangeiro e o capital nacional, entre a empresa estrangeira e a tecnologia brasileira.
Em sua argumentação, Fregni chega ao extremo de afirmar que “tudo que as empresas estrangeiras fazem é explorar a mão-de-obra barata e nossas riquezas naturais.” (TÁVORA, 1985, p.72). Analisando esta frase podemos dizer que a mesma apresenta dois problemas políticos.
Primeiro, é a noção equivocada de troca desigual, que conduz a uma conclusão de que as empresas estrangeiras, ao invés de serem instituições de investimentos para seus acionistas, são órgãos de conspiração contra os países pobres; segundo, traz uma noção equivocada do que vem a ser riqueza: ele está tratando os recursos naturais como se fossem riquezas. Na verdade, para se transformar em riquezas, os recursos naturais necessitam de trabalho, de tecnologia e de muito investimento de capital. É como demonstrou Roberto Campos ao interpelá-lo na Comissão:
Se riquezas naturais garantissem o desenvolvimento de um País, o Brasil seria mais rico do que o Japão e obviamente muito mais rico que a Suíça. E a Indonésia de muito superaria qualquer país da Europa Ocidental. O que caracteriza o desenvolvimento é precisamente esse paradoxo, a gente se desenvolve não por que tenha recursos naturais e sim porque tenha riquezas e essa riqueza principal é o fator humano que transforma a escassez e a miséria em riqueza operacional. (TÁVORA, 1985, p. 81).

Além de uma concepção equivocada sobre o conceito de riqueza, Fregni dá uma demonstração de preconceito e “ignorância” quanto às contribuições do capital e da empresa estrangeira ao desenvolvimento e à prosperidade da indústria brasileira. Da forma como ele trata as multinacionais, conclui-se que a indústria automobilística é nociva ao país, explorando a mão-de-obra e impedindo o florescimento do produto nacional, quando em realidade, são estas indústrias quem detém a força de trabalho mais cara do país. São elas as responsáveis pela geração de milhares de empregos diretos e indiretos, um amplo campo de trabalho para os técnicos brasileiros e, ainda, dão condições para o estabelecimento de todo um parque fabril fornecedor de peças e equipamento para a linha de montagem. Recorde-se que foi exatamente a indústria automobilística quem primeiro descumpriu o Decreto 2.065 que instituiu o arrocho salarial como política de contenção da inflação.
O mais grave de tudo é que a ABICOMP não se dava por satisfeita com mais oito anos de reserva de mercado, como estava previsto no projeto do governo. Fregni menciona em sua exposição que a reserva temporária não seria suficiente, deixando claro que seu objetivo seria o estabelecimento de uma proteção permanente, dando a impressão de que a indústria brasileira estava condenada à infantilidade:
Ele queria proteção permanente; aparentemente, ele admite que a indústria brasileira esteja condenada à infantilidade tecnológica. A proteção é uma teoria econômica desenvolvida para apoio a indústrias nascentes, mas o Dr. Fregni quer uma proteção permanente, o que significa que ele não acredita na possibilidade de maturação tecnológica de nossa indústria. (TÁVORA, 1985, p. 84).

A reivindicação de Fregni por uma proteção permanente estava em contradição com os números exibidos por ele no início de seu discurso, quando afirmou que a indústria nacional de informática já produzia equipamentos com preços muito próximos daqueles praticados no mercado internacional. Ora, se ele acreditasse na informação de que a indústria brasileira produzia com elevação máxima de 200% sobre os preços praticados nos Estados Unidos, não seria necessária sequer a reserva de mercado através da proibição das importações. Bastaria a aprovação do projeto do senador Roberto Campos, que previa uma alíquota de importação de 205%. Somando-se esta alíquota a outros benefícios como isenções tributárias, crédito subsidiado, etc., o projeto do senador Campos contemplava uma proteção que chegaria quase a 300%.
A postura de Edson Fregni, e de sua entidade, já era uma concepção preconceituosa e atrasada sobre a marcha internacional do desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da industrialização. É, por exemplo, o que concluiu o senador Roberto Campos ao encerrar suas interpelações:
Não gostaria mais de repisar a tese da ideologia da dominação. Dr. Fregni vem mencionando isto várias vezes. É algo que já se tornou obsoleto. Foi uma espécie de moda latino-americana no começo da década de 60, a tese endossada por muitos marxistas. Hoje já há uma reconsideração de todo este problema, porque, se de um lado, alguns países subdesenvolvidos ainda ficam imbuídos da ideia de que se são periféricos estão sujeitos a uma ideologia de dominação, o que está sucedendo nos países industriais _ motores e matrizes _ é precisamente o contrário, medo da desindustrialização. Hoje o vocábulo mais comum no vocabulário econômico inglês, americano e sueco, é o medo da desindustrialização, de serem varridos de certos setores industriais pela concorrência que vem dos países asiáticos, inclusive da América latina, do próprio Brasil, que já se tornou um competidor agressivo, fazendo com que esses países, com medo da desindustrialização, com medo, portanto, da dominação por parte da periferia, se acastelem através de indecentes barreiras aduaneiras. (TÁVORA, 1985, p.85).

Para acentuar ainda mais o fervor nacionalista da discussão, na Comissão Mista do Congresso Nacional, surge pelas mãos da deputada Cristina Tavares _ de muito fervor ideológico e de pouca familiaridade com as Ciências Econômicas _ uma moção da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, que expressava de forma bastante clara como a questão da informática estava sendo encarada. Nesta “pérola” dos políticos paulistas, podemos perceber que, ao invés da tecnologia da informática ser tratada como uma questão técnica e objetiva, havia se transformado numa questão de política nacional de desenvolvimento que se opunha às “maquiavélicas” pretensões do imperialismo.
MOÇÃO N. 576, DE 1983
A tecnologia, na atualidade, se constitui num verdadeiro instrumento de pressão política e econômica, através da qual as nações industrializadas submetem os países subdesenvolvidos à condição de meros dependentes e importadores de produtos manufaturados, enquanto, estes acumulam constantes déficits nas suas respectivas balanças comerciais decorrentes dos desiguais intercâmbios, em função da exploração de suas matérias-primas e mão-de-obra barata.
Nesse contexto, existe uma política deliberada pelas nações industrializadas em caracterizar a tecnologia, não como um bem cultural mas, simplesmente, como uma mercadoria de interesse econômico, objeto de transações comerciais entre os povos. (TÁVORA, 1985, p. 118).

Além do apego ao nacionalismo, que já estava presente nos depoimentos da Comissão Mista do Congresso Nacional, a Moção da Assembleia paulista estava contagiada, também, por uma certa concepção religiosa, atribuindo à tecnologia um caráter sacro, como se tratasse de algo que estivesse _ ou que deveria estar _ fora da “mesquinhez” do comércio.
Mas, a tecnologia, por ser resultante de árduos trabalhos de pesquisa e habilidade, é algo que deve estar fora do comércio, como um valor subjetivo que não se compra, não se empresta, nem se transfere, mas se desenvolve e se aprimora no exercício e na prática.
Dentre os vários campos de desenvolvimento tecnológico, destaca-se o da informática, sem dúvida um dos mais eficazes e importantes criados pelo conhecimento humano nas últimas décadas, responsável por uma autêntica revolução progressista em todos os setores da sociedade. (TÁVORA, 1985, p. 118).

Depois desta “inovação” do conceito de tecnologia, os nobres deputados paulistas concluem a Moção com uma intransigente manifestação de defesa da reserva de mercado para a indústria nacional de informática.
Impõe-se, portanto, até como razões de interesses patrióticos, a continuidade da Política Nacional de Informática, que tem o seu esteio no princípio da “reserva de mercado”, estratégia que possibilitou os excelentes resultados conseguidos pela indústria nacional até agora, a qual deverá ser indubitavelmente mantida para a plena segurança da produção de sistemas de informática, necessários ao desenvolvimento do país e aprimoramento da sua tecnologia. (TÁVORA, 1985, p. 118).

Mais significativo do que a Moção em si, é o fato da mesma ter sido aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo por unanimidade, contando com o apoio de todos os Partidos com assento naquela Casa, inclusive do Partido Democrático Social, o PDS.




4.3. OS INTELECTUAIS CONTRA O MERCADO: OS DEPOIMENTOS DE CLODORALDO PAVAN E ROGÉRIO CERQUEIRA LEITE.
Não pensem que o ardor nacionalista era privilégio apenas dos políticos paulistas, dos fabricantes de computadores ou dos dirigentes da SUCESU. Havia uma verdadeira cruzada em favor da indústria nacional de informática, que contava com a participação de homens que, pelo fato de pertencerem à comunidade acadêmica, teriam o dever de pensar na ciência da computação como um meio para multiplicar a difusão das comunicações, facilitando os processos de educação: é o caso dos acadêmicos Clodoraldo Pavan e Rogério Cerqueira Leite.
Retomando o depoimento do acadêmico Clodoraldo Pavan, Presidente da Sociedade Brasileira para O Progresso da Ciência _ SBPC, podemos constatar que os cientistas das universidades brasileiras também pretendiam transformar a legislação da informática numa luta anti-imperialista, na qual as forças nacionais (representando o bem) deveriam se unir para derrotar as forças do mal, personificadas na tecnologia e no capital multinacional.
O presidente da SBPC inicia sua exposição partindo do princípio de que existe um maquiavélico complô internacional que objetiva a extorsão dos desprotegidos países subdesenvolvidos:
Como país subdesenvolvido, o Brasil está em situação particularmente delicada, enfrentando graves problemas decorrentes de duas ordens de fatores que se complementam. Em primeiro lugar, pela ganância dos banqueiros internacionais, apoiados pelos governos dos países desenvolvidos. Em segundo lugar, pela má gestão dos recursos aqui gerados e aqueles obtidos de empréstimos pelos últimos governos.
Os países desenvolvidos criaram novos modos de explorar os países subdesenvolvidos, e hoje o Terceiro Mundo está submetido a um verdadeiro neocolonialismo, extremamente nocivo, e que se manifesta nos planos econômico, político, social e ideológico. (TÁVORA, 1985, p. 120).

É, de fato, um sinal preocupante quando o Presidente da SBPC, representando a comunidade científica, vai ao Congresso Nacional fazer uma exposição sobre a forma como seus pares concebem o desenvolvimento tecnológico, e inicia seu discurso explicitando desconhecimento em questões básicas da história recente. Pavan concebe que o Brasil vive uma situação dramática decorrente da “ganância dos banqueiros internacionais” e da “má gestão dos recursos aqui gerados”.
A explosão dos juros internacionais, denominada por Pavan como ganância dos banqueiros do Primeiro Mundo, na verdade, ocorreu em função das crises do petróleo de 1973 e 1978, provocadas pelos países produtores e pertencentes ao Terceiro Mundo. No Brasil, o impacto da crise foi maior, mais em função de nossos desajustes internos, do que propriamente em função da crise internacional, conforme rebateu o senador Roberto Campos:
...nós não nos adaptamos com austeridade suficiente ao choque petrolífero. Tanto assim que vários países do Terceiro Mundo não atingiram um nível de endividamento que o Brasil alcançou, a despeito da ganância dos banqueiros internacionais. (...) Ninguém nos obrigou a tomar empréstimos. Não houve expedições, nem militares, nem ministeriais, nem civis, que nos forçassem a tomar empréstimos. Nós tomamos empréstimos, porque fomos colhidos por um golpe externo, oriundo não dos países do Primeiro Mundo e sim dos países do Terceiro Mundo, a saber, o golpe do petróleo, e não adotamos processo de ajustamentos suficientemente rigorosos para a crise. Instaurada a segunda crise, novamente não nos ajustamos com a seriedade e autoridade que seriam necessárias. (TÁVORA, 1985, p. 137).

Sem considerar os fatos históricos que levaram o Brasil a uma situação econômica desconfortável e lamentando a inflexibilidade dos países ricos, Pavan insiste na alternativa do desenvolvimento tecnológico autônomo, como meio de superação do subdesenvolvimento nacional:
Temos de pensar um modelo de desenvolvimento baseado fundamentalmente na poupança interna e na inteligência brasileira, um modelo capaz de assegurar a retomada do desenvolvimento econômico e trazer para o País o centro de decisão sobre sua economia (TÁVORA, 1985, p.121).

Acreditando que a informática é um setor chave, Pavan coloca a reserva de mercado para o setor como condição para viabilizar um projeto de desenvolvimento tecnológico nacional:
A única possibilidade efetiva de desenvolvimento tecnológico nacional é através da reserva de mercado não somente para o capital nacional, mas principalmente para a tecnologia gerada pelas empresas e pelas universidades brasileiras. (TÁVORA, 1985, p. 121).

... a tecnologia de informática deve ser considerada estratégica e o debate sobre a ‘Política Nacional de Informática deve levar em conta suas implicações para a soberania nacional. (TÁVORA, 1985, p.122).

Com essa apaixonada defesa da proteção para o setor de informática, Pavan passa a criticar aqueles que defendem a importação de tecnologia dos países desenvolvidos, afirmando que a argumentação do gap tecnológico era falaciosa e condenaria os países pobres a uma eterna dependência.
Aqueles que defendem um modelo de desenvolvimento dependente dos países desenvolvidos confundem propositadamente ciência, de um lado e tecnologia, de outro, para levantar o argumento falacioso de gap tecnológico. Por esse raciocínio, a distância entre os países desenvolvidos e o Terceiro Mundo no campo da ciência e tecnologia tenderia a aumentar vertiginosamente em função dos maciços investimentos que os países industrializados do Norte realizam em pesquisa e desenvolvimento, não nos restando nada a não ser abrir mão de qualquer pretensão de desenvolvimento próprio, resignando-nos ao papel de consumidores da tecnologia gerada por outros povos. (TÁVORA, 1985, p122).

As pessoas que se posicionavam a favor de uma política de informática menos fechada eram taxadas, por Pavan, como defensoras da subserviência da Nação aos interesses transnacionais.
Ao contrário do que proclamam os ideólogos da perenidade do pacto neocolonial, estimulados pela malícia dos interesses estrangeiros, a tecnologia não tem outra fonte que não a peculiaridade do espaço geográfico e tempo histórico, para cuja compreensão é indispensável a preparação de talentos locais. Estes devem ser capazes de criar soluções inéditas para problemas originais. (TÁVORA, 1985, p.123).

Um pouco mais adiante, o presidente da SBPC completa seu raciocínio, defendendo a contratação de cientistas estrangeiros e o envio de estudantes para cursar pós-graduação no exterior, como formas do Brasil absorver o conhecimento científico acumulado pela humanidade.
Para formar os brasileiros, que serão sempre os únicos e reais depositários de tecnologia, podemos e devemos nos apropriar do avanço científico e tecnológico mundial. Mas para isso não precisamos de empresas multinacionais operando no País. Temos que trazer cérebros do estrangeiro para formar pessoal qualificado, bem como enviar técnicos e cientistas para o estrangeiro, para realizarem cursos de pós-graduação e desenvolverem pesquisas em laboratórios. (TÁVORA, 1985, p.125).

Como parece ser próprio dos pesquisadores idealistas, mesmo com toda a adversidade brasileira, Pavan acredita ser possível desenvolver no Brasil um polo avançado da tecnologia de informática para o segmento dos pequenos computadores.
No mercado de Informática, como na biotecnologia, nenhuma empresa tem tradição. É uma novidade grande. As novidades estão surgindo tão frequentemente que qualquer grupo, por pequeno que seja, pode entrar no mercado e realmente demonstrar algumas novidades que os outros não conseguem fazer. Quer dizer, o mercado está aberto a tantas possibilidades, que no caso da Informática o Brasil pode entrar no mercado, porque nós temos uma infraestrutura de pessoal que já demonstrou ser capaz, e, não tenho dúvidas nenhuma, que se nos derem recursos, defendendo o pequeno e permitindo que nós desenvolvamos o pequeno, que são os micros e minicomputadores, nós chegaremos à tecnologia mais avançada nessa área. (TÁVORA, 1985, p. 127).

Fechando sua exposição, o presidente da SBPC assinala a necessidade imperativa da elaboração de uma rígida lei de proteção à indústria nacional de informática, sentenciando que a soberania nacional não pode prescindir do desenvolvimento de tecnologia gerada no país.
Agora, se nós, abrindo o mercado, cairmos na dependência dos desenvolvidos ainda mais, aí nós não sairemos dela. Não tenho a menor dúvida de que, hoje, país nenhum do mundo que queira ser soberano, que queira desenvolver-se possa prescindir de ciência e tecnologia desenvolvida no país em que está sendo discutido o assunto. (TÁVORA, 1985, p. 128).

Podemos destacar que, apesar do otimismo em relação ao potencial tecnológico do Brasil na área de informática, o professor Pavan não vai além do entusiasmo. Não apresentou nenhuma informação nova que pudesse sustentar sua euforia com relação à capacidade brasileira de desenvolver a indústria da computação. Sua exposição consistiu muito mais numa luta política anti-imperialista do que em divulgação dos resultados das pesquisas brasileiras. Os dados mais animadores haviam sido apresentados por Fregni, mas, como já discutimos anteriormente, não eram suficientes para garantir a emancipação da tecnologia brasileira para o setor.
Diante do discurso proferido por Clodoraldo Pavan, ficaram duas grandes contradições. Primeiro, é espantoso como o presidente da SBPC pode acreditar que um país que não possui notoriedade científica e com inexpressivo investimento em pesquisas _ estava investindo menos de 1% do montante global destinado à pesquisa em informática _ poderia se achar na condição de buscar o isolamento tecnológico para se tornar independente, justamente numa ciência tão dinâmica como esta. É o que observava o senador Roberto Campos, em suas interpelações.
A pesquisa tecnológica não nasce no abstrato, por decreto, simplesmente porque criou um centro tecnológico de informática em Campinas. A pesquisa nasce de uma combinação de estoque de cérebros científicos e tecnologicamente treinados e mercado. É dessa combinação que sai a pesquisa tecnológica. (TÁVORA, 1985, p. 140).

Pouparemos esse esforço de pesquisa e desenvolvimento na área de informática com o esforço mundial. O esforço mundial é da ordem de 12,3 bilhões de dólares: nos Estados Unidos 7,3 bilhões de dólares, no Japão 3,6 bilhões de dólares e o resto, na Europa.
É preciso, realmente, um otimismo desvairado, para acreditar que, com menos de meio por cento da pesquisa mundial, nós consigamos nos isolar tecnologicamente, desenvolvermos uma tecnologia própria em confronto com 99% dos investimentos mundiais em pesquisa. O Dr. Pavan é um cientista trinado, ele certamente não entreterá esperanças líricas, porque isso já seria uma excursão no reino da utopia. (TÁVORA, 1985, p. 142).

Segundo, se a produção de pequenos computadores fosse tão simples, como argumentava Clodoraldo Pavan, não seria necessária uma lei tão restritiva como a que ele estava defendendo. Sua preocupação é descabida, bastando apenas uma modesta e transitória proteção aduaneira para permitir o florescimento da indústria brasileira de computadores.
Talvez pelo fato de estarem muito ocupados com suas próprias pesquisas e com o cotidiano da vida universitária, os cientistas não tenham tempo suficiente para se informar sobre o desenvolvimento tecnológico internacional. É a impressão que temos ao analisarmos os depoimentos dos acadêmicos na Comissão do Congresso Nacional. Depois da palestra de Clodoraldo Pavan, foi a vez do conceituado pesquisador da Unicamp, Rogério Cerqueira Leite dar seu depoimento. Este inicia sua exposição alertando para a inconveniência de se aprovar um protecionismo baseado apenas na restrição alfandegária.
Eu simplesmente estou convencido, e vou tentar expor aqui, porque caso fosse adotada uma reserva de mercado como proposta, por um certo setor da sociedade brasileira, baseada, unicamente, em restrição alfandegária, de que, fossem 6 meses, 1 ano, 2, 3 anos, de uma maneira inevitável, estaria o mercado brasileiro do setor inteiramente ocupado por firmas multinacionais. Por acreditar, como muitos dos Senhores, que o setor de informática é especial, não é a mesma coisa que o de eletrodoméstico, por achar que a importância sócio econômica dessa área vai crescer e se tornar dominante no País, eu acho que nós temos que fazer uma reflexão sobre a lógica interna da atividade transnacional, das corporações transnacionais. Nós não nos podemos esquivar a uma reflexão sobre a natureza própria da multinacional. (TÁVORA, 1985, p. 208).

Cerqueira Leite, não fugindo à regra, também parte do princípio de contradição entre desenvolvimento nacional e a presença das empresas e da tecnologia transnacional. Para ele, a atuação das empresas transnacionais sempre esteve em dissonância com os interesses das nações que as recebem: seriam elas _ as empresas estrangeiras _ uma espécie de força do mal que conspirava contra a prosperidade e a felicidade dos povos subdesenvolvidos do Terceiro Mundo.
As coisas têm natureza própria, os organismos vivos têm a sua própria lógica interna. E eu acredito que as instituições também têm, e o capital transnacional tem a sua lógica interna.(...).
É óbvio que teríamos que fazer perguntas a respeito da atividade transnacional, antes de tomar uma decisão extremamente importante como essa. Em primeiro lugar, vale indagar se uma atividade transnacional, digamos, se inclina para uma justiça distributiva, se vai atuar na direção da redução das assimetrias existentes entre países ricos e pobres. Será que um país do Terceiro Mundo pode-se dar ao luxo de recusar o atual apoio que tem hoje, de uma estrutura baseada em uma forma, em uma organicidade de nações-estados, será que a atividade transnacional não entra em conflito com a nação-estado? (TÁVORA, 1985, p.208).

Depois de denunciar as multinacionais como inimigas da prosperidade nacional, Cerqueira Leite procura reforçar a tese da rigorosa reserva de mercado, argumentando que a mera proteção alfandegária já havia sido utilizado em outros setores e havia se mostrado ineficaz, resultando em grandes prejuízos para a Nação brasileira.
No passado nós nos dispusemos, o País, e eu já tenho uma longa história de crítica a essa decisão, a fazer uma reserva de mercado baseada unicamente em disposições alfandegárias. Isso fez com que áreas inteiras de nossa economia, de nossa atividade industrial passassem para o controle de multinacionais. É o caso de eletrodomésticos; é o caso da indústria automobilística etc.
Pergunto-me, Srs., se nós temos o direito, agora, de fazer a mesma coisa com a informática, (...) Será que nós vamos deixar que essas repercussões profundas, de natureza sócio econômica, fiquem na mão do capital transnacional, sobre o qual não temos nenhum controle, sobre o qual a sociedade não tem controle nenhum, ou muito pouco, ou será que nós devemos ter um pouco de cautela? (TÁVORA, 1985, p.209).

Com uma postura bastante semelhante à do Dr. Pavan, Cerqueira Leite também retoma o combate contra o argumento da defasagem tecnológica que seria provocada pela reserva de mercado, salientando que esta é a estratégica ideológica das multinacionais para permanecerem atuando no mercado brasileiro e contrariando os interesses nacionais.
A uma multinacional, para justificar a sua presença, usa, também, como argumento a defasagem tecnológica, como está sendo usado aqui. Neste debate, justamente, o grande ponto de discussão é a pretensão de que o Brasil vai-se defasar, tecnologicamente, se não entregar tudo para as multinacionais. É essa a pretensão. Isso fica sendo a razão de sobrevivência. Nós estamos caindo dentro de uma armadilha permanente, da qual nunca mais se sai. (TÁVORA, 1985, p. 212).

Neste sentido, Leite aponta para uma alternativa nacional que possa viabilizar o desenvolvimento sem o atrelamento ao capital estrangeiro, mesmo que isto implique em alguns sacrifícios transitórios.
Então, o que o Brasil precisa é, obviamente, associar uma séria reserva de mercado, com uma grande atividade de pesquisa. Isso é possível; não é impossível. É claro, nós não precisamos criar IBMs no Brasil, nem nós precisamos do último modelo de computador, esse é um erro, esse é um mito que é enfiado na nossa cabeça para que criemos essa dependência.
Está todo mundo satisfeito com as geladeiras que têm e se vocês olharem a geladeira que nós temos vemos que são inferiores, apesar de serem feitas pelas joint ventures. Apesar de serem feitas por multinacionais no Brasil, são inferiores, tecnologicamente, àquelas que foram construídas nos Estados Unidos há 30 anos. Nós estamos aceitando, e eu não estou nem um pouquinho infeliz de ter uma geladeira desse tipo. (TÁVORA, 1985, p.213).

O intelectual Cerqueira Leite, a exemplo do Dr. Clodoraldo Pavan, entusiasmado com a luta anti-imperialista, não se dá conta de que ter empresas multinacionais não é um privilégio dos países do Primeiro Mundo. Esquece o acadêmico que muitos países classificados como de Terceiro Mundo também possuem transnacionais que operam inclusive nas economias mais desenvolvidas. Índia, Brasil, Argentina, Coréia do Sul e Taiwan, são nações que possuem empresas operando em diversas partes do mundo.









3.4.4. OS DOIS EXTREMOS DO EMPRESARIADO BRASILEIRO: A OPINIÃO DE EULÁLIO VIDIGAL E JORGE GERDAU.
A Comissão do Congresso Nacional contou também com os depoimentos de dois importantes nomes do empresariado brasileiro: o Sr. Luís Eulálio Bueno Vidigal, presidente da poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, e o Sr. Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do Grupo Gerdau, que em suas alocuções externaram as divergências existentes no seio da elite da indústria nacional.
De um lado ficavam os empresários cartorialistas _ representados por Vidigal _ que, apesar de discordarem, em alguns aspectos, da proposta do Governo Federal, na essência apoiavam a reserva de mercado para os produtos nacionais e, de outro lado, os empresários mais competitivos ligados ao setor de exportações _ representado pelo Sr. Gerdau _ opondo-se radicalmente ao projeto oficial. Nesta discussão, a postura da Fiesp é no sentido de fazer algumas correções para atender aos interesses dos empresários, mas não questiona a essência do projeto oficial.
Vidigal inicia sua exposição chamando atenção para o excessivo controle da política nacional de informática por parte do Estado, como previa a proposta do Governo.
Aliás, não é apenas uma presença demasiada do Poder Executivo na formulação da política o que mais me preocupa.
Na verdade, é alarmante sobretudo a sua demasiada e praticamente ilimitada abrangência.
Numa trilha de exagerado intervencionismo estatal, o projeto induz a fazer depender da autorização e controle de órgãos do Executivo praticamente tudo o que venha a ser compreendido na expressão “atividades de informática”, quem sabe até mesmo a simples produção e comercialização realizadas por empresas nacionais que não dependam de importação. (TÁVORA, 1985, p. 244).

Sua preocupação residia principalmente nos demasiados poderes conferidos à Secretaria Especial de Informática, a SEI, e à Comissão Nacional de Informática, que tomariam importantes decisões para o setor tendo como parâmetro as regras que elas mesmas imporiam.
Aliás, se o projeto não me parece o ideal, tampouco é desejável a continuidade da situação atual, que já perdurara há alguns anos, pois não é possível conceber que um assunto de tal magnitude permaneça sob a tutela e a orientação de um órgão cujo modo de atuação não está, na verdade, sujeito a outras regras além daquelas que ele próprio se impõe, a critérios nebulosos para cuja formulação os legitimamente interessados no assunto não tiveram o acesso desejável.
Mas, penso que a aprovação do projeto tal como está apenas ensejaria a perpetuação deste estado de coisas, não obstante os altos propósitos e as melhores intenções de que possam estar imbuídos os integrantes circunstanciais do órgão em questão e de que certamente estão os mentores da proposição legislativa em foco. (TÁVORA, 1985, 246).

Não se pode mais confundir o desejável uso do poder regulador e disciplinador do Estado, necessário em qualquer país de economia moderna, com o intervencionismo estatal que, a pretexto de agir em setores onde a iniciativa privada não tem plena capacidade de atuar, acaba por inviabilizá-la e substituí-la como tem acontecido ultimamente. (TÁVORA, 1985, p. 247).

A preocupação de Vidigal não reside na continuidade das restrições aos produtos estrangeiros impostas pelo projeto, mas no demasiado poder de decisão que ficaria nas mãos de um órgão estatal encarregado de dirigir a política nacional de informática. Sabia ele que a dependência da burocracia poderia significar o emperramento das atividades empresariais.
Apesar de tímidas, as críticas de Vidigal acabaram despertando a indignação do senador Severo Gomes. Temeroso de que a discussão pudesse se encaminhar no sentido contrário à reserva de mercado à indústria nacional de informática, Severo Gomes interpela o depoente retomando ações do passado para reforçar a justificativa da intervenção do Estado em prol da reserva de mercado para a indústria nacional de informática.
Eu gostaria apenas de lembrar que, no passado, toda a industrialização brasileira, depois da II Guerra, foi construída com reserva de mercado. E com reserva de mercado dentro de um enorme arbítrio e num escalão administrativo. A reserva de mercado presidiu, vamos dizer, esse processo de industrialização. Quando o nosso Conselho de Desenvolvimento Industrial aprovava um determinado projeto, ele, na verdade, estava concedendo incentivo de tal natureza que impedia que outras empresas que não tivessem aprovação pelo Conselho viessem a operar no mesmo sentido. E mesmo a indústria foi sempre muito ciosa de se defender com relação à aprovação de projetos que viessem por em risco, com uma concorrência mais acirrada, as que já preexistiam. (TÁVORA, 1985, p. 249).

Com muita naturalidade, o senador Severo Gomes conclui sua colocação afirmando ser absolutamente correto que as decisões sobre as concessões dos benefícios do Estado às empresas fiquem a cargo de Secretarias Administrativas do Governo Federal.
O Sr. mesmo é testemunha disso, do tempo em que eu estava no Ministério da Indústria e do Comércio, e o Senhor era Presidente do SINDIPEÇAS, naquele tempo, da luta contra a aprovação do projeto para a fabricação dos carburadores WEBER. Quer dizer, existia uma reserva de mercado e que se defendia para que outros não viessem entrar. A decisão era num nível administrativo, como sempre foi. A reserva de mercado estabelecida, por exemplo, no modo com que o BNDE estimulava determinadas atividades. Quer dizer, se ele financia um determinado empreendimento, com encargos de 20% de correção monetária, se ele não concede a mesma coisa para outra empresa, esta não poderá entrar no mercado. Quer dizer, os diferentes escalões administrativos administraram a reserva de mercado que presidiu o desenvolvimento industrial, depois da II Guerra. (TÁVORA, 1985, p.249)

Preocupado em esclarecer a situação, Vidigal procura deixar claro que os empresários da Fiesp estavam de acordo com a reserva de mercado para a indústria nacional de informática, mas entendiam que a mesma deveria ter como alvo produto e não capital.
Então, na verdade, existe uma diferença muito grande entre a reserva de mercado que, concordo com V. Exa., sempre defendemos e continuamos defendendo. Quer dizer, até aqui, há uma posição bem clara da Federação. A reserva de mercado é um ponto que para nós é importante e necessário. Quanto aos critérios, é que há uma pequena divergência, porque entendemos, primeiro, que o produto deveria ser o principal alvo, e não o capital. Mas isso, acho que também ficou bastante claro nas proposições que apresentamos. (TÁVORA, 1985, p.250).

Na verdade, com relação à reserva de mercado não há restrições a ninguém, do ponto de vista industrial e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Ao que nós fazemos sérias restrições, seríssimas, e exatamente porque não atinge um pequeno segmento, é a abrangência que o projeto do Poder Executivo tem ao estabelecer uma reserva de mercado e uma intervenção total em todos os setores produtivos do Brasil. Essa é que é a diferença. Não somos contra a reserva de mercado a um pequeno segmento, à indústria nacional, de maneira nenhuma. A nossa restrição é quanto à abrangência do projeto, que atinge a todos os setores produtivos do País. (TÁVORA, 1985, p.251).

Havia, portanto, uma divergência entre a opinião do senador Severo Gomes e posição defendida pela FIESP. A preocupação da corporação paulista residia principalmente na amplitude daquilo que o termo informática abrangia. Já no que diz respeito à presença do capital estrangeiro, como aparece no inciso Primeiro do Art. 16 de seu Projeto, a entidade empresarial se mostrava bastante conservadora.
Para os efeitos desta lei, empresas nacionais são as entidades privadas, organizadas de conformidade com a lei brasileira, sob efetivo controle nacional, que aqui tenham sede da administração e cujo centro de absorção e geração de tecnologia se situe no País.
“§ 1. O efetivo controle nacional será caracterizado pela autonomia da empresa em relação às suas fontes externas de tecnologia e pela detenção, direta, de, no mínimo, dois terços do capital, com direito efetivo de voto, e da maioria do capital social, por pessoas físicas residentes e domiciliadas no País. (TÁVORA, 1985, p.253).

O depoimento tranquilo do Sr. Eulálio Vidigal muda de ritmo, tornando mais acalorado, quando o senador Roberto Campos o interpela a respeito da natureza da reserva de mercado que está sendo defendida pela Fiesp.
Pode haver reserva de mercado ao nível do País, pode haver reserva de mercado ao nível da empresa, e pode haver reserva de mercado contra investimentos e poupança.
O Dr. Luiz Eulálio, ao apoiar o conceito de reserva de mercado, assim genericamente, a que se refere? Se for a reserva de mercado, a um nível de país, acredito que todos estamos de acordo. Não há quem não queira proteger a indústria nacional. Os instrumentos são vários. Pode ser licença de importação, que é um instrumento grosseiro, podem ser as tarifas aduaneiras, que são um instrumento convencional, universalmente aceito, podem ser as restrições à liberdade de compras do Governo, visando a seu encaminhamento a empresas que produzam no país. Esse é o sentido do by american, e o by japanese acts, segundo os quais, as encomendas dos setores oficiais são dirigidas, preferencialmente, para as indústrias que produzam no país, não se cogita da nacionalidade dos acionistas, desde que as indústrias estejam localizadas e produzam no país. Repito, se a interpretação a ser dada à expressão reserva de mercado é ao nível de país, eu estaria plenamente de acordo. Essa a interpretação que dá à expressão reserva de mercado o Dr. Luiz Eulálio e a Federação das Indústrias de São Paulo? (TÁVORA, 1985, p. 255).

Vidigal reponde à indagação do senador Roberto Campos destacando que a proposta da Fiesp consiste na defesa da reserva de mercado na modalidade de empresa. Após a confirmação da natureza da reserva de mercado pleiteada Roberto Campos passa, então, para o ataque enfatizando a inconstitucionalidade e as consequências danosas que o projeto acarretava ao desenvolvimento industrial brasileiro.
...se a reserva de mercado é ao nível de empresa, vários problemas surgem. Um desses problemas é constitucional, que não vem ao caso discutir-se aqui e agora - é a infringência do art. 153, §28, das Constituição, que garante a liberdade de associação para fins lícitos e determina que a associação não pode ser dissolvida senão por sentença judicial, nem sequer por lei. O Projeto do Governo viola o princípio de liberdade de associação, consignado no art. 153, § 28, da Constituição Federal.
Há, entretanto, outros problemas de natureza prática. Ao apoiar a reserva de mercado “ao nível de empresa”, a Federação das Indústrias estaria conferindo à autoridade governamental o poder de intervir no domínio econômico, designando certas empresas produtoras. Seriam nomeações cartoriais de determinadas empresas. O reverso da medalha é que as empresas não escolhidas ficariam cassadas em seu direito de produzir. Concorda a Federação das Indústrias que, em certas empresas, sejam cassados seus direitos de produzir? (TÁVORA, 1985, p.255).

Eulálio Vidigal fica numa desconfortável posição defensiva, e procura contornar a questão da inconstitucionalidade denunciada por Roberto Campos sugerindo que, ao invés do projeto se adequar à Constituição, fosse elaborado uma emenda que adequasse a Constituição ao projeto do Governo:
...eu acho que seria até o caso de, eventualmente, ser estudada a hipótese de uma emenda constitucional, para que o País se adapte às necessidades do desenvolvimento e do progresso que a indústria, como um todo, no mundo inteiro, teve nos últimos anos. (TÁVORA, 1985, p. 257).

O mais interessante é a forma destemida com que a Fiesp abraça a defesa de um tratamento diferenciado que deveria ser dado para a questão da informática. Vidigal mostra-se, inclusive, contraditório com aquilo que havia exposto anteriormente.
Mas, evidentemente, a Federação das Indústrias jamais, em momento algum, foi contra a entrada de capital estrangeiro, seja na forma de joint venture, seja na forma integral, ou seja, que uma empresa estrangeira venha a operar no Brasil. Entendemos e defendemos que, em determinadas áreas, entre elas, a da Informática, há necessidade, por uma questão de proteção da própria soberania nacional, do capital nacional, para que haja um controle efetivo. Caso contrário, nós poderíamos ir para uma posição cínica, de muitos países, de deixar entrar o capital estrangeiro, e pura e simplesmente, nacionalizar mediante uma penada, o que seria até simpático do ponto de vista popular. (TÁVORA, 1985, p.257).

Na busca de argumentos mais sólidos que pudessem dar maior sustentação à sua tese de reserva de mercado para empresas selecionadas, Eulálio Vidigal recorre aos episódios que marcaram a instalação de fábricas de tratores no país. Ao fazer isto dá um bom exemplo de sua postura antiliberal, fazendo duras críticas à seleção natural realizada pelas mãos invisíveis do mercado. Aquilo que parecia ser óbvio para um empresário acostumado com o processo competitivo do mercado, para o cartorialista presidente da Fiesp consistia num mal à economia nacional.
Nós recomendamos ao Governo que fizesse a aprovação daquele programa com duas fábricas; foram, no entanto, aprovadas três, e, imediatamente após, o Governo abriu o mercado para mais três. Das 6 fábricas aprovadas, somente duas estão em funcionamento hoje no Brasil, o que mostra que quando o bom senso deixa de ter a sua prioridade, prevalecendo o fator meramente político, a decisão pode ser um desastre em termos econômicos. (TÁVORA, 1985, p. 259).

Podemos dizer que Eulálio Vidigal confirma a tese smithiana de que “todo empresário é um crítico do monopólio alheio”, passando a assumir uma postura hostil ao livre jogo das forças do mercado. Neste momento ocorre uma nova interpelação do senador Roberto Campos, que passa a apontar as contradições da concepção intervencionista da Fiesp.
...é óbvio que o mercado, em muitos casos, só comporta um determinado número de empresas. Evidentemente esse número de empresas depende um pouco de preço. Se o preço for baixo, caberão mais empresas, se o preço for alto caberão poucas empresas. Mas, o problema é quem vai selecionar estas empresas. Este é um problema de natureza filosófica. Quem vai selecionar estas empresas? A meu ver, é o mercado que as deve selecionar. Não cabe ao Governo selecioná-las. As empresas que quiserem lançar-se nesta produção que o façam, desde que não peçam favores ao Governo, sem incentivos governamentais. Devem ter liberdade para tentar o mercado. O mercado e não a autoridade decidirá, quem deve ou não produzir. Não será o burocrata em Brasília que terá uma superior iluminação e um superior grau de informação, maior do que aquela do mercado, para decidir quem deve ou não deve produzir. (TÁVORA, 1985, p.259).

Depois das críticas formuladas por Roberto Campos, Eulálio Vidigal procura melhorar seus argumentos colocando um pouco mais de sofisticação em sua concepção Cartorialista e Nacionalista. Para o presidente da FIESP, as leis de mercado não são um mal em si, mas sua eficácia depende do nível de desenvolvimento alcançado pela Nação que as adote. Entende que elas beneficiam apenas as nações mais desenvolvidas, constituindo-se em medidas inadequadas para os países atrasados.
A teoria de V. Exa. vale, e eu aceito, para um país altamente desenvolvido. Mas para um país em desenvolvimento, se nós deixamos, pura e simplesmente, ao mercado a decisão de quem vai ou não fabricar, pura e simplesmente, nós eliminaremos, cabalmente, a indústria privada de capital nacional. Este é o fim da indústria nacional, em qualquer país em fase de desenvolvimento. Em nenhum lugar do mundo, nem nos Estados Unidos, foi feito o desenvolvimento à custa da liberdade total de iniciativa, no período de desenvolvimento. Num país desenvolvido eu aceito aquela teoria, no entanto, mesmo assim V. Exa. sabe melhor do que eu que, nos Estados Unidos, até hoje a fabricação de semicondutores não é permitida a empresas estrangeiras. (TÁVORA, 1985, p.259).

Da frase citada acima, compreendemos que o empresário Eulálio Vidigal parte do princípio de que as trocas entre as empresas de países diferentes se constitui em relações injustas: é a noção das trocas desiguais. O presidente da poderosa FIESP, mais uma vez, faz a defesa da indústria nacional com argumentos imprecisos que não refletem a realidade. Na interpelação de Roberto Campos podemos perceber a fragilidade da argumentação empresarial.
Dr. Luiz Eulálio, não existe restrição a empresas estrangeiras de capital estrangeiro. O que se exige, no By American act como no By japanese Act, é que as empresas estrangeiras se tornem produtoras locais. Se elas produzem no País 51% pelo menos dos componentes incorporados ao bem produzido, ela é uma empresa nacional e é beneficiada pelo “By American Act”. O conceito não é racial, é econômico. O que interessa é a existência da produção no país. (TÁVORA, 1985, p. 260)

Nem tudo, porém, era paixão nacionalista ou reivindicação corporativista nos depoimentos da Comissão Mista do Congresso Nacional que analisava a Lei de Informática. Além das contundentes arguições do senador Roberto Campos, o debate contou com o destoante depoimento do empresário Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do Grupo Gerdau.
Jorge Gerdau quebrou a rotina da Comissão, ao iniciar sua exposição criticando o projeto do Governo Federal, que garantiria a continuidade da reserva de mercado por mais oito anos e conferia à SEI e ao CNI excessivos poderes, além de tratar a informática como um assunto de segurança nacional.
A reserva de mercado, tal como vem sendo enfocada, atende exclusivamente aos interesses das empresas diretamente ligadas ao Setor de Informática. A política a ser definida deverá abranger a todos os segmentos da sociedade brasileira, beneficiando produtores e consumidores. Em substituição à reserva de mercado o Governo deveria utilizar três instrumentos clássicos:
1) direitos alfandegários elevados e decrescentes;
2) apoio financeiro distinto a empresas nacionais, joint venture, e estrangeiras e, ainda de acordo com o seu porte; e
3) financiamento ao consumo (modelo FINAME) exclusivamente, é evidente, para as empresas nacionais.
Ao setor de Informática deverá ser permitida a busca de soluções técnicas existentes ou em desenvolvimento no exterior, tanto através da compra de tecnologia, ou de associações.
O artigo 5º. do projeto de lei que cria a Comissão Nacional de Informática vincula essa Comissão ao Conselho de Segurança Nacional, o que não é recomendável. Com essa imposição, a Política de Informática será tratada prioritariamente como matéria de segurança, ficando os demais aspectos relegados a nível secundário. (TÁVORA, 1985, p. 667).

Jorge Gerdau entendia que o controle estatal no setor já era demasiado e que a nova lei o ampliaria ainda mais. Baseado numa concepção mais liberal ele se opõe a esta modalidade de intervenção, observando que o meio mais eficiente de regular as atividades do setor seria o próprio mercado.
A informática brasileira não pode continuar jurisdicionada a um órgão definidor de regras e critérios para si mesmo, sem a participação dos interessados no seu desempenho. O controle estatal exercido pela interferência da SEI já é muito grande e o art. 7º. amplia ainda mais esses poderes. O mercado deveria regular as atividades da Informática e não vemos, por isso, motivo de orientação governamental. (TÁVORA, 1985, p.667).

Sabendo que o desenvolvimento da indústria brasileira, e a sua competitividade no mercado internacional, não poderiam ficar à mercê apenas da capacidade tecnológica existente no país, Jorge Gerdau destacava que o projeto do Governo beneficiaria apenas as empresas ligadas diretamente ao ramo de informática.
Quanto ao apoio à indústria nacional, a reserva de mercado beneficia apenas as empresas diretamente ligadas ao ramo da Informática. Por isso, somos contrários a esta prática. Adotando as medidas definidas nos arts. 10 a 13, e conjugando-as com direitos aduaneiros elevados, o Governo propiciaria o necessário apoio à jovem indústria de Informática brasileira. (TÁVORA, 1985, p.668).

E destaca que a proposição governamental apenas acentua o intervencionismo: “Tal como foi concebido, o projeto de lei aprofunda ainda mais o controle governamental sobre a economia brasileira” (TÁVORA, 1985, p.668).
Jorge Gerdau alerta que, entre as opções existentes para proteger as indústrias nascentes, a SEI havia optado exatamente pela mais arcaica. Lembrava também que o processo de licenciamento previsto no projeto traria prejuízos ao país, uma vez que traria morosidade na aquisição de equipamentos ao conferir a organismos estatais _ e não às empresas interessadas _ a decisão da compra.
Que há dois modos de fazer proteção. Ou se faz por regras econômicas globais ou se faz por despacho de cartório, despacho de requerimento. Uma sociedade economicamente desenvolvida faz-se por regras gerais. Um país com estruturas medievais, feudais, ou sistema de planejamento central, que limita a atividade empresarial do pequeno empresário, a atividade independente, a atividade criativa ou faz parte do necessitado, com requerimento a autoridade, ao rei, para que este, na sua benevolência, autorize o trabalho à iniciativa. No fundo, estes são os dois sistemas que temos para proteger uma empresa, uma indústria.
Olhando sob o aspecto do consumidor, produtor de aço, ou industrial que precisa competir em termos internacionais, preciso da indústria nacional protegida. No entanto, há um limite, que é o limite de que preciso para competir internacionalmente. Então, estou disposto eventualmente, a pagar 200% de direitos aduaneiros, e poderá ser até mais, para que haja um limite. Não é o despacho do requerimento, mas a tecnologia do domínio das nossas equipes técnicas, das empresas que define em que momento o equipamento importado eventualmente poderá ser útil ou não. “Então, pergunto a V. Ex.as. qual é o limite em que realmente a indústria nacional precisa de proteção? É 100%, é 200%, é 300%? Gostaria de debater isto. Não quero é me submeter, para qualquer projeto de um pequeno empresário, que quer modernizar a sua empresa, este ter que fazer um requerimento a um órgão governamental, e este, conforme a sua boa vontade ou sua rapidez, possa, por boa ou má vontade, despachar o acordo ou não, dependendo o processo dentro de uma burocracia. (TÁVORA, 1985, p. 669).

Depois de demonstrar a dificuldade que a interferência estatal coloca para o empresariado, Jorge Gerdau aprofunda a questão, mostrando que a política de informática do Governo Federal caminhava no sentido oposto ao processo de abertura política estabelecida pelo próprio Governo Figueiredo.
Isto não é abertura, meus Senhores. Estamos entrando num processo de abertura política. Em vez de estarmos abrindo o processo de economia, o estamos fechando. Não entendo que possa haver abertura política sem abertura econômica. Então, estamos retrocedendo neste processo. (TÁVORA, 1985, p. 669).

Como empresário exportador, Jorge Gerdau tratava da reserva de mercado para a indústria de informática demonstrando conhecer o funcionamento do mercado internacional. Sabia que a mesma implicaria em dificuldades para as empresas brasileiras que já haviam conquistado espaço no mercado internacional. Segundo ele, um país que pretende ter uma economia moderna precisa importar mais para poder exportar mais. Alertava para o fato de que o isolamento tecnológico poderia trazer consequências danosas para as empresas que já competiam no mercado internacional.
É importante novamente ressaltar a absoluta necessidade de manter a competitividade internacional. O Brasil hoje é um país que já conquistou fatias importantes do mercado internacional nos mais diversos segmentos. Essa tarefa, no meu entendimento, tem de continuar, porque o Brasil, para se modernizar nos diversos campos, tem que ser um país exportador, porque sempre teremos algumas coisas a importar, e sabemos que as nacionais modernas são aquelas que se abrem na exportação e se abrem na importação. As economias que se fecham fazem a sua muralha chinesa e têm tendência para a estagnação. (TÁVORA, 1985, p. 669).

Jorge Gerdau aponta ainda os três principais segmentos interessados na aprovação da legislação proposta pelo Governo Federal.
Neste ponto, insisto numa terceira análise, e pergunto: quem é a favor e quem é contra a reserva de mercado? É muito mais fácil perguntar o seguinte: quem é a favor? É a favor, primeiro, o poder, que quer manter centralizado; segundo, os produtores de equipamentos, que é legítima sua posição, é mais legítima do que a do próprio órgão que tem o interesse do poder e quer mantê-lo. O produtor de equipamentos, podendo trabalhar com menores competições, com o mercado fechado e tendo protecionismo do Governo para o seu cartório, é o segundo interessado. O terceiro interessado, no meu entender é o que doutrinariamente quer um sistema de planejamento centralizado e não quer uma economia aberta. (TÁVORA, 1985, p. 670).

E desabafa alertando os parlamentares de que o Brasil não poderia deixar de receber inovações tecnológicas: “... o País não se pode fechar para receber tecnologia, ainda mais sob o comando de associações com maioria nacional.” (TÁVORA, 1985, p 671). Jorge Gerdau advertia ainda que este tipo de legislação tinha uma natureza perversa, atingindo principalmente as pequenas empresas que, diante das dificuldades encontradas para obter as licenças, poderiam ser inviabilizadas.
Vamos estabelecer regras globais. Este país de 130 milhões de habitantes. Não se pode fazer um pequeno empresário lá do interior do Rio Grande do Sul vir com 10 quilos de papel, como hoje tem acontecido, ele encaminha o projeto, e se fica estudando aí o projeto por dois meses. Há uma solução nacional eventualmente melhor. Esse empresário retorna desesperado e o custo dele não baixa, tem que exportar o seu produto, e fica num vaivém, gastando passagens, em vez de cuidar de sua empresa. Isto não tem cabimento, isto é medieval. (TÁVORA, 1985, p.671).

Gerdal finaliza destacando que, assim como os demais segmentos da sociedade, os empresários dos setores mais competitivos estão cansados de depender das decisões dos organismos estatais: “Chega de depender de despachos. O empresário está cansado, como qualquer outro, de dependência de despachos pessoais, de pedidos pessoais. Uma economia moderna não se rege por esse sistema.” (TÁVORA, 1985, 672).





















3.4.5. PAULO MALUF E TANCREDO NEVES: OS PRESIDENCIÁVEIS NA DISCUSSÃO DA LEI DE INFORMÁTICA
Passaremos agora a destacar os principais trechos dos depoimentos dos presidenciáveis Paulo Maluf e Tancredo Neves, na Comissão Mista do Congresso Nacional. Antes de qualquer consideração, é preciso lembrar que ambos estavam em campanha eleitoral e que falavam para uma plateia de eleitores cuja maioria esmagadora tinha uma concepção nacionalista de economia. Como bons políticos, a preocupação maior era tentar arregimentar votos e jamais assumir uma posição que pudesse contrariar seus eleitores.
Podemos dizer que, em face do desenrolar da campanha política à Presidência da República, ter um posicionamento sobre o futuro do país baseado em informações técnicas era o que menos preocupava os candidatos. Os mesmos se esmeraram em proferir discursos nacionalistas com o intuito de conquistar a simpatia dos parlamentares. Afinal, a eles caberia a escolha do próximo presidente da República e, evidentemente, ninguém queria ser visto como impatriota.
Na perspectiva de se passar por bom nacionalista, o deputado Paulo Maluf, candidato do PDS à Presidência da República, também acaba embarcando na defesa da indústria nacional de informática. Só que este, pela sua própria experiência de empresário exportador, fica numa situação muito desconfortável ao ter que buscar um meio termo entre o nacionalismo econômico e a realidade internacional, que os setores organizados da sociedade relutavam em enxergar. Diante desta situação, acaba assumindo uma posição bastante contraditória.
Já no início da exposição fica clara a ambiguidade e a confusão teórica do candidato pedessista, que mistura desenvolvimento da informática com a necessidade de uma tecnologia diferenciada para os países do Terceiro mundo, ao mesmo tempo em que salienta que não deveríamos reinventar o que já havia sido inventado. Maluf assume uma postura até radical apontando para o fato de que só uma ciência genuinamente nacional _ ciência cabocla _ poderia contribuir para o desenvolvimento brasileiro. Ressalta, ainda, que os países com abundância de mão-de-obra barata não necessitavam de tecnologia sofisticada.
Portanto, o desenvolvimento científico e tecnológico é um dos fundamentos sobre os quais haveremos de construir o nosso futuro intelectual, produtivo, político e social. Mas será virtualmente impossível a nações como o Brasil satisfazer as aspirações de progresso de seus povos se contentarem em suprir a falta da base científica necessária através da simples importação, cópia, ou adaptação de tecnologia concedida para ser aplicada em outro universo sócio econômico.
A tecnologia, principalmente para países em desenvolvimento, a tecnologia para países considerados do Terceiro Mundo, não pode ser uma tecnologia altamente sofisticada, porque é evidente que aqui nos sobra mão-de-obra e muitas vezes nos falta capital; é o problema inverso dos países industrializados, onde na verdade, eles têm excesso de capital e nem sempre a mão-de-obra total disponível. (TÁVORA, 1985, p. 357).

Já vivendo o início do processo de aceleração das trocas de mercadorias entre os países _ a chamada globalização da economia _ Maluf sabia que não se poderia pensar na utilização de uma tecnologia defasada e afirma: “Não nos serve, portanto, apenas copiar, mas também não nos convém reinventar ou redescobrir o já inventado ou descoberto.” (Maluf, p. 357). Entretanto, na sequência retoma uma contraditória argumentação de fundamento nacionalista.
Sem prejuízo da pesquisa nacional, temos que ter uma legislação no sentido de facilitar a aquisição de tecnologia estrangeira sob condição de sua efetiva transferência à ciência brasileira e à fixação no nosso meio.
Em termos genéricos, este é o sentido do pulo, do salto que nós devemos dar no século XXI, e não chegaremos a um país socialmente justo, a um país com justa distribuição de renda se não tivermos criado, em diversos setores da economia nacional, uma tecnologia própria, uma tecnologia que possa ser adaptada às condições peculiares do Brasil; e nesse contexto nós temos hoje a política da informática. (TÁVORA, 1985, p.358).

Depois de tentar agradar os defensores da tecnologia nacional e do nacionalismo econômico, Maluf conduz seu discurso no sentido de mostrar-se favorável a que o país fique aberto, se não à empresa ou tecnologia estrangeira, pelo menos à poupança externa.
A experiência mundial abona a tese da forte correlação entre liberdade de iniciativa e criação do maior e mais rápido desenvolvimento da informática e atividades colaterais. Assim, a reserva dessas áreas a certos tipos de empresa, segundo a formação do seu capital, não é somente uma garantia suficiente da aquisição ou transferência real de tecnologia e de sua absorção e fixação no País, mais importante que a origem do capital das empresas no setor é o bom emprego e a valorização da mão-de-obra nacional, ou seja, nós temos que criar tecnologia própria de brasileiros, administrada por brasileiros e a ser utilizada em benefício, tranquilidade, paz social e progresso dos brasileiros. (TÁVORA, 1985, p.359).

Ciente da rapidez do progresso do setor de informática, Maluf alerta para o fato de que o país corria o risco _ dependendo da política que fosse aprovada _ de ficar defasado tecnologicamente.
Desejo também chamar a atenção dos senhores para a altíssima velocidade da melhoria da tecnologia nesse setor; nesses últimos 10 anos é como se a velocidade de melhoria da tecnologia do setor tivesse avançado quase 100 anos. Temos que, portanto, tomar um cuidado bastante extremo nesse setor, para não ficarmos de posse sempre de uma tecnologia eventualmente ultrapassada. (TÁVORA, 1985, p.359).

Foi o candidato pedessista quem fez uma das colocações mais importantes no debate na Comissão do Congresso Nacional. Maluf tocou na questão essencial de que a importação de tecnologia era inevitável, cabendo ao país unicamente a escolha do mecanismo mais adequado de importação. Segundo ele, haveria três formas possíveis de importação de tecnologia.
Quer dizer, nós vamos ter que importar tecnologia, V. Exas não tenham dúvida disso. O Brasil, no primeiro momento, não criará uma tecnologia própria sobre o assunto. Nós temos que começar, tentando nas nossas universidades, instruir bem os nossos jovens, tentando dar cada vez mais verbas para as entidades de pesquisas, principalmente nas universidades, mas nós vamos ter que importar, inicialmente, alguma tecnologia; ou vamos importar tecnologia através de técnicos estrangeiros, que serão contratados e ganharão em moedas estrangeiras, ou contratar tecnologia, através de desenhos para a fabricação, não só de equipamentos, de produtos, ou vamos ter que contratar tecnologia pagando tecnic assitance ou royalties, ou podemos ter tecnologia através de participação minoritária nos empreendimentos. É um problema tipicamente de opção, quer dizer, de um jeito ou de outro, o cientista que mora lá fora, que faz suas despesas lá fora e que encontrou melhor tecnologia, ele vai ser remunerado. Resta saber se é através de royalties, de tecnic assitance ou de participação acionária. (TÁVORA, 1985, p.362).

Depois desta importante observação, Maluf ao abordar a questão das joint ventures, vacila novamente.
Eu, de minha parte, não vejo nenhuma objeção, desde que protegido por lei, é o capital nacional, através de pessoas físicas perfeitamente identificáveis brasileiras, eu não tenho nenhuma objeção _ confesso-lhe com toda a franqueza _ que alguma empresa estrangeira possa participar minoritariamente em capital de empresa nacional. (TÁVORA, 1985, p.362).

Na verdade, Maluf fica o tempo todo numa postura ambígua. Ao mesmo tempo em que reconhece a necessidade de importar tecnologia, fala em empresa nacional de capital nacional e em reserva de mercado de 10 a 20 anos. Mas admite também as dificuldades advindas do desenvolvimento veloz da informática. Indiscutivelmente, o paradoxo em seu discurso é fruto da sua candidatura à Presidência da República. Para se tornar simpático ao Colégio Eleitoral e à sociedade que se pressupunha predominantemente nacionalista, é obrigado a defender uma tese que, com certeza, ele achava inadequada.
Nem tudo, porém, é vacilação na alocução do candidato Paulo Maluf. Por um momento, ele assume um discurso a favor da competitividade, chamando atenção para o fato de que a melhor proteção para a indústria nacional é a produção de bens de boa qualidade a preços baixos.
Eu sou um homem da livre empresa. Acredito que a livre empresa é realmente livre não em função de uma proteção do Governo, mas em função de uma proteção que ela possa fazer a si própria, através dos produtos de boa qualidade, que ela possa produzir, através dos preços competitivos, através de uma tecnologia avançada, que ela possa aplicar.” e destaca ainda “...o que eu acho que é profundamente importante é nós nos conscientizarmos de que estas punições ou estes incentivos terão efeito positivo ou não se na verdade o empresário for competitivo, se o empresário produzir numa economia de escala, e em condições de preços; então, na verdade, ele não precisaria de nenhuma lei para se defender, porque é a própria lei da economia que o estaria defendendo. (TÁVORA, 1985, p. 366).

Percebendo as ambiguidades no discurso do presidenciável, a deputada pernambucana Cristina Tavares aproveita o ensejo para manifestar mais uma vez seu fervor ideológico. Acusa Maluf de ter ficado em cima do muro, posicionando-se ora ao lado dos nacionalistas, ora assumindo a postura do Senador Roberto Campos, que ela classifica de “nacional entreguismo”.
Na verdade, Deputado Paulo Maluf, o que se discute aqui, e o que a Nação discute, estão bem claros e separados nos conceitos: de um lado, a comunidade técnico-científica, os trabalhadores, os empresários, e, do outro lado, aquilo que o Professor Cerqueira Leite chama de ‘patriótico entreguismo’. A exposição de V. Exa., algumas vezes, é de ‘patriótico entreguismo’, quando diz, por exemplo, que a joint venture não define muito bem se a composição do capital é do capital votante ou não capital votante, traz tecnologia. Quando não responde claramente, ao Deputado Odilon Salmoria, sobre os modelos implantados nas telecomunicações e modelos implantados na informática, que são dois modelos diferentes para o futuro do País! V. Exa. não chegou a ser claro, com relação ao que foi levantado pelo Deputado Antônio Dias, quando fala sobre o Conselho de Segurança Nacional. São as vozes que defendem a sua candidatura, Deputado Paulo Maluf, é a voz do ilustre Senador Roberto Campos que lidera um coro, inclusive de matéria amplamente paga na imprensa nacional, que acusa o Conselho de Segurança Nacional, o Ministro Danilo Venturine, o Serviço Nacional de Informações, que tem claros interesses sobre o assunto. (TÁVORA, 1985, p. 368).

Concluído o aparte da deputada Cristina Tavares, Maluf retoma sua exposição assinalando a importância de aliar a reserva de mercado ao incremento do investimento na educação universitária e no desenvolvimento de pesquisas visando o aprimoramento científico do país.
O capital deixou de ser um bem do país em si, e ele só se fixa na medida em que podemos dar educação, instrução, cultura, ensino universitário, quer dizer, isto é a base do nosso problema.
Nós temos que dar aos nossos filhos, aos nossos jovens, as nossas universidades, nós temos que dar verbas compatíveis com o tempo que estamos vivendo; temos que valorizar o nosso pesquisador, temos que valorizar a nossa pesquisa, assim sim nós estamos criando verdadeiramente um capital e uma tecnologia nacional. (TÁVORA, 1985, p.372).

Interpelado pelo deputado Ibsen Pinheiro sobre sua posição frente à política nacional de informática, Maluf, assumindo uma postura listiana, admite ser favorável a algum tipo de proteção ao setor de informática pelo fato de ser uma indústria nascente. Entretanto, ele deixa entrever em seu discurso certa relutância em aceitar a proteção na forma de reserva de mercado.
No meu entender, como esta é uma indústria nova, nós temos que dar uma proteção. Aqui, o governo prevê uma proteção de 8 anos, pode-se, evidentemente, julgar isto muito, pouco, isto é um ponto de vista de cada um.
Eu acho que uma proteção é absolutamente imprescindível; agora, eu não poderia dizer aos Srs. que, neste caso, eu seria favorável a uma proteção indefinida. Então, nós estamos criando um cartório, nós temos que dar os incentivos fiscais. (TÁVORA, 1985, p.374).

Aí é que está. Eu tenho ouvido falar em reserva de mercado, e eu gostaria também, antes, que esse projeto definisse, alguém me definisse o que é reserva de mercado. Se realmente é a reserva da fronteira brasileira, fazendo com que os 130 milhões sejam obrigados a comprar produto nacional, ou se é a reserva para alguns poucos fabricantes, que poderão ser beneficiários, isso sim, de um cartório do Governo. (TÁVORA, 1985, p.375).

Paulo Maluf realmente se encontra numa situação muito difícil. Por mais que procurasse se esquivar das questões mais contundentes, acabava sempre mostrando não comungar plenamente da xenofobia nacionalista que atingia toda sociedade naquela época. Mas, do outro lado, seu concorrente à Presidência da República, o ex-governador Tancredo de Almeida Neves, estava numa posição muito mais tranquila e, indiscutivelmente, ganharia a preferência dos parlamentares.
Isento de qualquer visão cosmopolita do desenvolvimento da economia, o presidenciável do PMDB fica muito à vontade para expor seu discurso nacionalista e agradar seus eleitores. Muito bem preparado politicamente e desprezando qualquer informação, Tancredo Neves age como um leigo em História Econômica e inicia seu depoimento com um fervoroso discurso anti-imperialista.
Assim, a questão da democracia é, também, a questão da nacionalidade. Vivemos uma hora crucial. Os países industrializados procuram reequilibrar-se à custa dos países pobres, e ditam, através dos organismos internacionais que controlam, políticas que aumentam nossa miséria e agravam nossa dependência.
Só dentro da democracia poderemos construir um projeto nacional autêntico. Sabemos que a luta pela ascensão do povo brasileiro será dificílima. Mas, não obstante a inadequação do modelo econômico adotado em nosso País, não podemos ignorar as potencialidades que emergiram desse processo de desenvolvimento. Elas constituem uma base estratégica para que o Brasil caminhe com suas próprias pernas e para que nós, enfim, possamos trabalhar para nós mesmos.
A agricultura brasileira foi a que mais cresceu no mundo, no último meio século. Infelizmente, cresceu voltada para a exportação, esquecida da obrigação prioritária de alimentar seu próprio povo. Nossa indústria é inegavelmente moderna, em praticamente todos os setores, mas está dirigida para o atendimento das necessidades dos grupos de alta renda. Tais deformações decorrem exatamente da exclusão do povo das decisões políticas. (TÁVORA, 1985, p. 394).

Tancredo Neves, como candidato da oposição representando os segmentos políticos chamados nacionais-democratas, passa a apoiar a tese protecionista classificando a empresa e o capital estrangeiro como inimigos da prosperidade nacional. Prossegue com seu discurso populista, afirmando que a dominação dos países desenvolvidos sobre os países do Terceiro Mundo estabelecia um divórcio entre a tecnologia utilizada na produção e os usuários dos bens fabricados por ela.
Nunca estiveram tão distanciados os produtores e os consumidores dos conceitos e da linguagem, porque nunca os usuários desconheceram tanto as entranhas das máquinas de que se servem. É por isso que muitos combatem o desenvolvimento da tecnologia nacional e cantam as vantagens dos equipamentos estrangeiros: eles se ajoelham perante as máquinas como os adoradores de Moloch se curvavam perante seu ídolo. Também nunca os dominadores puderam criar, entre os dominados, um número tão grande de ventríloquos. (TÁVORA, 1985, p.395).

Tancredo Neves dá continuidade a seu discurso enfatizando que a defesa da economia nacional consistia no único meio capaz de possibilitar ao Brasil sua libertação do jugo da dominação do condenável Imperialismo internacional.
Tivemos, em nosso passado, exemplos de mobilização popular em defesa da economia nacional, como a campanha do “O Petróleo é Nosso”. Entretanto, se um país tivesse seus recursos petrolíferos controlados por empresas estrangeiras, ainda assim poderia reverter esse processo de submissão, como os fatos se encarregaram de demonstrar em tantas ocasiões.
Mas o desenvolvimento da tecnologia da informática, sem o controle democrático e nacional, permitirá um nível de domínio sobre a vida da sociedade sem nenhum horizonte visível de libertação. (TÁVORA, 1985, p.395).

Como não poderia deixar de ser, Tancredo Neves elogia o projeto do Governo Federal, colocando-se como um ardoroso defensor das medidas restritivas que contidas no mesmo.
Fixa o projeto uma tentativa de uma política nacional de informática e é de se lamentar que esta política venha com tanto atraso para um País que já atingiu as dimensões que o nosso já alcançou.
O que caracteriza este projeto de lei, esta proposição em debate? É o esforço para se fixar, de uma maneira clara e nítida, os objetivos de uma política de informática e ela o faz, ao meu ver, de uma maneira clara, lógica e objetiva, qual seja, a de manter a política de informática sob orientação, o controle e a expansão do Poder Público, o que me parece uma posição rigorosamente acertada. (TÁVORA, 1985, p.396).

Mesmo confessando não ter domínio da questão da informática e dos mecanismos de funcionamento da economia, Tancredo Neves, obstinado naquilo em que acreditava, reconhece a complexidade do problema, mas não vacila em se posicionar claramente a favor da reserva de mercado para a indústria nacional de informática.
Já tenho declarado em outras oportunidades que sou pela reserva de mercado. Sei o quanto o tema desperta contradições, sei o quanto o tema enseja dúvidas, sei o quanto o tema atende perplexidades. De um lado, nós temos a ação militante, pertinaz, decorrente da cultura, da capacidade, da pugnacidade, da notável experiência deste grande brasileiro, que é o Professor Roberto Campos e, de outro lado, as forças que a ela se opõem, com todos os argumentos extraídos dos seus arsenais e, quanto a mim, dúvida não tenho em tomar posição pela reserva de mercado. (TÁVORA, 1985, p. 396).

Diante da firmeza política do candidato Tancredo Neves, o senador Roberto Campos passou a interpelá-lo, informando sobre a diferença existente entre reserva de mercado e proteção tarifária:
Eu, particularmente, favoreço o sistema de tarifas, porque o sistema de licenças de importação implica em arbítrio da autoridade; implica em imprevisibilidades na cadeia industrial e implica o perigo de corrupção. Como todos nós sabemos, onde há licenças, há venda de licenças e corrupção, há uma horrível casuística. Por isso o sistema de tarifas aduaneiras é, de longe, o melhor. Inclusive, o sistema de tarifas aduaneiras atenderia a um dos requisitos enunciados pelo Governador, quer dizer, controle. Aí o controle é automático, porque, se o produtor nacional começar a abusar e cobrar mais do que 300%, três vezes o preço internacional _ menciono este algarismo, porque no meu projeto se dá uma proteção de 205% que, se conjugada as despesas de transporte, frete, seguros, mais desembaraço de desembarque, atingiria 300 ou 350% _ se o produtor insistir em vender acima desse preço, que é assaz generoso, então configura grave ineficiência. Ele estará simplesmente punindo o usuário. O usuário se defende, então, importando, ou por causa do preço, ou quando a qualidade é insatisfatória. (TÁVORA, 1985, p.400).

Tancredo Neves responde às afirmações feitas pelo senador Roberto Campos com uma argumentação superficial e repetitiva, procurando amenizar os efeitos da reserva de mercado e ao mesmo tempo invocando a necessidade de desenvolver tecnologia como meio de romper o “cerco de ferro” imposto ao país.
Fala S. Exa. que a reserva, como está prescrita no decreto, seria uma reserva contra a poupança estrangeira; não me parece que tal aconteça. Acho que o espírito da reserva no projeto é muito mais uma reserva de tecnologia do que, realmente, uma reserva de produção, uma reserva de produtos, uma reserva de equipamentos.
O que precisamos ter, é uma tecnologia nacional no setor, que é de maior importância para a soberania nacional. E essas reserva de tecnologia, naquele campo que nós estamos em condições de dominá-la, sobretudo no mini e microcomputadores, é da maior importância para o desenvolvimento da economia brasileira. Sem essa proteção, sem essa reserva destinada a tecnologia, em consequência dos seus produtos, nós dificilmente romperemos o cerco de ferro em que nós nos encontramos. (TÁVORA, 1985, p. 404).

Insatisfeito com o conformismo do presidenciável em relação ao projeto de informática do Governo Federal, o senador Roberto Campos passa a apresentar dados que demonstram a inanição da indústria brasileira de informática provocada pelo controle asfixiante da SEI.
...gostaria de reafirmar que, ao contrário do que o meu nobre amigo pensa, o efeito da política da SEI tem sido estagnacionista. Se nós considerarmos dados estatísticos objetivos, que não contêm nenhuma extrapolação sentimental, verificaremos que em 1977, existia a seguinte relação entre a renda da indústria de informática e o PIB dos países que vou citar: Brasil era 0,21 a relação entre faturamento da indústria de informática e o PIB. Em 1982, 5 anos depois, em plena atividade da SEI, já essa relação tinha aumentado um ‘poucochinho’, tinha aumentado de 0,21 para 0,23. Nos estados Unidos, em 1977, essa relação era de 0,85; em 1982, era de 1,35; 58% de aumento. Na Ásia e no Oriente Médio, essa relação era, em 1977, de o,46, e, em 1982, de 0,61; o aumento foi de 33%. No mercado Comum Europeu, essa relação era de 0,63, subiu para 0,98, ou seja, aumentou 56%. Em consequência, Sr. Governador, nossa indústria afogada, abafada, oprimida pela multiplicidade de controles e licenças, evolui muito pouco, em termos mundiais.
A própria SEI reconhece que a produção que havia, segundo ela, alcançado 1 bilhão 508 milhões de dólares, em 1982, declinou, em 1983, para 1 bilhão 487 milhões de dólares e talvez este ano, volte ao nível de 1982, resultado melancólico num mundo em que a informática cresce explosivamente. (TÁVORA, 1985, p.406).

Mesmo diante dos dados apresentados pelo senador Roberto Campos que demonstravam a ineficiência da política de informática conduzida pela SEI, os nacionalistas encontram forças e fervor para sustentar a tese de que a reserva de mercado beneficiava a pesquisa e a indústria nacional. Um bom exemplo do vigor anti-imperialista está expresso no aparte do senador Carlos Chiarelli ao depoente Tancredo Neves.
Em verdade estamos debatendo um projeto de lei que volta à fixação de uma política nacional de informática, à luz de uma realidade vivida e convivida, à luz de uma realidade que mostra um País, que, há alguns anos passados, era, efetivamente, uma mera colônia, sem viabilidade e sem condições de afirmação no campo da tecnologia, particularmente no campo da informática e que hoje apresenta, graças à capacidade criativa, graças à expansão tecnológica, à autonomia fecunda dos seus próprios cérebros, condições de mostrar um elenco satisfatório de uma indústria adolescente, mas vigorosa, de mais de 160 unidades, com vários polos industriais disseminados por todo o País. Uma indústria que, ao contrário das indústrias multinacionais que aqui operam há tanto tempo, é capaz de oferecer aos profissionais brasileiros de nível superior um aproveitamento, no campo do projeto de desenvolvimento, 33% da sua utilização de mão-de-obra. Enquanto que as multinacionais asseguram apenas 4% neste particular e concentram a utilização da mão-de-obra no setor de vendas e no setor de divulgação dos produtos, numa clara diferença entre sérias indústrias nacionais, que querem produzir mais e melhor, inovar e competir. E o que querem as multinacionais? Elas querem vender produtos que se originam de matrizes além-fronteiras. (TÁVORA, 1985, p. 404).

O senador Carlos Chiarelli, mesmo sem apresentar nenhuma informação que pudesse sustentar sua argumentação, reforça a proposta oficial de reserva de mercado em nome da autonomia política do país e da oposição às práticas _ segundo ele nocivas _ das empresas multinacionais.
...a opção política sobre a reserva de mercado, que nós entendemos que muito mais do que qualquer elemento informativo, de natureza técnica, seja, acima de tudo, a garantia da autonomia política do país, a garantia da sua soberania hoje e amanhã, com a característica que tem a informática, inserida nos mais diversos campos de atividades, a garantia, de certa forma, do País poder optar pelo caminho que seja mais adequado à luz dos seus interesses, para que nós não continuemos, como o faríamos sob a orientação das multinacionais, a produzir o que não possuímos ou a construir o que não produzimos, fazendo com que nós, na verdade, ao invés de termos a reserva de mercado, sejamos, permanentemente, mercado de reserva das outras licenças que as multinacionais aqui nos trazem e nos colocam à disposição, num processo repetitivo, fazendo-nos não um setor de criatividade, mas, sim, montagem de produtos superados. (TÁVORA, 1985, p.407).

Numa espécie de onda nacional-populista, Tancredo Neves complementa a alocução de Chiarelli reafirmando que a única opção capaz de livrar o país daquilo que ele chama de jugo do colonialismo tecnológico seria a reserva do mercado brasileiro à pesquisa e à tecnologia nacional.
Ficamos realmente aturdidos, porque a informática abre uma perspectiva de tal extensão, de tal profundidade, que dentro em breve a nação que não estiver em condições de sintonia com o desenvolvimento tecnológico da informática será uma nação marginalizada.
Temos duas maneiras de nos sintonizar com o desenvolvimento tecnológico da informática: ou nos associando com as multinacionais, para sermos apenas uma colônia tecnológica, apenas um mercado para que essas empresas poderosas nos tragam o seu futuro; ou, então, resistindo, como esta é a disposição e o pensamento da grande maioria de cientistas, técnicos, universitários e políticos do Brasil, para que tenhamos, quaisquer que sejam os riscos, a nossa informática, a nossa tecnologia. Isto é fundamental, a meu ver, para que o Brasil possa situar-se, realmente, no mesmo nível das nações civilizadas, das nações mais desenvolvidas. (TÁVORA, 1985, p. 419).

Fazendo um breve balanço dos discursos dos presidenciáveis, podemos dizer que, de fato, Paulo Maluf manteve do começo ao fim de seu depoimento uma postura contraditória que, em determinados momentos, agradava aos moderados e, em outros, agradava os nacionalistas, que eram a grande maioria do Congresso Nacional. Vale lembrar também que, apesar dos tropeços, ele acaba tendo uma postura mais compatível com a economia de mercado ao se mostrar aberto às joint ventures e à proteção alfandegária ao invés da proibição total das importações. Já seu opositor, o candidato Tancredo Neves, apesar de demonstrar ignorância sobre os mecanismos de funcionamento da economia, teve uma atuação mais coerente, mantendo-se fiel ao seu discurso anti-imperialista na defesa da reserva de mercado à tecnologia, ao capital e à indústria nacional de informática.
É preciso ressaltar que, se do ponto de vista eleitoral Tancredo Neves agiu corretamente assumindo a postura da maioria, do ponto de vista da competência administrativa mostrou-se completamente despreparado. Limitou-se a responder ao principal oponente à reserva de mercado _ o senador Roberto Campos _ com frases evasivas e elogios pessoais à sua formação acadêmica e diplomática.











3.4.6. PREVALECEU O NACIONALISMO ECONÔMICO: O PROJETO DA SECRETARIA ESPECIAL DE INFORMÁTICA VIROU LEI
Como resultado dos debates realizados na Comissão Mista do Congresso Nacional, o inevitável acabou acontecendo. O projeto da Secretaria Especial de Informática enviado ao parlamento brasileiro foi aprovado, garantindo a reserva de mercado à pesquisa, ao capital e à indústria nacional de informática. A legislação restritiva que se iniciara em 1974, teve sua coroação através do maciço apoio que recebeu de deputados, senadores, militares, sindicatos de trabalhadores, associações profissionais, artistas, intelectuais, pesquisadores de informática, empresários e dos candidatos à Presidência da República. O projeto oficial, que começou a ser discutido na Comissão Mista no dia 3 de setembro de 1984, acabou sendo aprovado e, consequentemente, transformado em lei no dia 29 de outubro do mesmo ano, sob o número 7.232/84.
Numa espécie de luta do bem contra o mal, formou-se uma coalizão nacional-populista e o Parlamento brasileiro sacramentou os anseios corporativos garantindo por mais oito anos a reserva de mercado para a indústria brasileira de computadores e tudo aquilo que a poderosa SEI entendia por informática. O Congresso Nacional atendeu o Governo Federal baseado em três justificativas principais para a manutenção da reserva de mercado.
a) a vontade dos empresários que usufruíam dos privilégios cartoriais e não queriam correr o risco da competição;
b) o sonho dos militares preocupados com a segurança nacional, que tinham a perspectiva da autonomia tecnológica de informática, vendo no computador brasileiro um componente essencial para equipar suas armas mais sofisticadas _ inclusive o sonhado submarino nuclear, que até hoje ainda não se tornou realidade;
c) a luta ideológica das esquerdas que, acreditando ser as empresas estrangeiras nossas inimigas, faziam das restrições às multinacionais uma reação contra a chamada dominação imperialista.
Diante deste quadro, foi amplamente rechaçada a visão mais liberal que não pensasse apenas em deter o mercado interno, mas que ambicionasse em participar do mercado externo através de joint ventures ou da produção das empresas multinacionais sediadas no país. Não foi possível sequer refletir sobre o exemplo que Paulo Maluf, no seu ambíguo depoimento, ofereceu à Comissão sobre a indústria automobilística americana e sobre a indústria têxtil japonesa.
... os Estados Unidos da América do Norte, o maior produtor do mundo de automóveis; então eu me pergunto: será que ele é o maior exportador de automóveis do mundo? Não, ele é o maior produtor de automóveis do mundo, e é o maior importador, também, de automóveis do mundo, ou seja, ele criou um mercado interno. Veja do outro lado, por exemplo, o Japão, que é o maior produtor de produtos têxteis do mundo e, no entanto, o Japão não produz sequer um quilo de algodão. (TÁVORA, 1985, p.361).

Desta forma, a Lei n. 7.232/84 tornou legal e sólida a reserva do mercado brasileiro aos produtores nacionais de computadores (pequenos, micros, minis e superminis), programas de computação, bancos de dados, eletrônica digital, semicondutores, telecomunicações, televisão, eletromedicina, automação fabril e de escritórios, robótica, eletrônica embarcada, fibras óticas e demais produtos correlatos. Prevaleceu o “espírito nacional” em detrimento das leis de mercado.
A maior preocupação dos parlamentares não era com respeito ao poder ditatorial que a nova lei conferia à SEI _ que só tinha que prestar contas ao Presidente da República _ nem com a proibição das importações. Estavam mais preocupados em saber se o prazo de oito anos seria suficiente, para que a nascente indústria nacional de informática pudesse se fortalecer para enfrentar a concorrência estrangeira. Alguns foram além da preocupação com o “curto” período da reserva de mercado, e levantaram até o questionamento sobre a viabilidade do emprego da informática em função do desemprego que a mesma poderia causar ao país. Exemplo dessa postura pode ser visto no aparte do senador Carlos Chiarelli ao depoimento do presidenciável Tancredo Neves.
...e esta é uma preocupação permanente que tenho _ da relação da presença crescente da informática e da automatização num País que tem um mercado de trabalho altamente inadequado, onde nós temos hoje, praticamente, 4 ou 5 milhões de desempregados, no conceito aberto do termo, e 11 ou 12 milhões de subempregados, onde nós temos o desatino de crescer tecnologicamente, informatizados e automatizados. Como nós resolvemos ou como V. Exa. entende que possa resolver este dilema do crescimento da informática e da automatização ... (TÁVORA, 1985, p.409).

O posicionamento dos parlamentares e da maioria dos depoentes da Comissão Mista do Congresso Nacional não era uma manifestação isolada. A política de substituição de importações, que já vinha de longa data, contava com apoio de ampla maioria da sociedade que, tomando como parâmetro resultados isolados, tendia a acreditar nas vantagens da política protecionista, como observou mais tarde André Franco Montoro Filho.
É fundamental observar que este objetivo de política econômica (substituição de importações) e este tipo de ação do Estado (protetor e produtor) eram conhecidos e aceitos pela população, especialmente pelos atores mais importantes dos processos econômico e social. Apesar de eventuais críticas e propostas mais liberalizantes ou socializantes, estes elementos-chaves do processo se mantiveram graças ao apoio recebido pela maioria, reforçados pelo sucesso, em termos de crescimento, da estratégia. (VELLOSO, 1990, p. 279).













CONCLUSÃO
Podemos dizer que existem três concepções teóricas bem definidas acerca de qual o caminho mais adequado para impulsionar o desenvolvimento científico e tecnológico de uma nação: a) liberalismo clássico, b) protecionismo listiano e c) política de substituição das importações por produtos nacionais.
A primeira é a tese da Economia Política Clássica defendida pelos pensadores liberais: Turgot, Quesnay, Smith, Mises, Hayek, Friedman, entre outros. Nela, concebe-se que o meio mais eficaz para promover o desenvolvimento é o livre intercâmbio entre os países, que propicia o enriquecimento recíproco das partes envolvidas através das chamadas vantagens comparativas. Dentro deste princípio, quanto mais intenso for o comércio, mais acentuado será também o aperfeiçoamento tecnológico, uma vez que o país que mais realizar trocas de mercadorias terá à sua disposição um maior arsenal de máquinas, instrumentos e procedimentos científicos para desenvolver a produção e tecnologias ainda inexploradas.
A segunda é a teoria do desenvolvimento do capital nacional, em oposição ao laissez faire et laissez passer, que tem como expoente maior o economista alemão do século XIX Georg F. List, defensor da proteção tarifária como meio de permitir que as indústrias nascentes possam florescer sem ser atropeladas pelos produtos das fábricas mais experientes e modernas dos países desenvolvidos. Esta vertente teórica é tão forte que consegue inclusive a adesão de autores que têm mais afinidade com o liberalismo do que com o protecionismo econômico: é, por exemplo, o caso do economista brasileiro Eugênio Gudin que, mesmo sendo um defensor do livre mercado, acaba se rendendo aos argumentos listianos.
A terceira, e a mais radical de todas, é a que combate intransigentemente a importação de mercadorias, defendendo a produção da indústria nacional através de uma ampla política de substituição de importações, que culmina com a proibição total da compra de produtos estrangeiros que possuem similares nacionais. Nesta tese embarcaram muitos países, principalmente ao longo do século XX. O Brasil experimentou esta medida em vários períodos e inclusive na busca do desenvolvimento de uma tecnologia própria para o setor de informática: manteve por quase duas décadas (1976-1992) o mercado brasileiro de pequenos, micros e minis e superminis computadores reservado exclusivamente à pesquisa, ao capital e à indústria nacional. Muitos dos defensores desta tese, embevecidos por uma concepção anti-imperialista, acreditavam que se tratava da forma mais adequada de promover o desenvolvimento econômico e educacional do país.
Queremos destacar também que as políticas econômicas protecionistas e de incentivo à substituição de importações estiveram sempre presentes na história ao longo dos últimos 150 anos, servindo como política industrial de quase todas as nações. Mas, apesar de adotado nos mais importantes países do mundo, a reserva de mercado geralmente não produz os resultados esperados e, na maioria das vezes, acaba contribuindo para o retardamento do desenvolvimento. Ao invés do protecionismo aumentar o número de empregos, acaba trazendo consequências danosas.
Segundo o livro Economic Freedom of the World (1975-1995), dos professores Guartney e Lawson, que faz uma classificação dos países de acordo com o grau de abertura de suas economias, dentre os quatro primeiros colocados, três são campeões na geração de emprego e de crescimento do PIB. As correntes de emigrações vão ao encontro das Nações com menos protecionismo, e são atraídas, evidentemente, pela capacidade das mesmas em gerar empregos.
No caso brasileiro, provou-se com o tempo que a reserva de mercado à pesquisa, à indústria e ao capital nacional foi um completo malogro como instrumento impulsionador do desenvolvimento tecnológico do país. O fechamento do mercado brasileiro de informática para a tecnologia estrangeira, que perdurou quase duas décadas, ao invés de conduzir o país a uma situação de destaque no cenário internacional, condenou-o ao atraso tecnológico e ao quase sucateamento de seu parque industrial.
Depois de tantos anos de proteção absoluta, a indústria de informática brasileira não conseguiu fabricar nenhum equipamento de ponta e nossa tão sonhada independência científica converteu-se num pesadelo representado por produtos obsoletos e caros, dos quais os agentes estatais e os próprios produtores procuravam se livrar. A política industrial brasileira, ao invés de contribuir para a utilização maciça da informática como meio de facilitar as comunicações e impulsionar o desenvolvimento educacional do país, trouxe retardamento. Em junho de 1991 registrava-se uma situação lamentável: o Brasil contava com o desprezível índice de 0,5% das salas de aula de primeiro e segundo graus equipadas com computadores dedicados ao ensino, enquanto na França este índice chegava a 80%, nos Estados Unidos a 96% e na Alemanha a 100%.
Os discursos empolgados em favor do nacionalismo econômico que deram sustentação à reserva de mercado para a indústria nacional de informática, na prática, não se converteram em números de produção. À sombra da proteção estatal a indústria de computadores obteve crescimento, em termos absolutos, se comparado com outros setores da economia, mas que se torna medíocre diante do crescimento de outros países, como mostramos no capítulo terceiro.
Em nome da proteção ao trabalho e ao capital nacional a legislação brasileira obrigou sua população a consumir produtos tecnologicamente desatualizados e que muitas vezes chegavam a custar cinco vezes o valor praticado no mercado internacional. Num país pobre, como o Brasil, onde muitas vezes chega a faltar giz para o professor, era impossível dotar as salas de aulas de um equipamento tão caro: a computação aplicada à educação se restringia apenas a alguns setores das principais universidades, onde o uso do computador era absolutamente indispensável.
Neste sentido, a reserva de mercado à pesquisa nacional, ao invés de ser “um prêmio à inteligência nacional”, como pregava a deputada Cristina Tavares, se converteu em punição à educação, à indústria e aos próprios pesquisadores, pois os cientistas, uma vez isolados do desenvolvimento internacional da computação, também acabaram ficando desatualizados por trabalharem apenas com equipamentos obsoletos; e a educação ficou relegada apenas aos meios tradicionais de transmissão de conhecimento. Ao contrário do que afirmou o Presidente da SBPC, Clodoraldo Pavan _ por ocasião da discussão da lei de informática, no Congresso Nacional _ o argumento que denunciava o gap tecnológico não era obra da propagação ideológica da dominação imperialista, e a defasagem de 2 ou 3 anos na informática, como ele afirmava ser, além de intransponível para os fabricantes nacionais, foi altamente nociva para o desenvolvimento econômico e educacional do Brasil.
Não é preciso recorrer a nenhuma tese do liberalismo clássico para condenar a proteção dada pelo Estado brasileiro à indústria de informática. Para diagnosticar o equívoco de sua adoção, basta tomarmos como referência a teoria de G. List, grande expoente do nacionalismo econômico, que defendia uma tarifa alfandegária máxima de 45% como proteção aos produtos das fábricas nascentes. Alegava o teórico alemão que a indústria que não conseguisse se erguer com esta alíquota era porque a mesma não teria viabilidade econômica e, a exemplo das flores exóticas, só poderiam sobreviver se eternamente protegidas por estufas. Mas, a observação mais atualizada sobre as consequências danosas da proteção à indústria nacional vem do historiador e consultor para assuntos de informática, William Cline.
Em resumo, a vantagem comparativa adequadamente avaliada deve ser dinâmica na sua concepção e deve deixar margem para o caso da indústria nascente. Na prática, infelizmente, a tese da indústria nascente tende a ser abusada. Uma proteção excessiva que nunca parece desaparecer tem sido regra, mais do que a exceção em experiências reais, de forma que o resultado tem sido uma persistente ineficiência ao invés de um crescimento dinamicamente eficiente. Uma vantagem comparativa dinâmica e o conceito de indústria nascente são válidos em princípio, mas perigosos na prática, se não aplicados criteriosamente. (CLINE, 1988, p.32).

A exclusividade do mercado brasileiro à pesquisa nacional e à nascente indústria de informática mostrou-se completamente ineficiente enquanto estímulo ao desenvolvimento científico do país. Vale lembrar que os resultados da reserva de mercado não eram absolutamente previsíveis, uma vez que o conhecimento científico e o aprimoramento educacional de domínio de novas tecnologias não podem ser obtidos através do isolamento da nação daquilo que é produzido nas demais regiões do mundo. Menos para os nacionalistas que não conseguiam trabalhar numa perspectiva cosmopolita. Vale destacar ainda que, no segmento de informática, é praticamente impossível desenvolver uma tecnologia genuinamente nacional, pois até mesmo os grandes grupos como, por exemplo, a IBM, Motorola e Appel, que têm capital e experiências acumuladas, adotam uma tecnologia globalizada, adquirindo componentes de fornecedores de diversos países, seguindo o princípio de que o mais importante não é a nacionalidade da tecnologia, mas a competitividade de cada produto.
...os países capitalistas dividiram a produção de peças que fazem o computador de tal maneira que uma máquina como o PS/2, da IBM, por exemplo, tenha componentes de uma dúzia de diferentes bandeiras. Nesse universo não existe nacionalismo - compra-se de quem une eficiência com preços baixos. Nem a superpotência tecnológica alemã tem hoje a pretensão de fabricar os superchips da próxima geração de computadores - entregou a tocha para os EUA e o Japão. Por quase duas décadas o Brasil acreditou que poderia estar na linha de frente nessa corrida fazendo tudo sozinho. (REVISTA VEJA, 19/06/91, p.38).

Diante do exemplo das próprias empresas multinacionais que compram do mundo todos seus componentes para montagem, a pretensão do Brasil de dominar sozinho um segmento tão sofisticado e dinâmico como a informática, tornou-se insana. Afinal, ser moderno é fabricar produtos eficientes e atualizados com preços baixos.
Se analisarmos a política brasileira de informática sob a luz do mercado, vamos perceber que o Brasil, por várias vezes, deu tratamento equivocado ao setor. Errou na década de setenta, quando adotou políticas de restrição ao capital e à tecnologia estrangeira. Errou também quando reforçou a política equivocada da SEI, aprovando a Lei de Informática de 1984, e principalmente quando se recusou a corrigir os rumos da política de informática, que estava jogando o país no atraso tecnológico não só na área de informática, mas também nos demais setores da economia brasileira que dependiam de tecnologias sofisticadas.
Não faltaram os alertas sobre as consequências funestas dessa política para o desenvolvimento brasileiro. Em 1988, W. Cline em sua obra Informática e Desenvolvimento, que foi amplamente divulgada no Brasil, advertia que a reserva de mercado acabaria impedindo o desenvolvimento tecnológico das indústrias brasileiras, fazendo-as perder a competitividade no mercado internacional: “O isolamento tecnológico custa caro e pode fazer regredir o estado geral da tecnologia do país - e da própria indústria de informática - em comparação com os padrões internacionais.” (CLINE, 1988, p. 32).
Foi somente com a deterioração total da indústria brasileira de informática que se tornou possível convencer as autoridades brasileiras sobre os efeitos perniciosos da reserva mercado. Foi preciso quase duas décadas de restrição para que seus mentores se dessem conta do equívoco que haviam cometido. Se a proteção adotada tivesse sido mais moderada, possivelmente não teria ficado tão evidente os efeitos negativos da reserva, mas como adotamos o modelo mais fechado do planeta, o fracasso do setor não pode ser atribuído a outros aspectos a não ser à própria natureza da proteção.
Ao ser adotada uma política dirigista e cartorialista para o setor de informática é que foi possível evidenciar que a reserva de mercado para a pesquisa nacional constitui numa estratégia isolacionista e ineficiente. A opção “pela soberania nacional”, como afirmava Tancredo Neves, não nos deu independência tecnológica.
Ao cair o manto da proteção estatal, em 1992, a sociedade pôde constatar que, mesmo com muitos anos de protecionismo à indústria nacional, o saldo era negativo. O Brasil tinha um parque instalado de 800.000 computadores, sendo que mais da metade era constituída por equipamentos obsoletos que já haviam saído de linha em países mais desenvolvidos. Para se ter uma ideia do nosso atraso, a cidade americana de Atlanta tinha mais computadores instalados do que o Brasil inteiro. A produção e consumo no Brasil representavam apenas 1% do mercado mundial de computadores, as fábricas nacionais não conseguiam exportar seus produtos nem para a África e o processo educacional brasileiro contava com a informática apenas no vocábulo. O faturamento global da indústria brasileira de informática chegava a US$ 7 bilhões _ somando inclusive a fabricação de uma gama considerável de produtos, muitos deles fabricados apenas para a exportação _ o mesmo montante que a IBM americana investia em pesquisas durante um ano.
Este resultado foi a consequência de uma política de informática que afugentou as empresas estrangeiras que, proibidas de modernizar a produção, foram obrigadas a transferir parte de suas atividades _ e até integralmente, em se tratando de novos produtos _ para outros países. Vejamos alguns exemplos.
a) A IBM, em 1976, foi obrigada a paralisar a produção do M-32, em função das restrições impostas pelo Estado brasileiro. Depois da restrição do Brasil, o modelo passou a ser produzido no Japão e se tornou um sucesso mundial de vendas da empresa.
b) A Texas Instruments, em 1986, foi impedida pelos burocratas oficiais de dobrar sua produção na sua fábrica de Campinas. Em 1987, foi proibida também de lançar uma linha mais moderna de componentes porque a empresa brasileira Transit tinha manifestado a intenção de fabricar o mesmo tipo de produto. Consequência: a multinacional americana empacotou seus projetos e abriu uma fábrica na Argentina, onde a legislação era menos restritiva. Ficou fabricando no Brasil apenas relês e termostatos que já eram produtos obsoletos.
c) A NCR foi proibida de fabricar caixas registradoras eletrônicas: a filial do Brasil ficou sendo a única unidade que produzia registradoras eletromecânicas.
d) A Hewlett Packard _ que já fabricava calculadoras em Campinas _ impossibilitada de produzir pequenos computadores no país, o HP 3000, passou a fabricá-lo em unidades que montou no México, Canadá e China.
e) A Motorola recebeu o ofício 082/81 - GABSEI, assinado pelo coronel Humberto Costa Monteiro, determinando que desativasse sua unidade de industrialização de semicondutores. “Quanto à industrialização de componentes semicondutores, a SEI decidiu que a Motorola não poderá iniciar essas atividades no Brasil. As atividades, ora sendo realizadas em nome da Motorola, terão que ser gradualmente desativadas, ...” (CAMPOS, 1994, p.1089).
Ao invés de incentivar a implantação de indústrias estrangeiras de liderança tecnológica em semicondutores e informática, como fizeram os países que obtiveram sucesso _ Escócia e Cingapura, por exemplo _ o Brasil proibiu a presença de empresas estrangeiras no setor (mesmo as joint ventures), reservando o mercado apenas para as nacionais Itautec, Elebra Componentes e Sid Informática.
Nossa política extremista causou grandes danos para todos os segmentos da economia que dependiam de equipamento de informática para se tornarem mais eficientes e produtivos. O mesmo ocorreu com a educação que não pôde contar com o mais potente meio de transmissão de informação. No ano que findou a reserva de mercado, ao invés da eficiência, a realidade mostrava uma situação bastante adversa: o Laptop nacional _ com tela e discos importados _ da Avalon custava US$ 5.000 enquanto que um similar da IBM era vendido nos Estados Unidos por US$ 1.800. Isto, evidentemente, apagava o brilho do faturamento de 7 bilhões de dólares apresentados pelos fabricantes nacionais, que convertidos pelo valor correspondente dos produtos no mercado internacional, não passaria de US$ 2,5 bilhões e um ônus de US$ 4,5 bilhões para o já fraca economia brasileira. Ao invés de riqueza, a reserva de mercado representava atraso para o país.
É mais fácil calcular o quanto se paga no país para que um grupo de 200 industriais faça computadores muito mais caros do que no exterior _ porque, afinal, quem recebe a conta é o consumidor. A indústria brasileira de informática gera anualmente cerca de 7 bilhões de dólares e seus produtos são em média 2,8 vezes mais caros do que os similares estrangeiros. Quando se divide 7 bilhões por 2,8, que é o diferencial que se paga em excesso, a riqueza real produzida pela indústria de informática fica reduzida a 2,5 bilhões de dólares por ano _ e consequentemente sobram 4,5 bilhões de dólares de prejuízo.” (...).“Esperava-se, no alvorecer da indústria nacional, que o sacrifício no preço mais caro compensasse no fim das contas através da criação de uma sólida indústria nacional, eficiente e lucrativa, com técnicos de padrão elevado. Era para isso que se fazia a reserva. A indústria, como se sabe, não é eficiente e apenas lucra porque não compete com a produção internacional. Os técnicos de primeira linha também não surgiram. (VEJA, p. 39).

O regime de reserva de mercado por si mesmo foi se desgastando até que o presidente Fernando Color de Mello, em 1990, extinguiu a SEI e enviou um projeto ao Congresso Nacional dando um golpe de misericórdia numa política que já vinha se desmoralizando ao longo dos anos. Podemos dizer que três fatores contribuíram diretamente para esse resultado: a) o explosivo ritmo do desenvolvimento tecnológico do setor, que evidenciou a impossibilidade de um país obter sucesso isoladamente; b) o contrabando, principalmente, dos pequenos componentes que tornava possível a muitas pessoas terem acesso aos produtos atualizados, revelando assim a ineficiência da indústria local; c) a queda do muro de Berlim e o desmonte do chamado socialismo real, que esfriou o sentimento anti-imperialista e o preconceito pela tecnologia dos países mais desenvolvidos.
A soma destes fatores, aliada à incansável luta de alguns empresários e intelectuais, que não deram trégua aos fabricantes cartorialistas atuando na formação de uma opinião favorável à liberdade de troca, foi capaz de quebrar a resistência daqueles que ainda insistiam no desenvolvimento autônomo da informática brasileira.
O resultado desastroso da Lei de Informática não deve ser visto apenas como um fracasso específico do setor de computadores, mas servir de lição para toda a sociedade sobre as consequências do dirigismo estatal na pesquisa e no desenvolvimento industrial do país. Em termos de política de desenvolvimento, mesmo acreditando que “os nossos nacionalistas são melhores do que os deles”, é mais viável contar com a ganância das empresas do que com o arbítrio e a orientação do Estado. Pois, enquanto a essência da vida empresarial é a aceitação do risco e a busca de novas oportunidades, o que norteia a burocracia estatal é o gozo do monopólio e a distribuição da renda alheia.












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APÊNDICE I










BASTIAT, Frédéric - “Os dois machados”. In: Frédéric Bastiat/(Editado por Alexandre Guasti, Traduzido por Ronaldo Legey) - Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1989.
“PETIÇÃO DE JACQUES BONHOMME, CARPINTEIRO
AO SR. CUNIN-GRINDAINE*, MINISTRO DO COMÉRCIO
SENHOR MINISTRO INDUSTRIAL DA TECELAGEM,
Sou carpinteiro, como foi Jesus; trabalho com o machado e a enxó para vos servir.
E foi cortando e rachando lenha, de manhã à noite, nas terras do Senhor nosso Rei, que me dei conta de que meu trabalho é tão nacional quanto o vosso.
Sendo assim, não vejo por que razão a Proteção não vem em auxílio de minha estância de madeiras, tal qual faz com vossa indústria.
Afinal, se vós fabricais tecidos, eu faço telhados. Ambos, por maneiras diversas, protegemos nossos clientes do frio e da chuva.
Entretanto, eu tenho que correr atrás dos fregueses, enquanto os fregueses é que correm atrás de vós. Soubestes bem forçá-los a isso, impedindo-os de comprar em outro lugar, enquanto meus fregueses procuram quem bem lhes aprouver.
O que há de espantoso nisso? Ora, o Sr. Cunin, ministro não se esqueceu do Sr. Cunin, fabricante de tecidos, o que é natural. Mas infelizmente meu humilde ofício não deu nenhum ministro à França, embora tenha dado um Deus ao mundo.
E este Deus, no código imortal que legou aos homens, não introduziu nenhuma palavra autorizando os carpinteiros a enriquecerem à vossa maneira, ou seja, às custas de outrem.
Considerai então a minha situação. Ganho trinta soldos por dia, exceto aos domingos e feriados. Se eu vos oferecer meus serviços, ao mesmo tempo que um carpinteiro de Flandres, e se ele trabalhar por um soldo a menos, é claro que lhe dareis preferência.
Contudo, se desejo me vestir e um tecelão belga me oferece seus tecidos no mercado, competindo com os vossos, vós o expulsareis do país, ele e seus tecidos.
Deste modo, me verei forçado a procurar vossa loja, que é mais careira, e meus míseros trinta soldos passarão a valer, na realidade, 28!
Que digo? Não valem nem 26! Pois, em vez de expulsar o tecelão belga às vossas custas (o que seria o mínimo a se esperar), vós me obrigais a pagar as pessoas que, no vosso interesse, mandam o belga passear.
E como um número considerável de vossos companheiros legisladores, com os quais vos entendeis às mil maravilhas, me leva, cada um deles, um ou dois soldos a mais, a pretexto de proteger seja o ferro, seja o carvão mineral, seja o óleo, seja o trigo, o fato é que não consigo salvar deste assalto nem sequer 15 soldos, dos trinta que consigo ganhar.
Vós me direis, sem dúvida, que estes pequenos soldos, que fogem, sem qualquer compensação, do meu bolso para o vosso, são o sustento daqueles que vivem em torno de vosso castelo e que também vos propiciam condições de viver muito bem. Permiti-me alertar-vos que se vós me deixásseis esses soldinhos nas minhas mãos, eles também seriam o sustento dos que vivem em torno de mim.
De qualquer forma, Senhor Ministro Industrial de tecelagem, sabendo que seira mal recebido, não venho vos forçar, como aliás eu teria o direito, a abdicar da restrição imposta à vossa clientela.
Prefiro seguir a tendência geral e reivindicar também um pouquinho de proteção.
Com toda certeza vós ireis apresentar-me alguma dificuldade. “_ Amigo _ direis _ gostaria de proteger a ti e a teus pares, mas como conceder vantagens alfandegárias ao trabalho dos carpinteiros? Seria possível proibir a entrada de casas por terra e por mar?”
Tal atitude seria ridícula. Mas, de tanto pensar no problema, descobri um outro meio de favorecer os filhos de São José. Vós acatareis minha idéia, creio, com mais benevolência, pois não tem diferença nenhuma dos privilégios que são votados por vós e para vós mesmos todos os anos.
Este meio maravilhoso consiste no seguinte: proibir, em toda a França, o uso de machados afiados.
Semelhante restrição não seria nem mais ilógica nem mais arbitrária do que a encontrada por vós para os vossos tecidos.
Por que motivo expulsais os belgas? Porque vendem mais barato do que vós. E por que vendem eles mais barato? Porque são superiores a vós enquanto fabricantes de tecidos.
Entre vós e um belga há exatamente a mesma diferença que entre um machado cego e um afiado.
E vós me forçais, a mim, carpinteiro, a comprar o produto feito pelo machado cego!
Considerai a França como um operário que quer, através de seu trabalho, adquirir coisas de que necessita, dentre as quais estão os tecidos.
Para tanto há dois caminhos possíveis:
- o primeiro é fiar e tecer lã;
- o segundo é fabricar outras mercadorias como, por exemplo, relógios, papel de parede ou vinho, e trocá-las com os belgas.
Desses dois procedimentos indicados, o que dá melhor resultado pode ser simbolizado pelo machado afiado; o outro, pelo cego.
Não podeis negar que, atualmente, na França, dá mais trabalho obter-se uma peça de tecido diretamente de nossos teares (é o machado cego) do que indiretamente por intermédio de nossas vinhas (é o machado afiado). E não podeis negar isso, porque é justamente em função desta maior dificuldade (com a qual constituís vossa riqueza) que recomendais e, ainda mais, que impondes o uso do pior dos dois machados.
Pois bem! Sede pelo menos consequente, imparcial, se não quiserdes se justo, tratai os pobres carpinteiros como tratais a vós mesmo.
Editai uma lei que diga:
Ninguém poderá usar senão vigas i travas produzidas por machados cegos.
E vede o que vai acontecer.
Onde tínhamos de dar cem machadadas, daremos trezentas. O que fazemos em uma hora, levaremos três. Que poderoso estímulo pare o trabalho! aprendizes, artífices e mestres, não seremos mais em número suficiente. Seremos procurados e, por conseguinte, bem pagos. Quem quiser usufruir de um telhado terá de se submeter às nossas exigências, do mesmo modo que quem quer ter um tecido é obrigado a se submeter às vossas.
E que não venham os teóricos do livre mercado por em dúvida a utilidade dessa medida. Se o fizerem, saberemos bem onde achar uma refutação vitoriosa. Será no vosso relatório parlamentar de 1834. Nós os derrotaremos com esse relatório, pois nele vós soubestes admiravelmente defender a causa das proibições e dos machados sem corte, o que, no fundo constitui-se em dois nomes usados para designar uma só coisa.” (p. 131).














APÊNDICE II










LEI NÚMERO. 7.232 -29/10/1984
Lei de Informática

LEI Nº 7.232 – 29/10/1984

Dispõe sobre a Política Nacional de Informática e dá outras providências.

O Presidente DA REPÚBLICA – Faço saber que a Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º. – Esta Lei estabelece princípios, objetivos e diretrizes da Política Nacional de Informática, seus fins e mecanismos de formulação, cria o Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN, dispõe sobre a Secretaria Especial de Informática – SEI, cria os Distritos de Exportação de Informática, autoriza a criação da Fundação Centro Tecnológico para Informática – CTI, institui o Plano Nacional de Informática e Automação e o Fundo Especial de Informática e Automação.

DA POLÍTICA NACIONAL DE INFORMÁTICA

Art. 2º. – A Política Nacional de Informática tem por objetivo a capacitação nacional nas atividades de informática, em proveito do desenvolvimento social, cultural, político, tecnológico e econômico da sociedade brasileira, atendidos os seguintes princípios:
I – ação governamental na orientação, coordenação e estímulo das atividades de informática;
II – participação do Estado nos setores produtivos de forma supletiva, quando ditada pelo interesse nacional, e nos casos em que a iniciativa privada nacional não tiver condições de atuar ou por eles não se interessar;
III – intervenção do Estado de modo a assegurar equilibrada proteção à produção nacional de determinadas classes e espécies de bens e serviços, bem assim crescente capacitação tecnológica;
IV – proibição à criação de situações monopolísticas, de direito ou de fato;
V – Ajuste continuado do processo de informatização às peculiaridades da sociedade brasileira;
VI – orientação de cunho político das atividades de informática, que leve em conta a necessidade de preservar e aprimorar a identidade cultural do País, a natureza estratégica da informática e a influência desta no esforço desenvolvido pela Nação, para alcançar melhores estágios de bem-estar social;
VII – Direcionamento de todo o esforço nacional no setor, visando ao atendimento dos programas prioritários do desenvolvimento econômico e social e ao fortalecimento do Poder Nacional, em seus diversos campos de expressão;
VIII – estabelecimento de mecanismos e instrumentos legais e técnicos para a proteção do sigilo dos dados armazenados, processados e veiculados, do interesse da privacidade e de segurança das pessoas físicas e jurídicas, privadas e públicas;
IX – estabelecimento de mecanismos e instrumentos para assegurar a todo cidadão o direito ao acesso e à retificação de informações sobre ele existentes em bases de dados públicos ou privados;
X – estabelecimento de mecanismos e instrumentos para assegurar o equilíbrio entre os ganhos de produtividade e os níveis de emprego na automação dos processos produtivos;
XI – fomento e proteção governamentais dirigidos ao desenvolvimento de tecnologia nacional e ao fortalecimento econômico-financeiro e comercial da empresa nacional, bem como estímulo à redução de custos dos produtos e serviços, assegurando-lhes maior competitividade internacional.
Art. 3º. – Para os efeitos desta Lei, consideram-se atividades de informática aquelas ligadas ao tratamento racional e automático da informação e, especificamente, as de:
I – pesquisa, desenvolvimento, produção, importação e exportação de componentes eletrônicos a semicondutor, opto-eletrônicos, bem como dos respectivos insumos de grau eletrônico;
II – pesquisa, importação, exportação, fabricação, comercialização e operação de máquinas, equipamentos e dispositivos baseados em técnica digital, com funções técnicas de coleta, tratamento, estruturação, armazenamento, comutação, recuperação e apresentação da informação, seus respectivos insumos eletrônicos, partes, peças e suporte físico para operação;
III – Importação, produção, operação e comercialização de programas para computadores e máquinas automáticas de tratamento da informação e respectiva documentação técnica associada (”software”);
IV – estruturação e exploração de bases de dados;
V – prestação de serviços técnicos de informática.
§ 1.º – (VETADO).*
§ 2º. – A estruturação, a exploração de bancos de dados (VETADO)* serão regulados por lei especifica.

DOS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA NACIONAL DE INFORMÁTICA

Art. 4º. – São instrumentos da Política Nacional de Informática:
I – o estímulo ao crescimento das atividades de informática de modo compatível com o desenvolvimento do País;
II – a institucionalização de normas e padrões de homologação e certificação de qualidade de produtos e serviços de informática;
III – a mobilização e a aplicação coordenadas de recursos financeiros públicos destinados ao fomento das atividades de informática;
IV – o aperfeiçoamento das formas de cooperação internacional para o esforço de capacitação do País;
V – a formação, o treinamento e o aperfeiçoamento de recursos humanos para o setor;
VI – a instituição de regime especial de concessão de incentivos tributários e financeiros, em favor de empresas nacionais, destinados ao crescimento das atividades de informática;
VII – as penalidades administrativas pela inobservância de preceitos desta Lei e regulamentos;
VIII – o controle das importações de bens e serviços de informática por 8 (oito) anos a contar da publicação desta Lei;
IX – a padronização de protocolos de comunicação entre sistemas de tratamento da informação; e
X – o estabelecimento de programas específicos para o fomento das atividades de informática, pelas instituições financeiras estatais.

DO CONSELHO NACIONAL DE INFORMÁTICA E AUTOMAÇÃO

Art. 5º. – O artigo 32 do Decreto-lei nº. 200, de 25 de fevereiro de 1967, passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 32 – A Presidência da República é constituída essencialmente pelo Gabinete Civil e pelo Gabinete Militar. Também dela fazem parte, como órgãos de assessoramento imediato ao Presidente da República:
I – o Conselho de Segurança Nacional;
II – o Conselho de Desenvolvimento Econômico;
III – o Conselho de Desenvolvimento Social;
IV – a Secretaria de Planejamento;
V – o Serviço Nacional de Informações;
VI – o Estado-Maior das Forças Armadas;
VII – o Departamento Administrativo do Serviço Público;
VIII – a Consultoria Geral da República;
IX – o Alto Comando das Forças Armadas;
X – o Conselho Nacional de Informática e Automação.
Parágrafo único – O Chefe do Gabinete Civil, o Chefe do Gabinete Militar, o Chefe da Secretaria de Planejamento, o Chefe do Serviço Nacional de Informações e o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas são Ministros de Estado titulares dos respectivos órgãos.’
Art. 6º. – O Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN é constituído por (VETADO)* representantes do Poder Executivo entre os quais os Ministros das Comunicações, da Indústria e do Comércio, da Fazenda, da Educação e Cultura, do Trabalho, o Ministro Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República e o Secretário Geral do Conselho de Segurança Nacional, bem assim por 8 (oito) representantes de entidades não governamentais, compreendendo representantes da indústria e dos usuários de bens e serviços de informática, dos profissionais e trabalhadores do setor, da comunidade científica e tecnológica e de pessoas brasileiras de notório saber.
§1º. – Cabe a Presidência do Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN ao Presidente da República.
§2º. – Para a consecução dos objetivos da Política Nacional de Informática, poderá o Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN autorizar a criação e a extinção de Centros de Pesquisa Tecnológica e de Informática, em qualquer parte do Território Nacional e no exterior.
§3º. – A organização e o funcionamento do Conselho Nacional de Informática e Automação serão estabelecidos pelo Poder Executivo.
§4º. – Ressalvado o disposto no parágrafo seguinte, a duração do mandato de membros não governamentais do Conselho será de 3 (três) anos.
§5º. – O mandato dos membros do Conselho, em qualquer hipótese, se extinguirá com o mandato do Presidente da República que os nomear.
Art. 7º. – Compete ao Conselho Nacional de Informática e Automação:
I – assessorar o Presidente da República na formulação da Política Nacional de Informática;
II – propor, a cada 3 (três) anos, ao Presidente da República o Plano Nacional de Informática e Automação, a ser aprovado e anualmente avaliado pelo Congresso Nacional, e supervisionar sua execução;
III – estabelecer, de acordo com o disciplinado no Plano Nacional de Informática e Automação, (VETADO)' resoluções específicas de procedimentos a serem seguidos pelos órgãos da Administração Federal;
IV – acompanhar continuamente a estrita observância destas normas;
V – opinar, previamente, sobre a criação e reformulação de órgãos e entidades, no âmbito do Governo Federal, voltados para o setor de informática;
VI – opinar sobre a concessão de benefícios fiscais, financeiros ou de qualquer outra natureza por parte de órgãos e entidades da Administração Federal a projetos do setor de informática;
VII – estabelecer critérios para a compatibilização da política de desenvolvimento regional ou setorial, que afetem o setor de informática, com os objetivos e os princípios estabelecidos nesta Lei, bem como medidas destinadas a promover a desconcentração econômica regional;
VIII – estabelecer normas e padrões para homologação dos bens e serviços de informática e para a emissão dos correspondentes certificados, ouvidos previamente os órgãos técnicos que couber;
IX – conhecer dos projetos de tratados, acordos, convênios e compromissos internacionais de qualquer natureza, no que se refiram ao setor de informática;
X – estabelecer normas para o controle do fluxo de dados transfronteiras e para a concessão de canais e meios de transmissão de dados e redes no exterior (VETADO);
XI – estabelecer medidas visando à prestação, pelo Estado, do adequado resguardo dos direitos individuais e públicos no que diz respeito aos efeitos da informatização da sociedade, obedecido o prescrito no artigo 40;
XII – pronunciar-se sobre currículos mínimos para formação profissional e definição das carreiras a serem adotadas, relativamente às atividades de informática, pelos órgãos e entidades da Administração Federal, Direta e Indireta, e fundações sob supervisão ministerial;
XIII – decidir, em grau de recurso, as questões decorrentes das decisões da Secretaria Especial de Informática;
XIV – Opinar sobre as condições básicas dos atos ou contratos (VETADO)# relativos às atividades de informática;
XV – propor ao Presidente da República o encaminhamento ao Congresso Nacional das medidas legislativas complementares necessárias à execução da Política Nacional de Informática; e
XVI – em conformidade com o Plano Nacional de Informática e Automação, criar Centros de Pesquisa e Tecnologia e de Informática, em qualquer parte do Território Nacional e no exterior.

DA SECRETARIA ESPECIAL DE INFORMÁTICA

Art. 8.º – Compete à Secretaria Especial de Informática – SEI, órgão subordinado ao Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN:
I – prestar apoio técnico e administrativo ao Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN;
II – baixar, divulgar, cumprir e fazer cumprir as resoluções do Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN, de acordo com o item III do artigo 7.º;
III – elaborar a proposta do Plano Nacional de Informática e Automação, submetê-la ao Conselho Nacional de Informática e Automação e executá-la na sua área de competência, de acordo com os itens II e III do artigo 7.º;
IV – Adotar as medidas necessárias à execução da Política Nacional de Informática no que lhe couber;
V – analisar e decidir sobre os projetos de desenvolvimento e produção de bens de informática (VETADO); e
VI – manifestar-se previamente sobre as importações de bens e serviços de informática por 8 (oito) anos a contar da data da publicação desta Lei, respeitado o disposto no item II do artigo 7º.

DAS MEDIDAS APLICÁVEIS ÀS ATIVIDADES DE INFORMÁTICA

Art. 9º. – Para assegurar adequados níveis de proteção às Empresas Nacionais, enquanto não estiverem consolidadas e aptas a competir no mercado internacional, observados critérios diferenciados segundo as peculiaridades de cada segmento específico de mercado, periodicamente reavaliados, o Poder Executivo adotará restrições de natureza transitória à produção, operação, comercialização, e importação de bens e serviços técnicos de informática.
§1º. – Ressalvado o disposto no artigo 10, não poderão ser adotadas restrições ou impedimentos ao livre exercício da fabricação, comercialização e prestação de serviços técnicos no setor de informática às Empresas Nacionais que utilizem tecnologia nacional, desde que não usufruam de incentivos fiscais e financeiros.
§2 – Igualmente não se aplicam as restrições do "caput” deste artigo aos bens (VETADO) de Informática, com tecnologia nacional cuja fabricação independe da importação de partes, peças e componentes de origem externa.
Art. 10 – O Poder Executivo poderá estabelecer limites à comercialização, no mercado interno, de bens e serviços de informática, mesmo produzidos no País, sempre que ela implique na criação de monopólio de fato em segmentos do setor (VETADO).
Art. 11 – Os órgãos e entidade da Administração Pública Federal, Direta e Indireta, as fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público e as demais organizações sob o controle direto ou indireto da União darão preferência nas aquisições de bens e serviços de informática aos produzidos por empresas nacionais.
Parágrafo único – Para o exercício dessa preferência, admite-se, além de condições satisfatórias de prazo de entrega, suporte de serviços, qualidades, padronização, compatibilidade e especificação de desempenho, diferença de preço sobre similar importado em percentagem a ser proposta pelo Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN à Presidência da República (VETADO).
Art. 12 – Para os efeitos desta Lei, empresas nacionais são as pessoas jurídicas constituídas e com sede no País, cujo controle esteja, em caráter permanente, exclusivo e incondicional, sob a titularidade, direta ou indireta, de pessoas físicas residentes e domiciliadas no Pais, ou por entidades de direito público interno, entendendo-se controle por:
I – controle decisório – o exercício, de direito e de fato, do poder de eleger administradores da sociedade e de dirigir o funcionamento dos órgãos da empresa;
II – controle tecnológico – o exercício, de direito e de fato, do poder para desenvolver, gerar, adquirir e transferir de tecnologia de produto e de processo de produção;
III – controle de capital – a detenção, direta ou indireta, da totalidade do capital, com direito efetivo ou potencial de voto, e de, no mínimo, 70% (setenta) por cento, do capital social.
§ 1º. – No caso de sociedades anônimas de capital aberto, as ações com direito a voto ou a dividendos fixos ou mínimos deverão corresponder, no mínimo, a 2/3 (dois terços) do capital social e somente poderão ser propriedades, ou ser subscritas ou adquiridas por:
a) pessoas físicas, residentes e domiciliadas no País, ou entes de direito público interno;
b) pessoas jurídicas de direito privado, constituídas e com sede e foro no País, que preencham os requisitos definidos neste artigo para seu enquadramento como empresa nacional;
c) pessoas jurídicas de direito público interno.
§2º. – As ações com direito a voto ou a dividendos fixos ou mínimos guardarão a forma nominativa.
Art. 13 – Para a realização de projetos de pesquisa, desenvolvimento e produção de bens e serviços de informática, que atendam aos propósitos fixados no artigo 19, poderão ser concedidos às empresas nacionais os seguintes incentivos, em conjunto ou isoladamente:
I – isenção ou redução até O (zero) das alíquotas do imposto de
Importação nos casos de importação, sem similar nacional:
a] de equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos, com respectivos acessórios, sobressalentes e ferramentas;
b) de componentes, produtos intermediários, matérias-primas, partes e peças e outros insumos;
II – isenção do Imposto de Exportação, nos casos de exportação de bens homologados;
III – isenção ou redução até 0 (zero) das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados:
a) sobre os bens referenciados no item I, importados ou de produção nacional, assegurada aos fornecedores destes a manutenção do crédito tributário quanto às matérias-primas, produtos intermediários, partes e peças e outros insumos utilizados no processo de industrialização,
b] sobre os produtos finais homologados;
IV – isenção ou redução até O (zero) das alíquotas do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros e sobre Operações relativas a Títulos e Valores Mobiliários, incidente sobre as operações de câmbio vinculadas ao pagamento do preço dos bens importados e dos contratos de transferência de tecnologia;
V – dedução até o dobro, como despesa operacional para o efeito de apuração do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza, dos gastos realizados em programas próprios ou de terceiros, previamente aprovados pelo Conselho Nacional de Informática e Automação, que tenham por objeto a pesquisa e o desenvolvimento de bens e serviços do setor de informática ou a formação, o treinamento e o aperfeiçoamento de recursos humanos para as atividades de informática;
VI – depreciação acelerada dos bens destinados ao ativo fixo; VIl – prioridade nos financiamentos diretos concedidos por instituições financeiras federais, ou nos indiretos, através de repasse de fundos administrados por aquelas instituições, para custeio dos investimentos em ativo fixo, inclusive bens de origem externa sem similar nacional. Art. 14 – Às empresas nacionais, que façam ou venham a fazer o processamento físico-químico de fabricação de componentes eletrônicos a semicondutor, opto-eletrônicos e assemelhados, bem como de seus insumos, envolvendo técnicas como crescimento epitaxial, difusão, implantação iônica ou outras similares ou mais avançadas, poderá ser concedido, por decisão do Presidente da República, adicionalmente aos incentivos previstos no artigo anterior, o benefício da redução do lucro tributável, para efeito de imposto de renda, de percentagem equivalente à que a receita bruta desses bens apresenta na receita total da empresa. Parágrafo único – Paralelamente, como forma de incentivos, poderá ser atribuída às empresas usuárias dos insumos relacionados no “caput” deste artigo, máximo de microeletrônica, a faculdade de efetuar a dedução em dobro de seu valor de aquisição, em seu lucro tributável. Art. 15 – As empresas nacionais, que tenham projeto aprovado para o desenvolvimento do “software”, de relevante interesse para o sistema produtivo do País, poderá ser concedido o benefício da redução do lucro-tributável, para efeito de imposto de renda, em percentagem equivalente à que a receita bruta da comercialização desse “software” representar na receita total da empresa. Parágrafo único – (VETADO) *. Art. 16º. – Os incentivos previstos pela Lei só serão concedidos nas classes de bens e serviços, dentro dos critérios, limites e faixas de aplicação expressamente previstos no Plano Nacional de Informática. Art. 17º. – Sem prejuízo das demais condições a serem estabelecidas pelo Conselho Nacional de Informática e Automação, as empresas beneficiárias deverão investir em programas de criação, desenvolvimento ou adaptação tecnológica quantia correspondente a uma percentagem (VETADO) * fixada previamente no ato de concessão de incentivos, incidentes sobre a receita trimestral de comercialização de bens e serviços do setor, deduzidas as despesas de frete e seguro, quando escrituradas em separado no documentário fiscal e corresponderem aos preços correntes no mercado. Parágrafo único – (VETADO). Art. 18 – O não cumprimento das condições estabelecidas no ato de concessão dos incentivos fiscais obrigará a empresa infratora ao recolhimento integral dos tributos de que foi isenta ou de que teve redução, e que de outra forma seriam plenamente devidos, corrigidos monetariamente e acrescidos de multa de 100% (cem por cento) do principal atualizado. Art. 19 – Os critérios, condições e prazo para o deferimento, em cada caso, das medidas referidas nos artigos 13 e 15 serão estabelecidos pelo Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN, de acordo com as diretrizes constantes do Plano Nacional de Informática e Automação, visando: I – à crescente participação da empresa privada nacional; II – ao adequado atendimento às necessidades dos usuários dos bens e serviços do setor; III – ao desenvolvimento de aplicações que tenham as melhores relações custo/benefício econômico e social; IV – à substituição de importações e à geração de exportações; V – à progressiva redução dos preços finais dos bens e serviços; e VI – à capacidade de desenvolvimento tecnológico significativo. Art. 20 – As atividades de fomento serão exercidas diretamente pelas instituições de crédito e financiamento públicas e privadas, observados os critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Informática e Automação _ CONIN e as disposições estatutárias das referidas instituições. Art. 21 – Nos exercícios financeiros de 1986 e 1995, inclusive, as pessoas jurídicas poderão deduzir até 1% (um por cento) do imposto de renda devido, desde que apliquem diretamente, até o vencimento da cota única ou da última cota do imposto, igual importância em ações novas de empresas nacionais de direito privado que tenham como atividade única ou principal a produção de bens e serviços do setor de informática, vedadas as aplicações em empresas de um mesmo conglomerado econômico e/ou empresas que não tenham tido seus planos de capitalização aprovados pelo Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN. Parágrafo único – Qualquer empresa de controle direto ou indireto da União ou dos Estados atualmente existente ou que venha a ser criada, não poderá se utilizar de benefícios que não os descritos na presente Lei, nem gozar de outros privilégios. Art. 22 – (VETADO). no caso de bens e serviços de informática, julgados de relevante interesse para as atividades científicas e produtivas internas e para as quais não haja empresas nacionais capazes de atender às necessidades efetivas do mercado interno, com tecnologia própria ou adquirida no exterior, a produção poderá ser admitida em favor de empresas que não preencham os requisitos do artigo 12, desde que as organizações interessadas: I – tenham aprovado, perante o Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN, programas de efetiva capacitação de seu corpo técnico nas tecnologias do produto e do processo de produção; II – apliquem, no País, em atividade de pesquisa e desenvolvimento, diretamente ou em convênio com Centros de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico voltados para a área de Informática e Automação ou com Universidades brasileiras, segundo prioridades definidas pelo Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN, quantia correspondente a uma percentagem, fixada por este no Plano Nacional de Informática e Automação, incidente sobre a receita bruta total de cada exercício; III – apresentem plano de exportação; e IV – estabeleçam programas de desenvolvimento de fornecedores locais. § 1.º – O Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN só autorizará aquisição de tecnologia no exterior quando houver reconhecido interesse de mercado, e não existir empresa nacional tecnicamente habilitada para atender a demanda. § 2.º – As exigências deste artigo não se aplicam aos produtos e serviços de empresas que, até a data da vigência desta Lei, já os estiverem produzindo e comercializando no País, de conformidade com projetos aprovados pela Secretaria Especial de Informática – SEI (VETADO).* Art. 23 – Os produtores de bens e serviços de informática garantirão aos usuários a qualidade técnica adequada desses bens e serviços, competindo-lhes, com exclusividade, o ônus da prova dessa qualidade. §1.º – De conformidade com os critérios a serem fixados pelo Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN, os fabricantes de máquinas, equipamentos, subsistemas, instrumentos e dispositivos, produzidos no País ou de origem externa, para a comercialização no mercado interno, estarão obrigados à divulgação das informações técnicas necessárias à interligação ou conexão desses bens com os produzidas por outros fabricantes e à prestação, por terceiros, de serviço de manutenção técnica, bem como a fornecer partes e peças durante 5 (cinco) anos após a descontinuidade de fabricação do produto. §2.º – O prazo e as condições previstas no parágrafo anterior serão estabelecidas por regulamento do Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN. DOS DISTRITOS DE EXPORTAÇÃO DE INFORMÁTICA Art. 24 – Ressalvadas as situações já prevalecentes e, em havendo a disponibilidade da correspondente tecnologia no País, o uso de tecnologia externa por empresas que não preencham os requisitos do artigo 12 ficará condicionado a que. I – a produção (VETADO) se destine exclusivamente ao mercado externo; e II – a unidade de produção se situe em qualquer dos Distritos de Exportação de Informática. Art. 25 – Serão considerados Distrito de Exportação de Informática [VETADO) os Municípios situados nas áreas da SUDAM e SUDENE para tal propósito indicado pelo Poder Executivo e assim nominados pelo Congresso Nacional. Art. 26 – A produção e exportação de bens de Informática, bem como a importação de suas partes, peças, acessórios e insumos, nos Distritos de Exportação de Informática, serão isentas dos Impostos de Exportação, de Importação, (VETADO) * sobre Produtos Industrializados e sobre as operações de fechamento de câmbio. Art. 27 – As exportações de peças, componentes, acessórios e insumos de origem nacional para consumo e industrialização nos Distritos de Exportação de Informática, ou para reexportação para o exterior, serão para todos os efeitos fiscais constantes de legislação em vigor, equivalentes a exportações brasileiras para o exterior. Art. 28 – (VETADO). Art. 29 – Ficam ratificados os termos do “Convênio para compatibilização de procedimentos em matéria de informática e microeletrônica, na Zona Franca de Manaus, e para a prestação de suporte técnico e operacional; de 30 de novembro de 1983, celebrado entre a Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA e a Secretaria Especial de Informática – SEI, com a interveniência do Centro Tecnológico para Informática e da Fundação Centro de Análise de Produção Industrial que passa a fazer parte integrante desta Lei. DO FUNDO ESPECIAL DE INFORMÁTICA E AUTOMAÇÃO Art. 30 – (VETADO). Parágrafo único (VETADO). Art. 31 – O Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN aprovará, anualmente, o orçamento do Fundo Especial de Informática e Automação, considerando os planos e projetos aprovados pelo Plana Nacional de Informática e Automação, alocando recursos para os fins especificados no art. 30. DA FUNDAÇÃO CENTRO TECNOLÓGICO PARA INFORMÁTICA Art. 32 – Fica o Poder Executivo autorizado a instituir a Fundação Centro Tecnológico para Informática – CTI, com a finalidade de incentivar o desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica nas atividades de informática. §1.º – A Fundação, vinculada ao Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN, gozará de autonomia administrativa e financeira e adquirirá personalidade jurídica a partir do arquivamento de seu ato constitutivo, de seu estatuto e do decreto que o aprovar. §2.º – O Presidente da República designará representante da União nos atos constitutivos da Fundação. §3.º – A estrutura e o funcionamento da Fundação reger-se-ão por seu estatuto aprovado pelo Presidente da República. Art. 33 – São objetivos da Fundação: I – promover, mediante acordos, convênios e contratos com instituições públicas e privadas, a execução de pesquisas, planos e projetos; II – emitir laudos técnicos; III – acompanhar programas de nacionalização, em conjunto com os órgãos próprios, em consonância com as diretrizes do Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN; Parágrafo Único – O Fundo Especial de Informática e Automação destina-se ao financiamento, a “fundo perdido”, a programas de pesquisas e desenvolvimento de tecnologia de informática e automação, principalmente na área de microeletrônica; ao aparelhamento dos Centros de Pesquisa, com prioridade para as Universidades Federais e Estaduais; à capitalização dos Centros de Tecnologia criados em consonância com as diretrizes do Plano Nacional de Informática e Automação; e à modernização da Indústria Nacional pelo emprego de novas técnicas, sistemas e processos digitais propiciados pela Informática) IV – exercer atividades de apoio às empresas nacionais no setor de informática; V – implementar uma política de integração das universidades brasileiras, mediante acordos, convênios e contratos, ao esforço nacional de desenvolvimento de nossa informática. Art. 34 – Mediante ato do Poder Executivo, serão incorporados à Fundação Centro Tecnológico para Informática os bens e direitos pertencentes ou destinados ao Centro Tecnológico para Informática. Art. 35 – O patrimônio da Fundação Centro Tecnológico para Informática será constituído de: I – recursos oriundos do Fundo Especial de Informática e de Automação, que lhe forem alocados pelo Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN; II – dotações orçamentárias e subvenções da União; III – auxílios e subvenções que lhe forem destinados pelos Estados e Municípios, suas autarquias, sociedades de economia mista ou empresas públicas; IV – bens e direitos do Centro Tecnológico para Informática; V – remuneração dos serviços prestados decorrentes de acordos, convênios ou contratos; VI – receitas eventuais. Parágrafo único – Na instituição da Fundação, o Poder Executivo incentivará a participação de recursos privados no patrimônio da entidade e nos seus dispêndios correntes, sem a exigência prevista na parte final da letra “b” do art. 2,º do Decreto-lei n.º 900, de 29 de setembro de 1969. Art. 36 – O Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN assegurará, no que couber, à Fundação Centro Tecnológico para Informática, os incentivos de que trata esta Lei. Art. 37 – A Fundação Centro Tecnológico para Informática terá seu quadro de pessoal regido pela Legislação Trabalhista. §1.º – Aos servidores do Centro Tecnológico para Informática, a ser extinto, é assegurado o direito de serem aproveitados no Quadro de Pessoal da Fundação. §2.º – A Fundação poderá contratar, no País ou no exterior, os serviços de empresas ou profissionais especializados para prestação de serviços técnicos, de caráter temporário, ouvido o Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN. Art. 38 – Em caso de extinção da Fundação, seus bens serão incorporados ao patrimônio da União, Art. 39 – As despesas com a constituição, instalação e funcionamento da Fundação Centro Tecnológico para Informática correrão à conta de dotações orçamentárias consignadas atualmente em favor do Conselho de Segurança Nacional, posteriormente, em favor da Presidência da República – Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN ou de outras para esse fim destinadas. DISPOSIÇÕES FINAIS Art. 40 – [VETADO]. Parágrafo único – (VETADO). Art. 41 – (VETADO). §1.º – (VETADO). §2.º – (VETADO). §3.º – (VETADO). Art. 42 – Sem prejuízo da manutenção e aperfeiçoamento dos instrumentos e mecanismos de prática industrial e de serviços empregados, incumbido de examinar a introdução de inovações tecnológicas. Parágrafo único – A comissão de automação de cada empresa terá como critério principal, no exame de projetos de automação submetidos a sua análise, a preservação do nível de emprego. Art. 41 – As informações referentes a pessoas, arquivadas em bancos de dados, serão de livre acesso àqueles que nelas são nominados, podendo os mesmos solicitar eventuais correções ou retificações nas informações neles contidas, ficando os bancos de dados expressamente proibidos de utilizar, sem autorização prévia, os dados pessoais individualizados para outros fins que não aquele para o qual foram prestados. §1.º – Serão registrados na Secretaria Especial de Informática todos os bancos de dados que forem operados no País. §2.º – A recusa de acesso às informações previstas neste artigo e/ou a sua não correção ou retificação sujeitarão o responsável pelo banco de dados às seguintes sanções; a] se servidor público – até demissão a bem do serviço público e multa de 50 (cinquenta) a 100 (cem) salários mínimos; b) se servidor de empresa privada – até cassação do registro do banco de dados e multa de 50 (cinquenta a 100 (cem) salários mínimos. §3.º – As sanções previstas no parágrafo anterior serão aplicadas sem prejuízo de outras sanções de natureza civil e penal.) na érea de informática, vigentes na data da publicação desta Lei, o Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, submeterá ao Presidente da República proposta de adaptação das normas e procedimentos em vigor aos preceitos desta Lei. Art. 43 – Matérias referentes a programas de computador e documentação técnica associada (“Software") (VETADO) * e aos direitos relativos à privacidade, com direitos da personalidade, por sua abrangência, serão objeto de leis específicas, a serem aprovadas pelo Congresso Nacional. Art. 44 – O primeiro Plano Nacional de Informática e Automação será encaminhado ao Congresso Nacional no prazo de até 360 (trezentos e sessenta) dias a partir da data da publicação desta lei. Art., 45 – Esta Lei entrará em vigor 60 (sessenta) dias após a sua publicação. Art. 46 – Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, em 29 de outubro de 1984; 163.º da Independência e 96.º da República. João Figueiredo